quarta-feira, 3 de setembro de 2014

ZÉ DO TELHADO - DE HERÓI CONDECORADO A SALTEADOR

Personagens Históricos
ZÉ DO TELHADO - DE HERÓI CONDECORADO A SALTEADOR
Aqui tem revelada a história deste lendário bandoleiro Português, que mais não queria do que fazer justiça, numa época conturbada da nossa história,onde eram patentes as enormes diferenças entre as diversas classes sociais. Por isso mesmo, José do Telhado, além de bandoleiro, foi herói nacional, acarinhado pelos mais desfavorecidos.
Ficam aqui um extracto da série da RTP "João Semana"; o filme Português da sua vida, rodado por Armando de Miranda em 1945. Uma extraordinária produção para a época, a preto e branco, que nos recorda o extraordinário cinema Nacional que se fazia naquela época.
Fica também um pouco da história de Portugal naquela época para melhor situar o personagem e os acontecimentos.
Pode ainda ler um relato da época acerca de um dos assaltos de Zé do Telhado e um pouco do que foi o seu julgamento, que foi uma vergonha por ter sido manipulado para obterem a sua condenação, por crimes que não cometeu.
Por fim, deixo o programa "O Lanceiro da Rainha", feito pelo prof. Hermano Saraiva e que nos conta também a história de Zé do Telhado.

Texto: Português
Áudio: Português
Fonte: RTP - Wikipédia - YouTube - Setúbal na Rede







Extracto da série de TV "Joao Semana

Fonte: RTP
Áudio: Português







Cinema
JOSÉ DO TELHADO

Um filme Português inspirado nas aventuras do personagem histórico conhecido como José do Telhado, que de herói condecorado pelo Rei, passou a bandoleiro. O filme apenas se inspira no período da vida de José do Telhado, em que este se dedicou a assaltar os nobres ricos, farto da desigualdade social, da fome e miséria em que viviam as classes menos favorecidas do Reino. De nenhuma maneira o filme é identificativo da personalidade e de toda a vida do personagem.

Realizador: Armando de Miranda
Ano: 1945
Actores: Virgilio Ferreira 
Fonte: TouTube
Áudio: Português










Relato da época de uma assalto de Zé do Telhado ocorrido em Celorico de Basto 

Na noite de 8 de Abril de 1852, por volta da meia-noite, a quadrilha do José do Telhado assaltou a casa do lavrador Domingos Gonçalves Camelo que vivia na companhia de sua mulher Maria Francisca no lugar de Paradela, freguesia de Fervença, concelho de Celorico de Basto.
Constava que Domingos Camelo recebeu uma herança de um familiar afastado e guardou o dinheiro nas suas casas, que podia ser na casa de habitação, ou nos anexos, lojas, lagares ou armazéns, muito bem escondido e até diziam que os ladrões podiam procurar por todo o lado, que não dariam com os valores.
Para além do comandante José do Telhado faziam ainda parte da quadrilha, o Pichorra, o Glórias, o José Pequeno, o António Morgado, outro Morgado; estes dois últimos, para não serem reconhecidos e mais outros dois ficaram no exterior da propriedade.
O José do Telhado resolveu assaltar a casa, talvez atraído pela tal herança que constava ter recebido.
"Um deles subiu por cima de uma dessas ditas casas entrou ao seu curral e depois abriu o seu portal para onde entraram os mais..."
Depois de atravessarem o terreiro, arrombaram a fechadura da porta, sem que os donos da casa acordassem.
Entraram pela cozinha, passaram à sala, para onde dava a porta do quarto de dormir.
Os salteadores, dois de cada lado, abeiraram-se da cama e o casal foi acordado por estes vultos tenebrosos.
- Quem está aí? -- terá perguntado Domingos Camelo.
- Não se mexa e diga onde está o dinheiro. Já! -- ameaçou o Pichorra apontando-lhe uma pistola.
Enquanto pode lá foi resistindo, até que os salteadores levaram um para cada lado, e usando a força de forma violenta, à coronhada pela cabeça e pelas costelas, iam ameaçando: "Confessa, senão mato-te!"
Segundo as declarações das testemunhas do Auto, houve recurso ao disparo de vários tiros para o ar, provavelmente para intimidar este casal de lavradores.
- Entregamos tudo, mas não nos façam mal -- disse resignado Domingos Camelo.
- Vamos a isso -- respondeu José do Telhado.
- O dinheiro e o ouro está nas gavetas e numa lata debaixo da cama.
De imediato abriram as gavetas das mesas e da cómoda e retiraram a lata debaixo da cama.
Deste assalto resultou, além do dinheiro que totalizada cerca de 150$000 (cento e cinquenta mil réis), três fios de contas de ouro (no valor de nove mil réis), quatro laços de ouro, três pares de brincos de ouro, um cordão de ouro, dois capotes de panos novos, doze lençóis de pano de linho e um lote de pano fino novo.
Este assalto andou na boca do povo por muito tempo, devido à graçola que José do Telhado, ao ver Maria Francisca a choramingar, inconsolada pelos haveres que acabava de perder, disse "não se rale, mulher! De que lhe serve o dinheiro, se não pode comprar com ele uma cara mais nova e menos feia!"

José do Telhado alcunha de José Teixeira da Silva, assim se chamava porque a casa onde vivia com os pais e irmãos, em Castelões de Recezinhos, pertencente na altura ao extinto concelho de Santa Cruz de Riba Tâmega (atualmente pertencente ao de Penafiel) era coberta de telha, uma novidade naquele tempo, pois a maioria das casas eram ainda cobertas com colmo (palha de centeio).
Nasceu em 22 de Junho de 1818, filho de um capitão de ladrões e no seio de uma família onde extorquir o alheio era atividade de raízes fundadas.
Foi um famoso salteador português do século dezanove e era chefe da quadrilha mais famosa do Marão.
Foi perseguido pelas autoridades e mais tarde preso na Cadeia da Relação, quando tentava fugir para o Brasil.
Posteriormente foi julgado no tribunal de Marco de Canaveses e condenado ao degredo em África. Em Malange, onde vivia fez-se negociante de borracha, cera e marfim.
Morreu de varíola em 1875, com 57 anos de idade, sendo sepultado na aldeia de Xissa, município de Mucari, a meia centena de quilómetros de Malanje, sendo-lhe erguido um mausoléu, objeto de romagens.
José do Telhado «ele mesmo se intitulava -- e assim o declarou no julgamento -- "repartidor público", isto é, alguém que tirava aos ricos para dar aos pobres.»




Zé do Telhado


José do Telhado ou Zé do Telhado, alcunha de José Teixeira da Silva CvTE (Lugar do Telhado,1 Castelões de RecesinhosPenafiel22 de junho de 1818 —MucariMalanjeAngola1875) foi um militar e famoso salteador português.
Chefe da quadrilha mais famosa do Marão, Zé do Telhado é conhecido por "roubar aos ricos para dar aos pobres" e, por isso, muitos o consideram o Robin dos Bosques português.
De origens rurais humildes, aos 14 anos foi viver com um seu tio, no lugar de Sobreira, freguesia de Caíde de Rei, para aprender com ele o ofício de castrador e tratador de animais.2 No dia 3 de Fevereiro de 1845 casou-se com a sua prima Ana Lentina de Campos e da qual teve cinco filhos.
Tinha vasta experiência militar começada no quartel de Cavalaria 2, os Lanceiros da Rainha, e toma parte contra o partido dos setembristas e pela restauração daCarta Constitucional, no mês de julho de 1837. Derrotado, refugia-se em Espanha.
Ao regressar, grassava no país uma revolta larvar contra o governo anticlerical de Costa Cabral e quando estala a Revolução da Maria da Fonte, a 23 de março de 1846, vê-se envolvido como um dos líder da insurreição. Coloca-se às ordens do General Sá da Bandeira, que também tinha aderido. Assume o posto desargento e distingue-se de tal forma na bravura e qualidades militares que, na expedição a Valpaços, recebe a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, a mais alta condecoração que ainda hoje vigora em Portugal. No entanto, o seu «partido» entra em desgraça, amontoa dívidas de impostos que não consegue pagar e é expulso das forças armadas.
Já como "Zé do Telhado", chefe bandoleiro, realiza um grande número de assaltos por todo o Norte de Portugal, durante um período muito conturbado que coincidiu com o pedido de maior resistência de D. Miguel, no exílio com seu governo, aos seus partidários miguelistas que tentaram formar grupos de guerrilha em todo o país.
O bandoleiro mais conhecido do país acaba por ser apanhado pelas autoridades em 31 de março de 1859 quando tentava fugir para o Brasil. Esteve preso naCadeia da Relação, onde conheceu Camilo Castelo Branco que se lhe refere nas Memórias do Cárcere.3
Em 9 de dezembro de 1859 foi julgado e condenado ao degredo perpétuo na África Ocidental Portuguesa. Foi-lhe comutada a pena aplicada na de 15 anos de degredo, em 28 de setembro de 1863. Viveu em Malanje, negociando em borrachacera e marfim. Casou-se com uma angolana, Conceição, de quem teve três filhos. Conhecido entre os locais como o kimuezo – homem de barbas grandes –, viveu desafogadamente. Faleceu aos 57 anos, vítima de varíola, sendo sepultado na aldeia de Xissa, município de Mucari, a meia centena de quilómetros de Malanje, sendo-lhe erguido um mausoléu, objeto de romagens



Zé do Telhado


Zé do Telhado, titular da Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, permanece no imaginário popular como um assaltante que roubava aos ricos para dar aos pobres. O mito e as lendas têm servido para ocultar um processo judicial feito de mentiras e provas forjadas.


Na campa, onde jaz, consta uma data de nascimento igualmente falsa. As quadrilhas integravam padres, morgados, administradores, empresários e alfaiates. Nunca foram julgados. A História reconduz-nos a julgamentos recentes, alguns dos quais da actualidade...
Na noite de 16 para 17 de Março de 1857, Zé do Telhado é já alvo de uma caça ao homem sem precedentes. Tinha renovado a quadrilha, agora constituída por Zé do Telhado e o irmão Joaquim, António da Cunha, o Silva mestre pedreiro, a senhora Tomásia, Joaquim Pinto e a mulher, donos de uma estalagem , o Morgado António Faria, o padre Torquato José Coelho Magalhães, o alfaiate Miguel Exposto, o Morgado da Magantinha(António Ribeiro de Faria) e o administrador Albino Leite.
 
Zé do Telhado resolve pernoitar em Amarante, cujo administrador, José Guedes Cardoso da Mota, fora avisado que o fugitivo passaria a noite na casa de Manuel Teixeira, do Sardoal.
 
Cabos de ordens, tropas de caçadores e regedores das freguesias são mobilizados em peso para a captura, cujo comando fora confiado ao regedor Alves, de São Gonçalo.
 
Cercaram a casa durante a noite. Mal irrompessem os primeiros raios de sol, por imposição legal, o assalto e as prisões consumar-se-iam. A mulher do dono da casa, quase de madrugada, apercebeu-se do cerco e tentou alertar Zé do Telhado, entretanto ocupado a cuidar do visual. 
Nas situações mais dramáticas, o homem cofiava a barba hirsuta, ajeitava o paletó, empertigava a peitaça frente ao espelho.
Dirigiu-se a uma janela e interpelou um dos cabos. ”Quem anda aí? – as palavras de Zé do Telhado rasgaram a noite gelada. A resposta chegou e trazia mau augúrio: ”É o regedor da freguesia. Por ora não queremos nada, o que queremos será mais logo”. O foragido dirige-se para o lado oposto da casa e abre outra janela. ”Tu, que estás detrás do carvalho, sai!.. senão morres!”

Ao grito da última palavra, colou-se um tiro que aterrorizou a patroa. “Entregue-se, senhor, que eles não lhe fazem mal” – ajoelhou-se a mulher. Zé do Telhado nem ouviu. Ao nascer do dia, para surpresa geral, abre a porta de casa e aparece de peito feito. Desce os degraus e simula que se vai entregar. Em tropel, a tropa lança-se sobre a criatura. O gesto é fulgurante - recua, entra de novo em casa, bate com a porta, foge pelas traseiras, galgando um monte.
 
Os sitiantes seguiram-lhe no encalço. Sentindo-se perseguido, desfechou um tiro. Depois, outro. Estava morto o regedor Alves, comandante do pelotão destroçado. 
A verdade histórica confronta-se, hoje, com as versões oficiais e a lenda de José Teixeira da Silva, nascido em 1818 no lugar do Telhado, freguesia de Castelões de Recezinhos, concelho de Penafiel.
 
Aos 14 anos, o garoto muda de ares e vai residir para casa do tio João Diogo, no lugar de Sobreira, freguesia de Caíde de Rei, concelho de Lousada. Castrador e tratador de animais, acolhe o sobrinho, interessado em aprender o ofício. Diogo tinha vida abastada e deu abrigo a José Teixeira da Silva durante cinco anos.
 
Agosto quente, festa da Senhora da Aparecida, 13 de Agosto, dia de folguedo geral no lugar. José Teixeira descobre o aceno de um lenço branco por detrás de uma janela, na casa onde morava.
 
Ana Lentina, a prima, faltara ao festim. Afogueado, o moço galga o portão e corre para os braços da prima. Um beijo subtil e cinco palavras de amor selaram uma paixão que acabaria em casamento e tragédia. Tinha 19 anos.
 
Pouco depois, assenta praça no quartel de Cavalaria 2, os “Lanceiros da Rainha”. Corria o mês de Julho de 1837. Rebenta a “Revolta dos Marechais”, contra o partido dos setembristas e pela restauração da “Carta Constitucional”. Os lanceiros alinham com os revoltosos, desbaratados a 18 de Setembro.
 
O general Schwalback, líder da insurreição, foge para Espanha e leva José Teixeira, que se distinguira em combate. A caminho do exílio, o intrépido recebe a notícia de que o tio, finalmente, abençoara o seu casamento com Ana.
 
Regressado com um perdão a Portugal, troca alianças a 3 de Fevereiro de 1845. A 7 de Novembro, nasce a primeira filha do casal – Maria Josefa.
 
Grassava no país uma revolta larvar contra o governo de Costa Cabral. O povo, ajoujado a impostos e arbítrios, aproveita a publicação da “Lei de Saúde Pública”- que proíbe os funerais nas igrejas e impõe aos cadáveres um exame por mandatários do governo, em detrimento dos cirurgiões locais – e amotina-se por todo o Minho contra as “papeletas da ladroeira”.
 
Estala a 23 de Março a “Revolução da Maria da Fonte”, liderada por mulheres. As quatro cabecilhas da revolta são presas dois dias depois, mas o rastilho espalha-se a Trás-os-Montes.

Há soldados que desertam para o lado dos insurretos. Chaves adere, depois Póvoa de Lanhoso, Vila Real, Guimarães. Centenas de revoltosas são presas pelos soldados e libertadas por companheiras.
 
José Teixeira foi o líder militar da insurreição, à qual aderiram pés descalços e o General-Visconde de Sá da Bandeira, às ordens de quem fica o sargento Silva. Logo se distingue na expedição a Valpaços.
 
Os actos de bravura, despojamento, apurado instinto militar, num combate que perdeu, valeram-lhe a mais alta condecoração que ainda hoje vigora em Portugal: a ” Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito”.
 
O pior viria depois.
 
Derrotado, aconchega a condecoração, tira as divisas de sargento e voa como um pássaro para os braços da mulher e dos cinco filhos. Os vencedores atacaram a canalha. José Teixeira é perseguido, atola-se em dívidas por impostos que não consegue pagar e é expulso das Forças Armadas.
 
Não há quem lhe dê ofício, a todas as portas bateu – todas se lhe fecharam.
Assim nasce o Zé do Telhado que faria lenda.
 
Nesse tempo, Custódio, o “Boca Negra”, capitaneava a maior quadrilha de bandoleiros que aterrorizou as duas beiras em 1842. Conhecia, de gingeira,as façanhas militares de José Teixeira.

Ferido num dos assaltos, “Boca Negra” leva Teixeira a um casario meio abandonado onde se acoitava o bando. Apresentam-se à luz da vela - o “Tira-Vidas”, “O Girafa”, o “Sancho Pacato” o “Veterano” e o “Zé Pequeno”. Para o assalto do dia seguinte, “Boca Negra”, o líder ferido, informa a quadrilha que José Teixeira o substituiria no comando.
A bola de neve cresceu, imparável.
 
Zé do Telhado faz e reorganiza quadrilhas, ganha fama de generoso e audaz pelas vítimas que escolhe para os assaltos e o destino do dinheiro ou das jóias – os desgraçados com que se cruzava e, antes de tudo, a “ minha rica mulher e os queridos filhinhos”,como os viria a chamar, mais tarde, ao companheiro de prisão Camilo Castelo Branco.
 
A fama do bandoleiro atravessa o país. O temido Zé do Telhado emite, aos que estimava, um salvo conduto com a sua assinatura e esta informação:
” O portador deste salvo-conduto pode passar livremente e mando que o ajudem quando for preciso”.
 
Com as autoridades no seu encalço por todo o país, mil vezes o cercaram, mil vezes se escapuliu o tenebroso. Vendo-se perdido, decide fugir para o Brasil. Escondeu-se na barca “Oliveira”, acostada no Porto, onde lhe dera guarida nos últimos três dias Ana Vitória, uma das suas vítimas que passou a idolatrá-lo e sobre quem disse haver pessoas “de bem que nunca deram às classes humildes um centésimo do que lhes deu Zé do Telhado.” Desarmado e a horas de zarpar, Zé do Telhado é preso no esconderijo, a 5 de Abril de 1861.
 
Às dez da manhã do dia 25 de Abril, começa no tribunal de Marco de Canaveses o julgamento de José Teixeira da Silva.
 
No dia 27, às duas da madrugada, o júri, presidido pelo juíz António Pereira Ferraz, considerou Zé do Telhado culpado da prática de doze crimes. Roubos, um homicídio, organização de quadrilha de assaltantes e a tentativa de evasão sem passaporte.
 
“Condeno o réu José Teixeira da Silva da freguesia de Caíde de Rei, comarca de Lousada, na pena de trabalhos públicos por toda a vida na Costa Ocidental de África e no pagamento de custas” – assim determinou o tribunal.
 
O julgamento, sabe-se hoje, foi uma farsa. Uma consulta, ainda que superficial, a todos os documentos oficiais que constam no Tribunal da Relação do Porto e no Arquivo Distrital do Porto não deixam qualquer margem para dúvidas.
 
Alguns dos membros das quadrilhas chefiadas por Zé do Telhado foram arroladas pela acusação e safaram-se. Morgados, padres, administradores e regedores que tinham cometido os mesmos crimes do réu nunca seriam acusados ou perseguidos.
Várias testemunhas de acusação nada viram, de tudo souberam por terem ouvido.
 
Consta do processo que António Ribeiro, pedreiro, ”ouviu dizer que fora o querelado José do Telhado a roubar”. Alexandre Nogueira, comerciante, “não sabe que armas feriram o regedor se as do querelado se as dos sitiantes”. António da Silva, lavrador, “soube pelo ouvir dizer do padre roubado que o Zé do Telhado fora um dos que penetrara dentro da casa armado e isto tem ouvido ao povo”. Manuel de Sousa, lavrador, disse que “ sabe por ser bem público que tivera lugar o roubo de que se trata no dia pela forma que nos autos se declara”. Timóteo José de Magalhães, lavrador, “ disse que sabe pelo ter ouvido ao povo que tivera lugar o roubo de que se fala nos autos”. Francisco Moreira da Cunha, lavrador, “ouviu dizer e ser público e notório que o réu José Teixeira e o irmão estavam para embarcar para o Brasil”.
Só um tiro sairia pela culatra à acusação. Francisco António de Carvalho, lavrador, afirmou que “ o Zé do Telhado pagava crimes que não tinha cometido e ouviu dizer que se havia combinado com o administrador do concelho para imputar os dois crimes de roubo ao Zé do Telhado”.
 
Os quadrilheiros nobres evadiram-se para o Brasil, como sucedeu com o padre Torcato, ou colaboraram com a acusação, a troco da ilibação. O historiador Campos Monteiro analisou os autos e emitiu um parecer a este respeito:
“ É de crer que nesta altura se movimentassem altas influências tendentes a ilibar estas parelhas de bandidos engravatados. O facto é que saíram em liberdade. E é natural que o administrador, ao mesmo tempo que os inocentava, procurasse aproveitá-los ”.
 
O caso da ilibação do Morgado da Magantinha está igualmente documentado nos autos. Após a fuga do padre Torcato, a acusação subornou a testemunha António Eliziário que, perante o juíz, afirmou saber que “Margantinha foi um dia convidado pelo padre Torcato a ir ter à capela de Santa Águeda e, indo ali, o encontrou com alguns membros da quadrilha e quatro bois roubados”, pedindo-lhe “ o padre que tomasse conta dos bois para os vender, mas o Margantinha recusou-se”.
A verdadeira história do mito Zé do Telhado está mal contada, a começar pela data de nascimento que lhe é atribuída – na campa aparece 1815, em vez de 1818 – e culminando no julgamento relâmpago que durou menos de dois dias úteis.
 
Foram subtraídas testemunhas indispensáveis, promovidas declarações falsas e adulterados os critérios de escolha dos jurados. Em vez do sorteio, foram escolhidos a dedo conhecidos inimigos de Zé do Telhado. Condenado ao degredo, José Teixeira da Silva desembarcou em Luanda, seguindo para Malange, onde viveu cerca de um ano.

Palmilhou cada légua das terras da Lunda.

Fez-se negociante de borracha, cera e marfim.
 
Casou-se com uma angolana, Conceição, de quem teve três filhos. Cresceu-lhe a barba, até ao umbigo.
 
Era, para os angolanos, o “quimuêzo” – homem de barbas grandes.
 
Viveu desafogado, financeiramente. As saudades da mulher e dos cinco filhos levaram-no mais cedo.
 
Morreu, moído de remorsos, aos 57 anos.
 
Sepultado na aldeia de Xissa, a meia centena de quilómetros de Malange, os negros ergueram-lhe um mausoléu.
Hoje, fazem-se romagens à campa do mito.

Os anciãos de Malange dizem que, embora fosse um homem austero, tinha um grande coração e nunca deixava cair um pobre.

Zé do Telhado

P.S.1
O julgamento de Zé do Telhado iniciou-se em 25 de Abril de 1859, com acusação pública em 9 de Dezembro do mesmo ano. Foi condenado na pena de trabalhos públicos por toda a vida, na costa ocidental de África e no pagamento das custas. Esta pena foi mantida pelo Tribunal da Relação do Porto, cujo acórdão de sentença substituíu a expressão "costa ocidental de África", por "Ultramar". 
Por acórdão da mesma instância, foi comutada a pena aplicada na de 15 anos de degredo para a África Ocidental, que contou desde a data de publicação do Decreto de 28 de Setembro de 1863.
 
A condenação deu como provados os seguintes crimes: tentativa de roubo, na forma tentada, em casa de António Patrício Lopes Monteiro, em Santa Marinha do Zêzere, comarca de Baião, homicídio na pessoa de João de Carvalho, criado de Ana Victória de Abreu e Vasconcelos, de Penha Longa, Baião, roubo na casa de referida senhora (Casa de Carrapatelo) de objectos de ouro e prata no valor de oitocentos mil e um conto de reis e algumas sacas com dinheiro, cujo valor a queixosa calculou em doze contos de reis, ainda que revelasse desconhecer os montantes visto que o dinheiro se encontrava na casa mortuária onde jazera, poucos dias antes, seu pai, e, após isso, ela ainda nem sequer lá voltara a entrar, roubo em casa do Padre Padre Albino José Teixeira, de Unhão, comarca de Felgueira, no valor de um conto e quatrocentos mil reis em dinheiro e ainda objectos de prata e outro, outro homicídio na pessoa de um correligionário, ferido num confronto com as autoridades.

Para além de outros crimes de roubo e de resistência à autoridade, foi também condenado como autor e chefe de associação de malfeitores e de tentativa de evasão do reino sem passaporte, com violação dos regulamentos policiais.


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