quinta-feira, 22 de maio de 2014

LENDAS: O MILAGRE DA NAZARÉ

Lendas & Mistérios
O MILAGRE DA NAZARÉ
Uma das lendas antigas que enriquecem a nossa cultura e que contribuíram para enraizar o Cristianismo e solidificar uma jovem Nação e o seu primeiro Rei.

FONTES: Portugal Glorioso - Wikipédia 
TEXTO: Português

O velho rei ergue a cabeça e olha. Olha e pensa. Pensa e revolta-se. Não se conforma com estar ali, quedo e aborrecido, enquanto seu filho Sancho anda correndo aventuras e perigos no Alentejo e no Algarve. E também enquanto o seu fiel D. Fuas Roupinho se bate, decerto como o valente que sempre é, em Porto de Mós, defrontando um inimigo muito superior em número e em forças...
Não, não está certo! D. Afonso Henriques, o já velho monarca que lançara as raízes do novo reino de Portugal, não pode esconder a sua impaciência.

Estamos no ano de 1180. Mais ou menos a meio do ano. Ficara combinado que el-rei não saísse de Coimbra sem que chegassem notícias de Porto de Mós, ou algum mensageiro dos campos do Alentejo e do Algarve, por onde D. Sancho passeava a sua ânsia de conquista. Mas para D. Afonso Henriques essa espera é longa demais. Para entreter a sua impaciência, percorre a largos passos as câmaras da alcáçova de Coimbra, que já caíra em seu poder. Assoma a uma janela e exclama:
— Porém, que posso eu fazer... senão esperar? Que Deus se amerceie do meu bom Fuas Roupinho e que ele volte depressa à minha presença! O rei de Portugal retoma o seu passeio. Agitado e inquieto. Não é homem para estar parado. Não é homem para aguardar serenamente os acontecimentos.

De súbito, um clamor inesperado corre pelas ruas, espalha-se pela cidade e acaba invadindo o próprio paço. Os sentidos do velho monarca ficam alerta. Será um novo ataque dos mouros?
A resposta não tarda a chegar, com o clamor alegre do povo. Clamor que sobe pela Couraça de Coimbra e que se precipita irresistivelmente ao encontro do velho rei. E com o clamor vem D. Fuas Roupinho, alcaide de Porto de Mós, trazendo atrás de si um rebanho de mouros, prisioneiros e taciturnos.

— Bravo D. Fuas... Cheguei a recear por vós.
As palavras de el-rei são sinceras, e nelas se mistura a admiração e a amizade.
D. Fuas ajoelha respeitosamente aos pés do rei. Depois ergue-se e diz:
— Senhor, a mihha carne pode ser já velha, mas a moirama ainda não arranjou lanças capazes de me matar...
D. Afonso Henriques sorri.
— Sois sempre o mesmo, D. Fuas! Nem os anos nem as canseiras conseguem quebrantar vossa alma de lutador.
D. Fuas sorri também, ao responder:
— Aprendi convosco, Senhor! Com tal mestre, pena seria que eu saísse mau discípulo...
Foi a vez de rirem ambos. Sentando-se, e convidando D. Fuas a sentar-se, o rei de Portugal pede a D. Fuas que lhe conte tudo quanto se passara.
Em breves e simples palavras, D. Fuas Roupinho conta essa grande aventura.
Em certo momento, talvez porque ousara infiltrar-se demais no campo inimigo, vira-se cercado por forças muito superiores às suas. Reflectira um pouco. Desafiar o inimigo à luz do dia, seria imprudência. Valia mais esperar pela noite... Assim, quando a noite chegou, arrastados por D. Fuas, os portugueses, poucos embora, num desses lances temerários em que a audácia esmaga o número, caíram de surpresa sobre os mouros, dominando-os por completo...

D. Afonso Henriques escuta-o em silêncio. Mas os olhos d’el-rei exprimem o seu contentamento.
D. Fuas Roupinho manda então que ali mesmo amontoem aos pés do rei de Portugal as armas, as bandeiras e os tesouros que a sua bravura e a dos seus homens tinham sabido conquistar.
Depois, manda que tragam também, pálido e desalentado, o próprio rei mouro Gamir, comandante do exército inimigo.
— Senhor meu rei... Aqui tendes igualmente a vossos pés, Gamir, rei infiel de Mérida, o qual ousou desafiar o vosso poder… Agora, ele é apenas vosso prisioneiro.
O rei mouro deu um passo em frente.
— Tu... Tu és esse Iben Erik de que tanto se fala?...
Faz-se mais pálido. A sua voz transforma-se num murmúrio.
— Agora compreendo!... Com um chefe como tu... com cavaleiros como os teus... nada mais poderemos fazer... Que Alá nos proteja!... Vamos perder todas as nossas terras... todos os nossos tesouros!...
E sem forças para mais, Gamir cai redondo no solo, enquanto um grito aflitivo ecoa pela sala.
— Pai!... Meu querido pai!...
Soldados adiantam-se para separar a jovem que se abraçou ao velho rei mouro, chorando convulsivamente. Mas D. Afonso Henriques suspende-os com um gesto. E logo ali ordena que sejam retiradas as correntes que manietam os dois vencidos, e que passem a ser tratados como verdadeiros cristãos, entregues à guarda de D. Fuas Roupinho.

Entretanto o tempo vai passando, e D. Fuas Roupinho recebe novos encargos do seu rei e senhor. Assim, por incumbência dele, dirige-se a Lisboa, onde apronta uma frota destinada a perseguir as galés sarracenas que infestam o mar.

Pela primeira vez na História, os Portugueses saem a lutar sobre as ondas do oceano. E embora ainda sem grande experiência, conseguem vencer declaradamente os Mouros, sem dúvida muito mais experimentados em batalhas marítimas, travadas ao longo da costa africana.
Foi esta a primeira grande vitória naval dos Portugueses. Animados pelo próprio triunfo, atrevem-se a ir mais longe. Sempre sob o comando do intrépido D. Fuas Roupinho, primeiro almirante de Portugal, avançam até às águas de Ceuta, depois de terem percorrido triunfalmente toda a costa do Sul. E de Ceuta voltam, trazendo apresadas inúmeras embarções mouras.
A corte portuguesa veste galas para acolher D. Fuas Roupinho e os seus homens. O rei Afonso abraça o almirante vitorioso e diz-lhe:
— Ide para Porto de Mós, D. Fuas. Caçai e folgai a vosso gosto, que bem ganhastes o direito a descansar dos trabalhos da guerra.
Sem mostrar alegria nem tristeza, D. Fuas limita-se a dizer:
— Cumpro sempre as vossas ordens, sejam elas quais forem, Senhor!
Reza a tradição que, no dia seguinte, D. Fuas se encaminhou para Porto de Mós. E que ali encontrou a jovem princesa moura chorando a morte de seu pai.
Mal vê o alcaide, corre para ele.
— Senhor, senhor, nem sei como agradecer-vos... Mas o senhor meu pai pediu-me que o fizesse, mal vos visse... Fostes tão bom para ele e para mim!
D. Fuas Roupinho não consegue esconder a emoção.
— Graças, princesa. E conformai-vos com paciência. Foi Deus que assim o quis!
Ela ergue para ele os olhos, vermelhos de tanto chorar.
— Deus?... Dissestes Deus?...
E logo, num desabafo íntimo, acrescenta:
— Gostaria de conhecer o vosso Deus... E muito em especial a Mãe desse Deus, que dizem ser tão bom e tão generoso...
De novo, a emoção passa pelos olhos de D. Fuas Roupinho. As suas mãos acariciam os longos e negros cabelos da jovem princesa moura. E promete:
— Amanhã mesmo te levarei a ver a Sua Imagem... uma imagem que eu venero!
Cumprindo o prometido, manhã cedo, D. Fuas Roupinho leva consigo a jovem princesa moura e vai mostrar-lhe a imagem de Nossa Senhora, entre duas rochas, na Nazaré. Pela primeira vez na sua vida, a filha do rei Gamir cai de joelhos diante de uma imagem cristã.

— É linda a Vossa Senhora... Muito linda!
E D. Fuas Roupinho conta-lhe então, docemente, a história maravilhosa daquela imagem.
Um monge grego fugira com ela para Belém de Judá, dando-a a São Jerónimo. Este, por sua vez, mandara-a a Santo Agostinho. E Santo Agostinho entregara-a ao Mosteiro de Cauliniana, a uns doze quilómetros de Mérida. Aí puseram à imagem o nome de Nossa Senhora da Nazaré, por ela ter vindo da própria terra natal da Virgem Maria.
Quando os mouros derrotaram os cristãos, obrigando o rei Rodrigo a fugir para Mérida, Rodrigo levou consigo a preciosa imagem. Mas nem mesmo assim se sentiu absolutamente seguro. E resolveu fugir de novo, agora na companhia do abade Frei Romano, possuidor duma preciosa caixa de relíquias que pertencera a Santo Agostinho.
Após uma aventura dramática, quase mortos, os dois homens chegaram ao sítio da Pederneira, na costa do Atlântico. Então, resolveram separar-se. Rodrigo ficou no monte que se chama de São Bartolomeu e Frei Romano foi viver para o monte fronteiro. Combinaram, porém, corresponder-se por meio de fogueiras, que acendiam à noite. Mas, certa noite, a fogueira de Frei Romano não se acendeu. Não mais se acenderia!
Rodrigo acudiu inquieto, e foi encontrá-lo morto. Apavorado, escondeu a imagem e a caixa de relíquias numa lapa, e abalou dali, correndo como um doido.

Segundo conta ainda a tradição, veio a morrer perto de Viseu, num sítio denominado Fetal...
Concluindo a sua história, D. Fuas Roupinho acrescenta, olhando a imagem:
— Só há bem pouco tempo alguns pastores a descobriram, e eu logo me tornei num dos seus maiores devotos. Venero-a com todas as forças da minha alma.
A jovem princesa parece alheada e distante. Olhos fitos na imagem, repete como em oração:
— É linda, a Senhora!... É linda, a Senhora!...
D. Fuas afaga-lhe a cabeça e diz-lhe meigamente:
— Olha, minha filha... Podes ficar aqui a adorá-la o tempo que quiseres. Eu vou caçar. Depois, voltarei a buscar-te.

E é então que se passa algo de extraordinário.
D. Fuas Roupinho monta e galopa pelo campo, quando vê de repente passar junto de si um vulto negro e estranho... É um veado! — pensa ele... Um veado, com certeza!
Sente-se feliz. Não poderia começar melhor a sua caçada. Para mais, um veado como nunca vira em toda a sua vida. Esporeia mais o cavalo. Não pode perder presa de tanto valor... Como num desafio, o veado torna a passar junto dele. Uma vez. Duas vezes. D. Fuas Roupinho sente irromper todo o seu brio. Pois um herói como ele, um homem habituado aos combates mais árduos, vai perder uma tão formidável peça de caça? Nunca! Há-de apanhar o veado, custe o que custar. Esporeia o cavalo até fazer sangue e aproxima-se da presa. Já falta pouco. Está quase a alcançá-lo... De lança em riste, já canta vitória...

Mas, de repente, vê a terra desaparecer sob as patas do cavalo... Está à beira dum precipício, a pique sobre o mar!... Um brado aflitivo sai-lhe da garganta, enquanto o cavalo se empina, relinchando desesperadamente, e o veado se some no espaço, desfazendo-se como fumo:
— Virgem Santíssima, valei-me! Valei-me, minha Nossa Senhora da Nazaré!
Por um instante (parece uma eternidade) cavalo e cavaleiro lutam sobre o abismo. Mas a Virgem ouvira decerto o apelo angustiado de D. Fuas Roupinho. E ele salva-se. Por milagre. Por autêntico milagre!
Nas rochas, ficam marcadas as patas traseiras do cavalo, sinais que ainda hoje ali se podem ver.
D. Fuas corre ao local onde deixara a jovem princesa junto da imagem de Nossa Senhora. Encolhida a um canto, trémula, o rosto banhado em lágrimas, ela mostra-se aliviada ao vê-lo regressar.
— Oh, senhor, tive tanto medo!... Ainda bem que voltastes!... Passou por aqui um animal medonho... Parecia o Génio do Mal!
— Bem sei... Bem o vi...


E sem mais palavras de momento, o cavaleiro desmonta e ajoelha, rezando fervorosamente, a agradecer à Virgem o auxílio que lhe prestara. De que lhe serviria, afinal, ser um herói como era, se não tivesse a seu lado a protegê-lo a presença milagrosa de Nossa Senhora da Nazaré? Esse, sim, era o maior de todos os prodígios! E enquanto se ergue, respirando fundo, como que a afastar os últimos temores, D. Fuas Roupinho confessa serenamente:
— Sim, jovem princesa… O monstro que passou por aqui, transformado em veado, era o próprio Demónio... Estive prestes a morrer, tentado por ele, mas Nossa Senhora salvou-me!
E, com súbito entusiasmo, acrescenta:
— Hei-de levar esta imagem para o local do milagre, para o sítio onde tudo aconteceu... Lá ficará, pelos séculos fora, como símbolo do misericordioso poder da Virgem!

E logo dali sai a cumprir a promessa. Às ordens de D. Fuas Roupinho — e, segundo se diz, ajudando-os por suas próprias mãos — pedreiros de Leiria e de Porto de Mós constroem a Capela da Virgem num sítio chamado da Memória, em memória de tão extraordinário milagre que salvara o almirante português de morte certa e brutal.
E a imagem da Virgem Nossa Senhora da Nazaré lá continua a invocar a lenda, atraindo todos os anos milhares e milhares de fiéis, por ocasião das afamadas e tradicionais festas da vila.

Fonte Biblio; MARQUES Gentil, Círculo de Leitores, 1997 [1962] , p.Volume IV, pp. 9-14



Lenda da Nazaré



Nazaré: aspecto da falésia onde ocorreu o milagre.
Conta a Lenda da Nazaré que ao nascer do dia 14 de setembro de 1182, D. Fuas Roupinhoalcaide do castelo de Porto de Mós, caçava junto ao litoral, envolto por um denso nevoeiro, perto das suas terras, quando avistou um veado que de imediato começou a perseguir. O veado dirigiu-se para o cimo de uma falésia. D. Fuas, no meio do nevoeiro, isolou-se dos seus companheiros. Quando se deu conta de estar no topo da falésia, à beira do precipício, em perigo de morte, reconheceu o local. Estava mesmo ao lado de uma gruta onde se venerava uma imagem de Nossa Senhora com o Menino. Rogou então, em voz alta: Senhora, Valei-me!. De imediato, miraculosamente, o cavalo estacou, fincando as patas no penedo rochoso suspenso sobre o vazio, o Bico do Milagre, salvando-se assim o cavaleiro e a sua montada da morte certa que adviria de uma queda de mais de cem metros.
D. Fuas desmontou e desceu à gruta para rezar e agradecer o milagre. De seguida mandou os seus companheiros chamar pedreiros para construírem uma capela sobre a gruta, em memória do milagre, a Ermida da Memória, para aí ser exposta à veneração dos fiéis a milagrosa imagem. Antes de entaipar a gruta os pedreiros desfizeram o altar ali existente e entre as pedras, inesperadamente, encontraram um cofre em marfim contendo algumas relíquias e um pergaminho, no qual se identificavam as relíquias como sendo de São Brás e São Bartolomeu e se relatava a história da pequena imagem esculpida em madeira, policromada, representando a Santíssima Virgem Maria sentada num banco baixo a amamentar o Menino Jesus.
Segundo o pergaminho, a imagem terá sido venerada desde os primeiros tempos do Cristianismo em Nazaré, na Galileia, terra natal da Virgem Maria. No século quinto, o monge grego Ciríaco transportou-a até ao mosteiro de Cauliniana, perto de Mérida. Ali permaneceu, até 711, ano dabatalha de Guadalete, após a qual desbaratadas pelos muçulmanos, as forças cristãs fugiram desordenadamente para norte. Quando a notícia da derrota chegou a Mérida, os monges de Cauliniana prepararam-se para abandonar o mosteiro.
Entretanto D. Rodrigo, o rei cristão derrotado, conseguira escapar do campo de batalha e disfarçado de mendigo refugiara-se incógnito em Cauliniana. Porém ao confessar-se a um dos monges, frei Romano, teve de dizer quem era. O monge propôs-lhe então, fugirem juntos para o litoral atlântico e levarem consigo a muito antiga imagem de Nossa Senhora da Nazaré, que se venerava no mosteiro com fama de muito miraculosa.
A 22 de Novembro de 711 chegaram ao seu destino e instalaram-se no monte Seano, hoje Monte de São Bartolomeu, numa igreja abandonada que lá encontraram. A existência de um mosteiro nas imediações, do qual subsiste a igreja de São Gião, deve ter sido um factor determinante para a escolha deste destino final da fuga. Passado pouco tempo separaram-se para viver como eremitas. O rei ficou, o monge levou consigo a imagem e instalou-se, a três quilómetros do monte, numa pequena gruta no topo de uma falésia sobre o mar.
O rei Rodrigo passado um ano decidiu abandonar a região. Frei Romano continuou a viver no eremitério subterrâneo até à sua morte. A sagrada imagem de Nossa Senhora da Nazaré continuou sobre o altar onde o monge a colocou até 1182 quando foi mudada para a capela que D. Fuas mandou construir sobre a gruta. A imagem permanece pois, desde 711-712, no mesmo sítio, o Sítio da Nazaré.
Em 1377, o rei D. Fernando (1367-1383), devido à significativa afluência de peregrinos, mandou construir, perto da capela, uma igreja para a qual foi transferida a imagem de Nossa Senhora da Nazaré, decorrendo esta denominação, do seu lugar de origem, a aldeia de Nazaré na Galileia.
A popularidade desta devoção na época dos Descobrimentos era tamanha entre as gentes do mar, que tanto Vasco da Gama, antes e depois da sua primeira viagem à Índia, quanto Pedro Álvares Cabral, vieram em peregrinação ao Sítio da Nazaré. Entre os muitos peregrinos da família Real destacamos, a rainha D. Leonor de Áustria, terceira mulher do rei D. Manuel I, irmã do imperador Carlos V, futura rainha de França, que permaneceu no Sítio alguns dias, em 1519, num alojamento de madeira construído especialmente para esta ocasião. Também S. Francisco Xavier, padre jesuíta, o Apóstolo do Oriente, veio em peregrinação à Nazaré antes de partir para Goa. Foram aliás os Jesuítas portugueses os grandes propagadores deste culto em todos os continentes.
Santuário de Nossa Senhora da Nazaré (autor desconhecido, séc. XVII).
Nos séculos dezasete e dezoito ocorreu a grande divulgação do culto de Nossa Senhora da Nazaré em Portugal e no Império Português. Ainda hoje se veneram algumas réplicas da verdadeira imagem e existem várias igrejas e capelas dedicadas a esta invocação espalhadas pelo Mundo. É de destacar a imagem de Nossa Senhora da Nazaré que se venera em Belém do Pará, no Brasil, cuja festa anual recebeu o nome de Círio de Nazaré e é uma das maiores romarias do mundo atingindo os dois milhões de peregrinos em um só dia.
No século dezasseis, o Santuário de Nossa Senhora da Nazaré fundado por D. Fernando, começou a ser reconstruído e aumentado, tendo as obras sido prolongadas por várias empreitadas até finais do século dezanove. O edifício actual é o resultado destas obras sucessivas que lhe conferiram um carácter peculiar com grande qualidade.
A sagrada imagem, de madeira policromada, com pouco mais de um palmo de altura, representa Maria de Nazaré sentada num banco a amamentar o menino Jesus sentado na sua perna esquerda. Está exposta na capela-mór num nicho iluminado integrado no retábulo barroco, ao qual os devotos podem aceder subindo uma escada que parte da sacristia.
Segundo a tradição oral inscrita numa lápide colocada na capela da memória, em 1623, a imagem terá sido esculpida por São José carpinteiro, em Nazaré, na Galileia, quando Jesus era bébé. Algumas décadas depois São Lucas evangelista terá pintado os rostos e as mãos. Conservou-se em Nazaré até ser trazida para Belém pelo monge grego Ciríaco que a entregou a São Jerónimo de Estridão, que a ofereceu a Santo Agostinho, que por sua vez a ofereceu ao mosteiro de Cauliniana, de onde foi trazida para o seu Sítio actual. Assim sendo poderá ser a mais antiga imagem venerada por cristãos.
Até hoje, a tradição aponta aos visitantes a marca deixada pela ferradura de uma das mãos do cavalo de D. Fuas, no extremo do Bico do Milagre, ao lado da Capela da Memória, no Sítio da Nazaré.

Iconografia

Ermida da Memória: painel de azulejos representando o milagre a D. Fuas Roupinho.
As representações do Milagre da Senhora da Nazaré a D. Fuas Roupinho são inúmeras, sendo de destacar, a gravura anónima no livro de Brito Alão (1628), a tela no arcaz da sacristia do santuário assinada por Luís de Almeida, a diversificada colecção de gravuras do Museu Dr. Joaquim Manso, no Sítio, a escultura da igreja de São Domingos, em Lisboa, o vitral na capela da Quinta da Regaleira, em Sintra, o mural de Almada Negreiros na gare marítima de Alcântara, em Lisboa, e os muitos painéis de azulejos nas fachadas das casas da vila da Nazaré e da região.
Na gravura do livro acima referido, aparece o cavaleiro no Bico do Milagre, sem a representação da Virgem. Na tela da sacristia, mais tardia algumas décadas, a imagem aparece pintada no interior de uma pequena gruta. A partir de finais do século dezassete, a cena do milagre passa a ser sistematicamente apresentada como uma aparição mariana, na qual a Senhora da Nazaré "levita" acima e à frente do cavaleiro, no momento em que este, na ponta do penedo, está prestes a precipitar-se no abismo. Foi este modelo errado que perseverou até hoje, destacando-se pelo seu carácter excepcional a aguarela de Mário Botas, no Museu do Sítio, na qual se vê a Senhora duplamente representada , a "levitar" e na gruta.

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