A OPERAÇÃO MAR VERDE
Uma operação militar levada a cabo pelo destacamento de Fuzileiros Portugueses com êxito, mas que nunca foi reconhecida pelo Governo Português.
A operação foi de grande complexidade e desenrolou-se a 22 de Novembro de 1970, procedendo-se à invasão da Guiné Conacri para resgatar os militares Portugueses que aí se encontravam feitos prisioneiros.
Aqui tem revelado, todos os promenores possíveis de saber, de como se preparou, os seus objectivos e como se realizou esta operação de guerra das Forças Armadas Portuguesas, mantida em segredo e nunca reconhecida, com imagens da operação, da época e com declarações de alguns dos militares envolvidos.
Texto: Português
Áudio: Português
Fonte: RTP - YouTube - Wikipédia - Forum da Armada
Operação Mar Verde
Guerra Colonial Portuguesa | |||
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Monumento do ataque de Novembro de 1970 em Conacri | |||
Data | 22 de Novembro de 1970 | ||
Local | Conacri, Guiné | ||
Desfecho | Sucesso parcial das forças portuguesas | ||
Combatentes | |||
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Comandantes | |||
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Forças | |||
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Baixas | |||
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O plano consistia no ataque anfíbio a Conacri, Capital da República da Guiné com os objectivos de libertar prisioneiros de guerra portugueses, destruição das lanchas do PAIGC e eliminação física do Presidente Sékou Touré.
Todos os objectivos foram alcançados com excepção da eliminação de Sékou Touré, que não se encontrava no país.
O palácio presidencial foi tomado e a maior parte da Força Aérea da Guiné-Conacri foi destruída.
A OPERAÇÃO MAR VERDE
Parte 1 – O contexto da guerra
na Guiné
As condições do teatro
de operações eram precisamente as mais desfavoráveis a
Portugal. Primeiro que tudo, a exiguidade do território (36.125
Km2), sem profundidade estratégica. Segundo, o facto de, na
sequência da independência das colónias francesas e
britânicas, a Guiné se ter tornado num pequeno enclave colonial
europeu numa região de novos estados independentes politicamente
adversos a Portugal. Este era o caso de ambos os países
vizinhos, a Guiné-Conakry (pró-soviético) e o Senegal
(seguindo uma política de vertente terceiro-mundista, ainda que
refreada pela França), que permitiam o uso dos seus territórios
como santuários para o PAIGC.
A geografia era
problemática, sendo a maior parte do território um verdadeiro
labirinto de rios e canais por entre pequenas ilhas e
penínsulas, sendo que aquando da maré cheia um terço do
território fica submerso, e aquando da maré vazia ficam a
descoberto extensas áreas lodosas de difícil transposição. A
pouca profundidade das vias marítimas limitava grandemente a
navegação, colocando limites ao tamanho de navios militares e
civis, e a eficiência do transporte marítimo, o que tinha
consequências económicas. A rede viária era precária fora das
poucas grandes cidades, o mesmo se podendo dizer das
infra-estruturas portuárias, à excepção do porto de Bissau.
Fora das savanas e áreas montanhosas (pouco elevadas) do
interior, o clima é inóspito e insalubre, com temperaturas e
humidade relativa muito elevadas ao longo de todo o ano, sendo
habituais temperaturas muito acima de 40º Celsius. As selvas
litorais contêm todos os elementos naturais habitualmente
nocivos à presença humana.
A grande heterogeneidade
étnica e religiosa da população indígena não era
necessariamente um obstáculo, uma vez que existiam, ao mesmo
tempo, grupos favoráveis e desfavoráveis a Portugal. Mas esse
contexto, onde coexistia um grande número de línguas e
dialectos locais, aliados a hábitos culturais, sociais e
religiosos diferentes, obrigava a uma multiplicação das
adaptações de procedimento que as Forças Armadas tinham que
fazer, de acordo com os interesses tácticos e diplomáticos, no
relacionamento com as populações. Esse esforço foi por demais
notório a partir do momento em que foram criadas unidades
militares formadas exclusivamente por indígenas, tanto regulares
como milicianas, numa incorporação que em 1974 atingiu os 70%
do efectivo total português, 80% se contabilizarmos apenas o
Exército.
A juntar a estes factores
de mais directa influência no desenrolar das operações
militares, havia aspectos que levavam ao questionar do porquê
Portugal investir na defesa da sua presença na Guiné. Primeiro,
o facto da Guiné ser um território extremamente pobre e
atrasado, com escassos recursos naturais. Em termos económicos,
Portugal não tinha proveitos com a Guiné e, pelo contrário, as
receitas da província eram insuficientes para sustentar a
manutenção do aparelho administrativo, educativo e de
assistência médica. A Guiné dependia de fundos metropolitanos
e essa dependência multiplicou-se com o eclodir da guerra de
insurreição, e a necessidade de estabelecer um vasto
dispositivo militar. A realidade económico-cultural também
espelhava a pouco numerosa população de origem europeia,
resultado do clima, e por consequente o pouco investimento
público no território, sendo de notar que a administração
pública era gerida por cabo-verdianos e parte substancial da
actividade comercial era feita por imigrantes libaneses e
sírios. Estes aspectos levavam os militares (os europeus) a
questionarem a razão de ser do esforço de guerra, com
consequências na motivação e moral das tropas.
Guerrilheiros do PAIGC
Mas havia três
argumentos fortes para Portugal justificar o esforço na Guiné.
Primeiro, a maior parte da população indígena era favorável a
permanecer portuguesa, por várias razões. Num país com
diversidades étnicas e religiosas, em que Portugal agia como
elemento neutro e estabilizador entre rivalidades locais, a
presença portuguesa era encarada como um garante de Paz. Também
o facto do movimento independentista, o PAIGC, ser de ideologia
comunista – sendo apologista de grandes alterações na
organização social, económica, cultural e religiosa do país
– valeu-lhe a desconfiança e inimizade de parte
significativa da população (a começar pelos muçulmanos, o
segundo grupo religioso mais numeroso, com 40% da população),
que não aceitava a perspectiva de alterar radicalmente o seu
modo de vida e as suas instituições. Sob soberania portuguesa,
a população da Guiné não só era livre de manter o seu modo
de vida como tinha os benefícios de viver sob uma
administração de qualidade europeia (a título de exemplo, o
Hospital Central de Bissau era o melhor e mais bem equipado de
toda a África Ocidental).
A juntar a isto, com o
correr do tempo, foram sendo conhecidas as más experiências de
outros países africanos no pós-independência, com desastres
económicos, guerras civis e regimes tirânicos que tornaram a
vida de povos inteiros num calvário, o que ainda mais
desprestigiou a opção independentista. Apesar de, com o
decorrer da guerra e do contacto do PAIGC com as populações,
uma percentagem cada maior transferir a sua lealdade para o lado
independentista, deu-se a réplica de sinal contrário, com o
aumento do apoio a Portugal por parte da restante população.
Isto estaria na origem nos planos, avançados por ambos os lados,
de encontrar uma solução política para a Guiné passando por
uma autonomia em vez de uma independência.
Uma
típica lancha de patrulha portuguesa: a LFP Aljezur
(da classe Alvor), num
rio da Guiné
Outro argumento de peso
era a situação estratégica da Guiné, fornecendo um ponto de
implantação na África Ocidental, a meio caminho entre a Europa
e Angola, constituindo uma eventual escala na Rota do Cabo e nas
rotas marítimas e aéreas portuguesas. Este aspecto tornou-se
ainda mais importante a partir da vaga de independências de
1960, com o boicote dos novos estados africanos à passagem de
navios e aviões portugueses pelos seus territórios. A Guiné
também constituía um importante ponto de apoio militar (para
navios e aviões) na costa oeste-africana, à semelhança do
Senegal para os franceses (que aí mantiveram importantes bases
navais, aéreas e terrestres depois da independência).
A terceira razão forte
– e a principal – prendia-se com o precedente político
que criaria a concessão da independência ou de um estatuto de
autonomia à Guiné que, mesmo havendo vários argumentos
válidos para o fazer, poderia ter consequências nos planos que
Portugal tinha de manter os restantes territórios em África
(para os quais o Governo não considerava a hipótese de uma
concessão semelhante). Esta era uma questão polémica dentro e
fora do regime político e das Forças Armadas, sem que nunca
houvesse um consenso.
Por seu lado, o PAIGC
tinha muito a seu favor. A juntar a todas as dificuldades com que
Portugal se debatia e que para si eram vantagens, o PAIGC não
tinha movimentos independentistas rivais significativos (o MLG e
a FLING, esta última apoiada pelo Senegal, tinha pouca
expressão e mais tarde perdeu o apoio da Organização de
Unidade Africana, a OUA), tinha uma chefia muito competente na
pessoa de Amílcar Cabral (que conseguia superar as rivalidades
internas entre cabo-verdianos e guineenses – estes últimos
que constituíam a quase totalidade dos guerrilheiros no terreno,
e obter apoios internacionais), e os seus combatentes tinham um
conhecimento do terreno que os congéneres portugueses só
adquiriam com o tempo.
Decisivo na correlação
de forças entre Portugal e o PAIGC eram os apoios externos a
cada um dos lados. Num conflito que se inseria no contexto da
Guerra Fria, um dos lados era apoiado pelo país-líder do seu
bloco estratégico (o PAIGC pela URSS) e o outro não. Portugal
não só não era apoiado pelos Estados Unidos, como este país
era abertamente hostil à presença portuguesa em África durante
a década de 60 (tendo criado e sustentado as guerrilhas da FNLA
em Angola e FRELIMO em Moçambique, que iniciaram a guerra nestes
dois países). Na questão africana, Portugal era ostracizado
pela maior parte da dita Comunidade Internacional, tendo contra
si todo o Bloco Comunista, sendo alvo de sanções das Nações
Unidas, da totalidade dos países do continente africano (embora
muitos países fossem na prática neutros, só tinha aliados na
África do Sul e na Rodésia), e na Europa contava apenas com a
solidariedade da França, Alemanha e Espanha. Estes três países
aceitavam furar o embargo de venda de armas a Portugal decretado
pelas Nações Unidas em 1961, tornando-se alemães e franceses
nos principais fornecedores de equipamento militar (embora, em
muito casos, a preços “de embargo”).
Ao contrário, os Estados
Unidos (que haviam decretado um embargo unilateral a Portugal) e
o Reino Unido, aliados na OTAN, aceitavam fornecer apenas
equipamento que não se destinasse ao Ultramar, mas ainda assim a
disponibilidade era pouca. Sendo que no início da guerra, parte
substancial do equipamento militar em serviço era de origem
norte-americana, a situação era grave. Mesmo o que tinha sido
adquirido no âmbito bilateral (nos anos 40 e 50) e não estava
sujeito a limitações de utilização, sofria de igual maneira
as sanções relativas a peças de reposição e munições, que
só podiam ser adquiridas (na maior parte dos casos, com
dificuldade) de outras origens no mercado internacional,
frequentemente no mercado negro.
Isto causava graves
limitações, nomeadamente à Força Aérea, ao não poder
utilizar aviões que nalguns casos tinha em grande quantidade. Um
desses casos foi a utilização, precisamente na Guiné, de
caças North American F-86 Sabre, entre 1961 e 1963, ano em que,
face à grande pressão dos EUA, a FAP se viu obrigada a fazer
regressar a frota a Portugal. A FAP teve de assentar o seu poder
de ataque nos North American T-6G, e só voltou a dispor de
caças a jacto no território em 1966, com a chegada de oito Fiat
G-91, de um lote adquirido à Luftwaffe. Nesse mesmo ano,
chegaram os primeiros helicópteros Alouette III à Guiné. No
conjunto, os países que aceitavam vender equipamento a Portugal
(a Alemanha e sobretudo a França; em menores quantidades a
Espanha, África do Sul e Israel) produziam material em variedade
e qualidade, mas havia alguns equipamentos e sub-sistemas que só
era possível obter dos EUA e Reino Unido (como mísseis
terra-ar), e cuja falta se foi tornando cada vez maior. A pequena
indústria de defesa portuguesa foi-se desenvolvendo até atingir
a auto-suficiência na sustentação de forças terrestres
ligeiras, e no fornecimento de dezenas de lanchas fluviais e
costeiras à Marinha (no caso de navios oceânicos, era
necessário importar armamento naval). Mas era pouco face às
necessidades.
O pequeno mas robusto Alouette III
foi um dos cavalos de batalha das operações em África.
Em contrapartida, tal
como os outros movimentos independentistas, o PAIGC recebia
remessas de armamento ligeiro em quantidade e qualidade do Bloco
Comunista (e também treino na Argélia e Marrocos, e apoio
financeiro de alguns países da Europa, nomeadamente a Suécia,
Noruega e Dinamarca), chegando nalguns casos a obter armamento
superior ao existente do lado português (equipamentos de
comunicações, tanques anfíbios PT-76, mísseis terra-ar SA-7
– entre outros, como veremos adiante). O treino,
especialmente o ministrado por conselheiros militares cubanos, a
partir de 1965, era extremamente competente, e fez do combatente
do PAIGC um dos mais eficientes guerrilheiros de África, embora
o método de ataque às forças portuguesas mais frequente fosse
pelo uso de minas, pela montagem de emboscadas, e por ataques do
tipo toca e foge a aquartelamentos (usando morteiros e
canhões sem recuo). A sua melhor estratégia era a de desgaste.
O PAIGC tinha como seu
santuário a vizinha Guiné-Conakry (antiga Guiné Francesa),
tendo neste país campos de treino e a sua sede, na capital,
Conakry. Beneficiava do total apoio do regime ditatorial do
pró-soviético Sékou Touré, que consentia que usasse o seu
território como base para infiltrar-se na então Guiné
Portuguesa. Sem surpresas, a principal zona de guerra foi
precisamente no Sul, onde o PAIGC podia infiltrar e reabastecer
facilmente as suas forças por via marítima e fluvial, bastando
atravessar a fronteira para tirar partido das labirínticas
condições hidrográficas.
A LFP (Lancha de Fiscalização
Pequena) Arcturus, da
classe Bellatrix, na
Guiné
Do lado português, as
Forças Armadas dispunham desde o início da guerra em Angola (em
1961) de uma doutrina de contra-insurreição madura, baseada no
estudo atento da estratégia de «Guerra Revolucionária» (em
especial o pensamento de Mao Tsé Tung) e nas lições recolhidas
de outras experiências neste tipo de guerra, nomeadamente dos
britânicos na Malásia e dos franceses na Indochina e Argélia.
As Forças Armadas adaptaram-se e treinaram-se rapidamente para
este tipo de guerra. Mas o facto da guerra em Angola ter
começado de forma súbita e prematura em relação às
previsões (em consequência da inesperada retirada da Bélgica
do seu Congo, em 1960) apanhou as Forças Armadas em larga medida
desprevenidas em termos de material. E o início do embargo
internacional na mesma altura impediu que o processo de
obtenção de armas e equipamento apropriado se iniciasse como
previsto. Isto obrigou ao uso de equipamento datando da Segunda
Guerra Mundial (que foi maioritário durante a primeira metade
dos anos 60), e a adaptações ad hoc, como a utilização
de aviões de patrulha marítima Lockheed PV-2 Harpoon para apoio
aéreo próximo. Na Marinha, a esquadra também estava bastante
envelhecida, e em número insuficiente para patrulhar as águas
da Guiné, Angola e Moçambique, as rotas marítimas entre os
vários territórios e efectuar a escolta à navegação mercante
e ao transporte de tropas. A situação só não era mais grave
porque o maior esforço cabia à «poeira naval», as dezenas de
pequenas lanchas de patrulha e transporte que actuavam nos rios,
construídas em estaleiros portugueses, e que não requeriam a
importação de armamento.
Fuzileiros, desembarcando de um
bote pneumático Zebro III, na Guiné
Ainda no âmbito dos
apoios externos, Portugal era em regra bastante maltratado pelos
media e meios culturais internacionais, chegando ao ponto de
estes conotarem as tropas portuguesas com a ideologia nazi. Ao
contrário, o PAIGC beneficiava (como era habitual com os
movimentos independentistas africanos) da simpatia da imprensa de
esquerda (e não só) no Ocidente, que ajudou a construir uma
imagem romântica dos guerrilheiros, e a promover
internacionalmente Amílcar Cabral. Mas nem só do Bloco
Soviético, da OUA e da esquerda chegavam apoios. A título de
exemplo, no princípio dos anos 70, a maior parte dos veículos
de transporte usados pelo PAIGC eram camiões Volvo oferecidos
pela Suécia. Por fim, a Igreja Católica, seguindo as ideias do
Concílio Vaticano II, enfatizando a chamada «Teologia da
Libertação», alinhava pelos movimentos independentistas. No
caso da Guiné, muitos missionários católicos (nomeadamente
italianos) trabalhavam no sentido de virar os sentimentos da
população contra Portugal.
No entanto, e apesar dos
obstáculos de toda a ordem, em 1966, e num balanço geral, a
guerra em África corria favoravelmente a Portugal. Em Angola, e
contra as previsões de toda a gente em 1961, as Forças Armadas
estiveram nessa altura muito próximas da vitória total e do
aniquilamento dos movimentos independentistas. Em Moçambique,
onde a guerra começara em 1964, a actividade da FRELIMO era
intensa, mas as acções da guerrilha (por enquanto) estavam
confinadas à fronteira Norte (com a Tanzânia) e ao litoral do
Lago Niassa, não afectando a vida do resto do país. Mas, ao
contrário, na Guiné a situação ia-se deteriorando
gradualmente. Cercadas num território exíguo, as Forças
Armadas eram obrigadas a uma guerra defensiva. Perante a
insuficiência de meios humanos e materiais, a pressão do PAIGC
e a necessidade de criar alguma profundidade estratégica, o
dispositivo militar concentrou-se no litoral e nas principais
cidades, onde estava a maioria da população. Isto fez com que o
PAIGC pudesse circular por uma parte do território, mesmo
afastando-se dos seus santuários e apoios logísticos, e tomar
contacto com a população local, atraindo-a para o seu lado. Em
1963, chegou mesmo a implantar-se no Sul, nas Ilhas de Como, que
utilizava como base logística. Só muitos meses depois, em
Janeiro de 1964, foi de lá expulso pela maior operação
anfíbia efectuada por Portugal em toda a guerra, a Operação
Tridente, que envolveu uma força de desembarque de 1200 homens
do Exército, Fuzileiros e Pára-quedistas, apoiados por
bombardeamento naval e aéreo contra um efectivo estimado de 300
guerrilheiros do PAIGC e também 15 militares da Guiné-Conakry.
Da derrota, a guerrilha reteve mais uma vez a lição que
enfrentamentos directos com forças portuguesas acabariam sempre
em desastre e, pelo contrário, a estratégia de desgaste era a
que lhe trazia dividendos. E, ano após ano, o desgaste foi-se
sentindo cada vez mais do lado português, com o moral das tropas
regulares a decrescer, ao mesmo tempo que a população do
interior aderia cada vez mais ao PAIGC. A somar a isto havia o
mau desempenho do alto-comando sob as ordens do general Arnaldo
Schultz, governador e comandante-chefe desde 1964. Nos primeiros
meses de 1968, altura em que as 25.000 tropas portuguesas tinham
já de enfrentar entre 8 e 10.000 guerrilheiros, e com o PAIGC a
conseguir implantar-se e estruturar-se no interior do
território, a situação deteriorou-se consideravelmente,
acabando por tornar-se precária. Perspectivou-se a derrota
militar.
A densa vegetação nas margens
permitia a fácil montagem de emboscadas nos rios
Mas 1968 traria mudanças
de vária ordem. Em Maio, Salazar tomaria uma das suas últimas
decisões importantes ao fim de décadas à frente de um governo
autocrático: substituir Schultz, descredibilizado aos olhos de
militares e civis, pelo então brigadeiro António de Spínola
(mais tarde promovido a general). À frente do governo e comando
militar da Guiné passaria a estar um general fora do habitual,
com um estilo de comando que passava pelo culto do próprio
carisma, por demonstrações de coragem física nas deslocações
às frentes de combate e por uma energia que contagiou as tropas,
levantando-lhes o moral e assumindo a dimensão de uma lenda
viva.
Mas as guerras não se
ganham apenas com moral elevado e o novo comandante-chefe
introduziu mudanças na maneira de conduzir a guerra. Começou
por aplicar novas tácticas, entre elas um maior emprego de
helicópteros, e operações de busca e destruição, ao estilo
das efectuadas pelos norte-americanos no Vietname. Lisboa aceitou
enviar-lhe um reforço de 10.000 homens, elevando o efectivo a
35.000. Mas Spínola não seguia uma estratégia apenas militar
mas igualmente política de forma a enfrentar o PAIGC também
neste campo. Criou órgãos representativos das várias etnias,
que foram reunidos mais tarde no Congresso dos Povos da Guiné,
de forma a conquistar a lealdade das populações, ou pelo menos
obter a sua neutralidade. Conseguiu explorar inteligentemente as
rivalidades inter-étnicas, minando a base de apoio do PAIGC, e
acabaria por concluir uma aliança com a étnia Fula. Para levar
a cabo os seus planos, substituiu vários oficiais superiores,
rodeando-se de um grupo de jovens e bem preparados oficiais, de
patente mais baixa, peritos em operações de contra-subversão e
guerra psicológica. Ficaram conhecidos pelos rapazes de
Spínola, e constituíam a sua guarda pretoriana. Fazendo uso
de novos meios e tácticas psicológicas, o impacto psicológico
de Spínola foi também devidamente rentabilizado nos media
nacionais e internacionais. A imprensa internacional começou a
interessar-se por este general de monóculo, vestido de camuflado e que
acompanhava as tropas debaixo de fogo, e tornou-se numa figura
internacional. Isto fez com que nos media internacionais
começasse a passar outra mensagem que não apenas aquela que a
Guiné era um sítio de África onde os portugueses bombardeavam
com napalm.
O
general António de Spínola (à direita) numa zona de combate,
debaixo de fogo, em 1969.
1968 foi também o ano da
substituição de Salazar, por razões de saúde, no cargo de
Presidente do Conselho, pelo Prof. Marcello Caetano. Pertencendo
à ala liberal do regime, Caetano defendia uma reforma no
relacionamento de Portugal com as suas colónias, mediante a
adopção de um modelo federal, um projecto que tinha a
oposição dos sectores ortodoxos do regime e das Forças
Armadas. Marcello Caetano era também favorável ao aumento das
despesas militares, ao contrário de Salazar que tinha imposto
limitações financeiras demasiado severas, mesmo tendo em conta
de que a guerra era prolongada e era necessário geri-la de forma
sustentável. Mas Marcelo Caetano teve outra grande diferença em
relação a Salazar. Com um discurso reformador a favor de uma
autonomia progressiva e através de visitas aos territórios em
África, procurou – com sucesso – conseguir o apoio dos
sectores das sociedades coloniais para levar a cabo reformas. Nas
ruas das grandes cidades africanas houve multidões a recebê-lo.
Helicópteros Alouette III da
Força Aérea Portuguesa
Por fim, outra
alteração teve lugar mas essa fora de Portugal. Nos EUA,
Richard Nixon substituía Lyndon Johnson como presidente,
representando uma viragem à direita e uma alteração da
política em relação a Portugal. O antagonismo dos EUA à
presença de Portugal em África datava desde o final da Segunda
Guerra Mundial, tornando-se gradualmente mais evidente durante a
administração Eisenhower, tanto no discurso como com a recusa
em fornecer equipamentos militares cujo uso em África era
previsível. Com Kennedy, e perante os processos de
descolonização por parte do Reino Unido e França (ocasionando
que muitos dos novos estados se tornassem pró-soviéticos), os
EUA procuraram conseguir bastiões seus em África e, ao
oporem-se à África do Sul e à presença de europeus em
África, conseguir a simpatia do Terceiro Mundo, que sentiam
estar-lhes a fugir para a esfera soviética. A súbita concessão
da independência pela Bélgica ao seu Congo estabeleceu o
precedente. A Bélgica fugiu precipitadamente perante o massacre
dos seus colonos, deixando o caminho livre a que os EUA e a URSS
se degladiassem à vontade pelo controlo do estratégico
território. Esperava-se que o mesmo acontecesse a Portugal e,
sob a política de Kennedy, os EUA patrocinaram os movimentos
independentistas que iniciaram as insurreições em Angola (pela
UPA) e Moçambique (FRELIMO), tentando antecipar-se a iniciativa
idêntica por parte da URSS. Também formalizaram a sua posição
quanto ao fornecimento de armas, decretando um embargo em 1961.
Os EUA procuraram derrubar Salazar através de uma tentativa
falhada de golpe de estado em Lisboa, também em 1961, de forma a
patrocinar a sua substituição por alguém favorável. Nesse
ano, quando Portugal tentava lidar com a emergência em Angola,
os EUA tinham atitudes provocatórias, com a presença de navios
e aviões militares seus em Luanda, a pretexto de assistirem as
operações no Congo. A ideia que tinham é que Portugal não
conseguiria manter um esforço militar em Angola e o regime
cairia com a derrota, seguindo a lógica (muito americana) de um
pontapé forte na porta e a barraca cai toda de uma vez. Mas
não só o poder português em Angola não caíu como um castelo
de cartas, como conseguiu dominar a insurreição passados uns
meses, graças a uma formidável mobilização de forças que
ninguém julgou possível. As péssimas relações
luso-americanas tiveram como resultado a não-renovação do
acordo para o uso da Base das Lajes, nos Açores, em 1962.
Frustrados os planos de Kennedy, as atenções em Washington
voltaram-se para problemas que vinham tornando-se cada vez
maiores: o aumento do poder do Pacto de Varsóvia, Cuba e o
Vietname. Este último foi herdado pelo seu sucessor Lyndon
Johnson, centrando as suas preocupações. A posição política
dos EUA para com Portugal manteve-se a mesma, mas os apoios aos
movimentos guerrilheiros pró-americanos – que tinham já a
competição dos pró-soviéticos – foram sendo reduzidos,
acabando por perder a FRELIMO para a influência da China. A
administração Johnson tornou-se indiferente a Portugal, estando
demasiado ocupada a tratar de sucessivos problemas deixados pela
desastrosa política externa de Kennedy, a começar pelo atoleiro
do Vietname.
LDMs
(Lanchas de Desembarque Médias) atracadas à LFG Lira, na
Guiné.
Nixon herdara este grande
problema, e tinha muitos outros para resolver. Johnson tinha
passado o tempo todo a apagar incêndios enquanto outros
começavam ao lado, e o novo presidente não queria passar pelo
mesmo calvário. Ao contrário de Johnson, Nixon era um político
esclarecido em assuntos internacionais e rodeou-se de figuras
pertencentes aos meios da direita americana e à elite
universitária. Isto ocasionou que subissem a lugares de relevo
na Casa Branca alguns simpatizantes de Portugal. Porém este não
era o caso do National Security Adviser, Henry Kissinger.
Nixon e Kissinger comandavam o a política externa
norte-americana, assistidos por um círculo estricto, e à
revelia do predominantemente esquerdista Departamento de Estado.
Kissinger imprimiu uma abordagem realista e pragmática à
política externa, procurando evitar que os EUA se envolvessem em
questões secundárias, de forma a concentrarem-se em solucionar
o envolvimento no Vietname e a enfrentarem a URSS decisivamente.
Para isso, precisavam de reforçar as alianças regionais, e
deixar que fossem os seus aliados a cuidarem dos pequenos
problemas.
Em relação a Portugal, o pragmatismo aconselhava uma
reaproximação discreta a este incómodo aliado, de forma a
garantir que os EUA poderiam dispor da estratégica base nos
Açores (que desde 1962 usavam como um favor político mas sem um
compromisso por parte de Portugal), e que os territórios
portugueses em África (nomeadamente Angola e Moçambique) e a África do
Sul não só não caíssem na órbita soviética, mas também
servissem para travar a expansão soviética em África, no
Atlântico e no Índico, caso contrário criar-se-iam mais
problemas para os EUA. Essa era a opinião do Pentágono e da CIA
(que sempre discordaram de Kennedy e Johnson neste assunto).
Portugal agiu nos bastidores de Washington a favor de uma
mudança de atitude em relação a si, à África do Sul e à
Rodésia, e em breve obteve resultados. Para convencer o
Departamento de Estado quanto à alteração de política,
Kissinger encomendou em 1969 o National Security State
Memorandum 39 (NSSM-39) um estudo feito por um grupo de
peritos dos Departamentos de Estado e da Defesa que serviria para
sustentar a mudança de política. Apesar dos atritos entre os
dois sectores, as conclusões deste estudo apontavam que os portugueses
estavam em África para ficar e que a melhor opção para os EUA
obterem um acordo sobre o uso da Base das Lajes era relaxar as
pressões diplomáticas sobre Portugal – mesmo continuando a
pressionar para que fossem feitas reformas políticas – e
excluir do embargo equipamento não-letal de duplo uso, civil e
militar, que pudesse ser útil às Forças Armadas portuguesas,
como aviões de transporte e camiões. Isto ficava muito aquém
do desejado por Portugal, mas sempre era uma mudança de atitude
por parte de Washington. Os EUA passavam a distanciar-se dos
movimentos independentistas e abster-se de criticar Portugal
publicamente, além de fazerem promessas de fornecimento de
equipamento militar. Por outro lado, e em contrapartida do não
fornecimento de armamento, foi dado treino a oficiais portugueses
em tácticas anti-guerrilha, partilhando a experiência adquirida
no Vietname. O uso das técnicas americanas abriu uma fase na
guerra que ficou conhecida pela da vietnamização. No
cômputo geral, a cooperação militar dada pelos EUA não era
muito significativa. A nível de material, o que de mais
importante foi vendido foram dois Boeing 707 para a frota de
transporte da Força Aérea, doze helicópteros Bell 212 utilizados
em Moçambique e um navio hidrográfico emprestado a custo zero.
Os muito necessários caças de ataque, helicópteros Bell UH-1
em grande número, e aviões de transporte Lockheed C-130, que os
EUA se recusavam a vender a Portugal desde os anos 50, nunca
vieram. Mesmo assim foi importante a mudança de posição
política, que aumentava a confiança de Portugal e dava mais
liberdade de acção às suas Forças Armadas.
O general Spínola, passando
revista a Comandos Africanos.
Na Guiné, Spínola tinha
conseguido salvar a situação mas nem por isso esta se tornara
favorável a Portugal. Havia um impasse, com as forças
portuguesas a controlarem as cidades e a maior parte da
população, e o PAIGC a controlar o interior.
Era claro que, mesmo com
o apoio da maioria da população guineense, Portugal podia
conter as acções do PAIGC mas não conseguia causar-lhe danos
suficientes a ponto de poder extingui-lo. O PAIGC podia sempre
contar com o refúgio dos países vizinhos, sobretudo enquanto na
Guiné-Conakry estivesse um regime que lhe fosse favorável, e
não tinha problemas de obtenção de armamento por apoio
externo. Para se atingir o PAIGC seriamente, teria de se atacar
estes factores.
E era também claro que o
PAIGC, por muito bem treinado e armado que estivesse, e mesmo
tendo parte da população do seu lado, nunca poderia fazer mais
do que provocar desgaste às forças portuguesas. Estava fora de
questão poder derrotar Portugal, e tentar tomar as cidades era
arriscado. Atacar Bissau, que tinha um plano de defesa bem
elaborado prevendo essa possibilidade, era suicídio. Enquanto a
Marinha Portuguesa pudesse assegurar a navegação nos rios e o
acesso aos portos, nada impedia que o dispositivo fosse mantido.
Para alterar a situação, seria portanto necessário enfrentar
os navios de guerra portugueses.
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Armada - 2005
A OPERAÇÃO MAR VERDE
Parte
2 – A decisão e a preparação
Uma das preocupações de
Spínola para enfraquecer o PAIGC era a de estancar o fluxo de
abastecimentos, grande parte do qual era feito por via marítima
e fluvial. Era importante negar ao PAIGC essa capacidade e para
isso, em princípios de 1969, foi feito um vasto trabalho de
recolha de informações sobre a frota de embarcações do PAIGC.
No decorrer deste trabalho ficou-se a saber que o PAIGC tinha,
para além de três pequenos navios e de um número indeterminado
de canoas e botes a motor, de duas ou três lanchas rápidas do
tipo P6, fornecidas pela União Soviética. Este país
tinha igualmente fornecido à Guiné Conakry quatro lanchas
rápidas do tipo Komar.
Integrado no
quartel-general de Spínola estava o Corpo de Operações
Especiais que, comandado pelo capitão-tenente Guilherme Alpoim
Calvão (dos Fuzileiros) preparou e executou uma série de
acções contra os meios navais do PAIGC. Estas consistiram em
emboscadas fluviais montadas pelos Fuzileiros, em botes
pneumáticos, que tomavam de assalto os navios do PAIGC. Foram
assim capturados e destruídos dois navios, o Patrice Lumumba,
da Guiné-Conakry mas ao serviço do PAIGC (Operação Nebulosa,
em Agosto de 1969) e o Bandim (Operação Gata Brava, em
Fevereiro de 1970, em território da Guiné-Conakry), este
último especialmente importante para o movimento guerrilheiro.
Em resultado destas operações, a capacidade de abastecimento do
PAIGC foi severamente afectada.
Mas as pequenas lanchas
rápidas do PAIGC e da Guiné-Conakry constituíam um sério
risco para os navios portugueses, sobretudo se usadas de noite ou
tirando partido das condições hidrográficas da Guiné
Portuguesa. As P6 eram um modelo soviético dos anos 50,
armadas de torpedos e canhões ligeiros.
Lancha torpedeira do tipo P6
Deslocamento:
75 toneladas; Dimensões (em metros): 25.7 x 6.1 x 1.8;
Armamento: dois tubos lança-torpedos de 533mm e dois reparos
duplos de 25mm: Propulsão: quatro motores diesel accionando
quatro hélices, totalizando 4800 cv; Velocidade: 43 nós;
Autonomia: 450 milhas náuticas a 30 nós; Tripulantes: 25.
As Komar eram
semelhantes, tendo entrado ao serviço na URSS em 1961, sendo uma
evolução das P6, mas em que o armamento principal eram
mísseis anti-navio SSN-2 Styx, guiados por radar, com um alcance
de 23 milhas náuticas.
Lancha
de ataque armada com mísseis do tipo KOMAR
Deslocamento:
80 toneladas; Dimensões (em metros): 25.5 x 6 x 1.8; Armamento:
dois mísseis SSN-2 Styx e um reparo duplo de 25mm: Propulsão:
quatro motores diesel accionando quatro hélices, totalizando
4800 cv; Velocidade: 40 nós; Autonomia: 400 milhas náuticas a
30 nós; Tripulantes: 25.
Foi uma lancha Komar
egípcia que, em 21 de Outubro de 1967, afundou o
contratorpedeiro israelita Eilat com o disparo de um
Styx, tendo sido a primeira vez que um navio de guerra foi
afundado desta forma.
Com estes navios, a
superioridade naval portuguesa poderia ser posta em causa.
Alpoim Calvão, oficial
treinado como mergulhador-sapador propôs a Spínola uma
operação que neutralizasse esta ameaça, atacando as lanchas no
porto de Conakry e afundando-as com minas-lapa colocadas nos
cascos por homens-rã. O general Spínola e o Chefe de Estado da
Armada, vice-almirante Armando de Roboredo concordaram com a
operação que, naturalmente, teria de ser preparada no maior
segredo.
Na sequência, Alpoim
Calvão procurou obter minas-lapa, que na altura a Marinha não
tinha, na África do Sul, onde eram fabricadas. As minas foram
prontamente fornecidas pelos serviços secretos sul-africanos (Bureau
of State Security – BOSS). Sem demoras nem burocracias,
Alpoim Calvão trouxe as minas em simples malas de viagem, como
um qualquer passageiro do Boeing em que regressou.
O
comandante Guilherme de Alpoim Calvão
Também eram necessários
planos actualizados do porto de Conakry. Para os obter, navios
mercantes nacionais e estrangeiros em Bissau foram discretamente
vasculhados até se encontrar um plano aceitável, apesar de
desactualizado. Mesmo assim, foi necessário efectuar um
reconhecimento a Conakry, em Setembro de 1969. Uma lancha de
fiscalização grande (LFG), a Cassiopeia, foi disfarçada
de navio do PAIGC, fora de Bissau, na ilha de João Vieira, onde
a missão foi preparada. Caso algum navio se aproximasse da Cassiopeia,
o navio hastearia a bandeira do PAIGC e do exterior só se veriam
marinheiros negros. Foi o que aconteceu no trajecto, com o
cabo-fuzileiro especial António Augusto da Silva, de boné de
capitão-tenente na cabeça, que fazia continência
(impecavelmente) aos pesqueiros encontrados.
Às zero horas de 17 de
Setembro, foram avistadas as luzes da cidade de Conakry e, às
duas da manhã, o navio posicionou-se no canal entre a península
de Conakry e as ilhas de Loos, começando a recolher
informação, com o seu radar, sobre as alterações feitas às
infra-estruturas do porto, nomeadamente os molhes de acostagem.
Uma hora depois, a tarefa estava concluída e a viagem de
regresso iniciada, ainda que perturbada por uma enervante avaria
dos geradores que obrigou o navio a fundear por pouco tempo em
pleno canal de saída do porto.
Mas em Lisboa surgiram
dúvidas quanto à validade da operação, nomeadamente da parte
do Ministro do Ultramar, Joaquim da Silva Cunha. Ao mesmo tempo,
em Bissau, Spínola e Calvão mudavam de planos quanto à
operação. Alpoim Calvão propôs que já que se fazia um
incursão a Conakry, se devia aproveitar a ocasião para libertar
os militares portugueses feitos prisioneiros pelo PAIGC (cerca de
vinte) e que eram mantidos na cidade. Spínola concordou e os
planos para a operação foram sendo feitos.
No entanto, começaram a
ser equacionados outros objectivos. Se para a Marinha existiam as
lanchas Komar e P6, para a Força Aérea
existiam os caças Mig-15 e Mig-17 da Guiné-Conakry que, se
pilotados por soviéticos devidamente treinados (como acontecia
frequentemente em países aliados da URSS) poderiam tirar partido
das limitações da Força Aérea Portuguesa, cujos Fiat G-91
não estavam vocacionados para o combate aéreo. Destruir os Mig
da mesma forma como se destruiriam as lanchas eliminaria esta
ameaça à supremacia aérea portuguesa.
Mas o mais ambicioso dos
novos objectivos foi o de organizar um golpe de estado em
Conakry, derrubando o regime de Sékou Touré e colocando no
poder um regime favorável a Portugal. Isto retiraria ao PAIGC o
seu principal santuário e fonte de apoio, e poderia mesmo levar
ao fim da guerra na Guiné Portuguesa. Mas também implicava uma
operação em escala muito maior do que um simples raide de
comandos, e com todos os riscos inerentes, militares e
políticos. Havia muito a equacionar.
Ahmed
Sékou Touré
Como tantos dirigentes do
seu tempo, o marxista Ahmed Sékou Touré subiu ao poder por via
da violência. De carteiro a maire de Conakry, com uma
passagem na Assembleia Nacional francesa pelo meio, teve uma
rápida ascensão na carreira política no espaço de uma dúzia
de anos. O seu partido, o Parti Democratique de Guinée,
ganhou as eleições de 1956 graças à violência dos seus
bandos e com o apoio do Partido Comunista Francês, e Touré
tornou-se governador de Conakry. Profundamente racista e
anti-francês, fez com que em 1958, a Guiné-conakry fosse a
única colónia da África Ocidental Francesa a rejeitar a
manutenção de laços politico-institucionais com França no
pós-independência. «Pois então não ficam nem com um
tostão!» - decidiu De Gaulle. Proclamada unilateralmente a
independência, em Outubro de 1958, a nova República da
Guiné-Conakry, sob a chefia de Sékou Touré, torna-se numa
ditadura comunista, adversa da França e com fortes laços com a
União Soviética. Deste país recebe apoio militar e em
contrapartida concede o uso do porto de Conakry por navios da
Marinha Soviética. Com um dos regimes mais brutais que África
já conheceu (mesmo pelos padrões do continente), Sékou Touré
governa o país com mão de ferro, massacrando a etnia Fula no
momento da retirada dos franceses, e perseguindo as autoridades
tradicionais de forma a politizar a população em torno do seu
poder. Apoia-se em bandos de jovens desempregados na miséria que
por pouco dinheiro são recrutados para perseguir, prender,
torturar e denunciar tudo e todos. Instala-se uma psicose de
vigilância e denúncia entre a população. Em 1960, escasso ano
e meio após a independência e em consequência do corte de
relações com a França, a economia está arruinada e o
descontentamento alastra. Ao longo dos anos sucedem-se as
revoltas contra o regime. Umas reais, outras inventadas pelo
próprio Touré como pretexto para prender, torturar e matar. A
sua forma de governar tem tanto de tirânico como de absurdo.
Instala no seu palácio doentes mentais, deficientes e albinos,
que usa em sacrifícios humanos. Reclamou para o país águas
territoriais de 130 milhas. Em 1971, fuzilou o filho de um antigo
professor de escola, porque este lhe tinha dado más notas em
1936. Certa vez, um dos feiticeiros que o rodeavam disse-lhe que
o seu regime cairia às mãos de alguém chamado David ou
Ibrahim; em consequência, a Polícia prendeu durante anos todos
os indivíduos com esses nomes no país.
Não seria, portanto,
difícil obter a adesão da população para o derrube do regime.
Mas Portugal não poderia fazer tudo sozinho.
Alpoim Calvão foi então
informado pela PIDE/DGS, a polícia política portuguesa que
acumulava as funções de serviços secretos, que havia já algum
tempo que se mantinham contactos entre Portugal e o Front de
Libération Nationale Guinéen (FLNG), o principal movimento
de oposição na Guiné-Conakry, sediado em França, país que
também procurava derrubar Sékou Touré. O Front
reclamava contar com mais de 600.000 membros exilados na Costa de
Marfim, Senegal e Gâmbia, e tinha feito a sua última tentativa
de golpe em Março de 1969, sem sucesso. Desde 1964 que
procuravam, também sem sucesso, o apoio das autoridades
portuguesas. Mas agora Portugal tinha mudado de opinião, e
passara a apoiar o movimento, incluindo com a criação do seu
jornal, «La Guinée Libre», publicado em França. O aumento dos
contactos com o FLNG permitiu às autoridades portuguesas tomar
consciência da verdadeira dimensão do movimento e Spínola
decidiu conceder-lhe a instalação do seu braço armado na
Guiné Portuguesa, de onde partiria para a guerrilha no país
vizinho. Mas uma posterior análise das possíveis consequências
políticas (nomeadamente a provável reacção das Nações
Unidas, da OUA e do Bloco Comunista) levou a concluir que apoiar
uma guerrilha do FLNG poderia criar mais problemas do que
resolver. Concluiu-se que a melhor opção acabaria por ser um
golpe de estado do FLNG em Conakry, a partir do qual eclodiria um
levantamento em todo o país, no meio do qual se desenrolaria a
operação portuguesa. Seria uma solução rápida, decisiva e
que colocaria a comunidade internacional perante um facto
consumado. Afinal, nada de diferente do que os EUA ou a URSS
faziam nas suas zonas de interesse.
Isto ia contra o
pensamento corrente nos altos comandos portugueses. As pequenas
incursões de tropas portuguesas além fronteiras, em
perseguição do inimigo e para destruir as suas
infra-estruturas, tinham-se tornado habituais ao longo dos anos.
Mas as grandes operações eram encaradas como um risco demasiado
grande, não do ponto de vista militar mas antes político.
Poderiam servir de pretexto a uma intervenção internacional
contra Portugal, sob a égide da ONU ou da Organização de
Unidade Africana. Este era, aliás, um dos piores cenários que
os decisores portugueses enfrentavam. Uma rara excepção a esta
corrente de pensamento eram os planos para a invasão do Malawi
no caso do regime pró-português de Hastings Banda estar em
risco.
Mas em Lisboa, Marcello
Caetano mostrava-se favorável a acções mais decisivas, facto a
que não era alheia a mudança da política dos EUA em relação
a Portugal. Em Julho e Agosto de 1970 teve lugar a Operação Nó
Górdio, no interior da Tanzânia. 8.000 homens apoiados por
aviões e helicópteros em perseguição da FRELIMO, atacando e
destruindo as suas bases e transformando o Sul da Tanzânia no
que a imprensa internacional descreveu como «um pequeno Vietname em África». Por seu lado, Spínola argumentava que só atingindo
o PAIGC no seu santuário é que se lhe causavam danos
relevantes. Caetano concordou com a operação na condição de
que fosse feita de maneira a ninguém se aperceber de que
Portugal estava envolvido no golpe do FLNG. Caso contrário, a
descoberta do envolvimento português poderia ter graves
consequências a nível internacional. Prosseguiram os
preparativos para a operação.
A tarefa mais exigente
foi formar a força armada do FLNG. O recrutamento foi feito
através de contactos com os dirigentes do movimento na Europa e
os vários núcleos de oposicionistas do Front dispersos
por países da região. Este era um trabalho difícil, não só
porque muito destes indivíduos eram vigiados pelas autoridades
desses países, mas também porque frequentemente já estavam
instalados nos países de exílio, com os seus empregos e
famílias. Mas foi uma tarefa bem sucedida, e os indivíduos
recrutados (entre os quais antigos militares) foram recolhidos
pela Marinha, numa série de operações clandestinas nas costas
do Senegal, Gâmbia e Serra Leoa, até à fronteira com a
Libéria. Pequenos grupos-tarefa compostos de lanchas de
fiscalização e de desembarque faziam o rendez-vous com
os grupos de elementos a recolher em praias seleccionadas, em
datas e horas combinadas, sempre durante a noite. Através da
estrutura do FLNG estavam também combinados o número de homens
a embarcar em cada operação, e os códigos rádio e luminosos a
serem trocados entre os navios e os grupos nas praias. Os
elementos eram recolhidos com botes pneumáticos para bordo dos
pequenos e discretos navios portugueses, tendo sido a LFG Orion
o navio mais usado nestas operações. Assim foram recolhidos
duzentos elementos, que formariam a força de desembarque do Front,
e concentrados na ilha de Soga, na Guiné Portuguesa. Nesta ilha
discreta foram construídos os aquartelamentos e o campo de
treino, onde os oposicionistas foram treinados por oficiais
portugueses, entre os quais os melhores instrutores disponíveis
na Guiné. Foi uma tarefa árdua porque foi necessário
ultrapassar as rivalidades tribais e religiosas entre os
oposicionistas guineenses. Mas com treino intensivo
e disciplina rigorosa foi possível tornar a força do FLNG numa
unidade coesa.
Foi feito um vasto
trabalho de recolha de informações sobre a Guiné-Conakry
(constatando-se que a Intelligence que existia até
então era manifestamente insuficiente), recorrendo às mais
variadas fontes, desde guineenses exilados a antigos membros do
PAIGC, além de notícias e publicações. Foi feita uma maquete
da zona portuária de Conakry mas ainda assim faltava
informação a nível operacional e táctico. Obter fontes locais
num país vivendo sob um regime como o de Sékou Touré não era
fácil. Também foi obtida informação fornecida pelos serviços
secretos franceses e da RFA.
Sendo elevada a
probabilidade de vitória do golpe, foi elaborado o programa
político do FLNG em conjunto com três delegados deste
movimento, em Bissau. Os membros do futuro governo da
Guiné-Conakry foram seleccionados e preparados os comunicados a
serem difundidos pela rádio.
Do lado das forças
portuguesas, foram feitos os planos do ataque e escolhidas as
unidades que participariam na operação. Era evidente que os
combatentes do FLNG, por muito intensivo que tivesse sido o seu
treino, dificilmente estariam à altura de executar operações
especiais e enfrentar as unidades mais capazes da Guiné-Conakry
em grande inferioridade numérica. Assim, alguns objectivos mais
difíceis e que seriam cruciais para o sucesso do golpe do Front
seriam atacados por tropas portuguesas. O mais importante deles
todos era a eliminação física de Sékou Touré.
Mas esta não seria nem
uma operação anfíbia clássica, nem um simples raide de
comandos. Também não seria uma invasão ao estilo da dos
exilados cubanos em 1961, conhecida pela Baía dos Porcos, porque
o país que a apoiava também iria participar com forças suas, e
o objectivo seria a própria capital do país. A solução era
uma operação anfíbia, assente num número limitado de pequenos
navios, na qual seria efectuado um grande número de raides de
comandos em simultâneo, cada equipa atingindo um objectivo
específico. E uma vez que as forças portuguesas actuariam
dissimuladas e como se fossem forças exiladas, teriam de operar
com as mesmas limitações de um vulgar grupo armado. Isto
significava que não haveria infiltrações por helicóptero, nem
apoio aéreo, nem uso de qualquer armamento sofisticado. Tudo
teria de ser feito com lanchas, barcos pneumáticos e armamento
ligeiro. Não havia precedente de uma operação com esta
combinação de objectivos e limitações auto-impostas.
A
LDG (Lancha de Desembarque Grande) Montante,
um dos navios participantes na Operação Mar Verde, aqui
navegando num rio da Guiné
Como uma das condições
para o sucesso da operação era que não houvessem vestígios da
participação de forças portuguesas ou sequer do envolvimento
de Portugal no golpe, foram tomadas uma série de medidas para
esse fim. Tantos os combatentes portugueses como os do FLNG
usariam o mesmo uniforme e o mesmo armamento, que teria de ser de
uso corrente em África. Por outras palavras, de modelo
soviético. Para se comprar o armamento sem que o destino final
fosse revelado, recorreu-se ao mercado paralelo, através da
firma Norte Importadora Lda, propriedade de José João Zoio,
conhecido cavaleiro tauromáquico e também comerciante de armas.
De facto, esta empresa foi uma das envolvidas numa das facetas
mais irónicas da guerra travada em África: a compra de armas a
fabricantes do Bloco Comunista. Portugal, por razões da
existência de um embargo internacional e pelas limitações da
sua própria indústria, recorria com alguma frequência a
fabricantes do outro lado da Cortina de Ferro, que não olhavam a
aspectos ideológicos e, pelo contrário, se mostravam abertos a
vender os seus variados produtos sem fazer grandes perguntas e a
preços convidativos. Um dos seus produtos mais populares eram os
lança-foguetes RPG, que não tinham equivalente na indústria
ocidental. E uma vez que esta empresa não vendia armas apenas
às Forças Armadas portuguesas, ninguém poderia prever qual o
seu destino. Zoio deslocou-se à Bulgária, em cuja capital
encomendou o lote de armas destinadas à operação na
Guiné-Conakry, de que se destacavam espingardas de assalto AK-47
(Kalashnikov), metralhadoras ligeiras RPD (Degtyarev) e
lança-foguetes RPG-2. As armas foram fabricadas sob a
especificação de que nenhuma teria número de fabrico nem
qualquer identificação do fabricante ou país de origem. Os
fabricantes búlgaros forneceram as armas prontamente.
Em Lisboa, as Oficinas
Gerais de Fardamento e Equipamento (OGFE) conceberam e fabricaram
um lote especial de uniformes, muito diferentes dos portugueses.
Também foram feitos chapéus de um modelo tropical muito
semelhante ao de origem soviética. Dos chapéus às botas, nada
poderia indicar a sua origem portuguesa. Para completar o
disfarce, os militares portugueses de raça branca tomariam parte
na operação com o corpo pintado de forma a parecerem negros.
Finalmente, no fim de
Outubro de 1970, os preparativos entraram na fase final, com a
escolha das equipas e sua atribuição aos objectivos
seleccionados e ordenados por grau de prioridade. Foram
identificados 52 objectivos necessários à paralisação da
cidade de Conakry. Mas foi decidido que o desembarque teria lugar
numa noite de Sábado para Domingo, altura em que a maioria dos
militares e para-militares estariam de licença e os serviços
públicos desactivados. Em consequência, o número de objectivos
foi reduzido a 25. A cada objectivo foi atribuída uma equipa,
variável em número e com o armamento necessário a cada caso.
A
ordem das operações passava primeiro pelo domínio no mar,
depois em terra e, por fim, no ar. Para o domínio do mar (e
resultados políticos) era condição sine qua non que
nenhum navio de guerra soviético estivesse nesse momento em
Conakry.
Os grandes objectivos da
operação eram:
- Destruir as lanchas no porto
- Libertar os prisioneiros de guerra portugueses
- Destruir os caças Mig
- Atacar e destruir o quartel-general do PAIGC
(havendo a hipótese de capturar Amílcar Cabral)
- Proporcionar o desembarque do FLNG, e auxiliar a
sua tomada do poder
Nome de código: Operação
Mar Verde
No princípio de Novembro
é espalhada a informação de que está a ser preparada uma
grande operação na ilha de Como. Discretamente, começa a
concentração de forças, feita de forma discreta, na ilha de
Soga, onde estavam baseados os combatentes do FLNG. Dadas as
características da operação, as forças portuguesas que
participam são compostas maioritariamente por militares
africanos: o Destacamento de Fuzileiros Especiais 21 (Africano),
a Companhia de Comandos Africanos e um pequeno número de
Páraquedistas.
A 14 de Novembro, o
comandante Alpoim Calvão é enviado pelo general Spínola a
Lisboa para descrever os planos a Marcello Caetano, que dá luz
verde à operação a 17.
A
OPERAÇÃO MAR VERDE
Parte
3 – A operação
17 de Novembro. No mesmo
dia em que Lisboa dá a luz verde, o general Spínola dá
conhecimento aos Comandantes Chefes Adjuntos da ordem de
operações para a Operação Mar Verde. O Exército reforça e
põe de alerta as suas unidades junto da fronteira com a
Guiné-Conakry. Por seu lado, a Força Aérea prepara missões de
reconhecimento e apoio ao grupo de navios envolvidos, e missões
de bombardeamento de objectivos do PAIGC na Guiné-Conakry, que
seriam atacados caso o golpe tivesse êxito.
A 18, a Força Aérea
inicia as missões de reconhecimento das águas da
Guiné-Conakry, do porto da capital e suas aproximações, com um
avião de patrulha marítima Lockheed P2-V5 Neptune, de forma a
detectar movimentos de navios de guerra, mercantes e
concentrações de navios de pesca.
Às 09h00 desse dia a
missão das forças na ilha de Soga é comunicada oralmente aos
comandantes: a operação não é na ilha de Como mas sim um
desembarque na capital da Guiné Conakry. Confirma-se que o
sigilo que envolveu a preparação da operação foi mantido: nos
briefings finais, dois oficiais, um do Exército e outro
da Marinha, mostrar-se-iam muito cépticos quanto à sua
execução. O do Exército recusou-se a participar e foi-lhe dada
voz de prisão e levado para Bissau de helicóptero. Mas Spínola
e Calvão acabariam por convencê-lo, e regressaria à ilha de
Soga.
A 19, Calvão regressa de
Lisboa e parte logo para a ilha onde se fazem os últimos
preparativos. Também nesse dia, a Força Aérea informa de que
não existem navios de guerra nas águas da Guiné Conakry, e que
um P2-V5 fez escuta das comunicações da torre de controle do
aeroporto de Conakry, não se registando tráfego de aviões
militares.
Aos homens da força de
desembarque, portugueses e opositores guineenses, são
distribuídas as novas armas e uniformes. Os navios envolvidos
são pintados para se dissimularem todos os sinais que os
indiquem como portugueses. Até as bóias de salvação. São
quatro LFGs (da classe Argos), Cassiopeia, Dragão,
Hidra e Orion (navio-chefe), e duas LDGs , a Bombarda
(da classe do seu nome) e a Montante (da classe Alfange).
Compõem a força-tarefa TG27-2.
LFG
(Lancha de Fiscalização Grande) Orion,
da classe Argos, num
rio da Guiné
Deslocamento:
210 toneladas; Dimensões (em metros): 41,7 x 6,7 x 2,1;
Armamento: 2 canhões Bofors 40mm/70, metralhadoras 7,62mm e
granadas de dilagrama; Propulsão: 2 motores diesel Maybach Tunel
MD 440/12 accionando dois hélices, totalizando 2400cv;
Velocidade: 17,3 nós; Autonomia: 1660 milhas náuticas;
Tripulação: 24. Os navios desta classe usados na Guiné eram
parcialmente blindados.
LDG
Montante, da classe Alfange,
na Guiné
Deslocamento:
480 toneladas; Dimensões, em metros: 56,54 x 11,8 x 1,27;
Armamento: 2 canhões Bofors 40mm/70, metralhadoras 7,62mm e
granadas de dilagrama; Capacidade de Transporte: 270 toneladas;
Propulsão: 2 motores diesel Maybach-Mercedes Benz accionando
dois hélices, totalizando 910cv; Velocidade: 10,3 nós;
Autonomia: 2860 milhas náuticas; Tripulação: 20. A Bombarda
é muito semelhante, com canhões Oerlikon 20mm em vez dos Bofors
40mm.
As
equipas são distribuídas pelos navios:
Nas LFGs Dragão e
Cassiopeia são embarcadas as equipas que irão atacar os
objectivos do PAIGC, eliminar Sékou Touré na sua residência, a
Villa Silly, e o campo de milícias do PDG. São formadas por
fuzileiros reforçados por comandos.
Na LDG Bombarda
segue parte dos FLNG, enquadrados por Comandos. São as equipas
que atacarão o Palácio Presidencial, Ministério do Interior, a
comando da Gendarmerie, residências dos dirigentes Lansana
Beavogui e Sayfoulhah Djallo, quartel da Gendarmerie, quartel dos
conselheiros militares cubanos, a rádio de Boulbinet e o istmo
que divide as duas partes da cidade, impedindo a passagem de
reforços vindos de outras instalações militares.
Na LDG Montante
segue o restante da força do FLNG, com as equipas destinadas a
atacar a central eléctrica, o estado-maior da forças armadas da
Guiné Conakry (Campo Samory) e a Guarda Republicana.
Na LFG Hidra
segue a equipa que irá destruir os Mig baseados no aeroporto de
Conakry.
Na LFG Orion
está o comando da operação e a equipa que atacará as lanchas
da Guiné Conakry e do PAIGC.
A força de desembarque
totaliza 400 homens.
A
força ultimando preparativos, horas antes da partida.
As equipas agiriam
segundo a sequência de controlo do mar (destruição das
lanchas), de terra (neutralização das forças principais e
corte do isto) e do ar (destruição dos Mig antes do amanhecer;
os navios tinham uma capacidade anti-aérea muito reduzida).
Também era prioritária a captura da rádio Boulbinet (a
emissora mais escutada) logo no início das operações.
Dia 20, sexta-feira, pela
manhã, a força é visitada pelo comandante-chefe e governador
da Guiné, general António de Spínola.
O
general Spínola (de camuflado) a bordo da Montante.
Às 19h50, a
força-tarefa TG 27-2 larga da ilha de Soga e reúne-se no ponto
de rendez-vous, junto à ilha de Canhambaque. Às 22h00,
hora H, segue em coluna para Sudeste, com luzes ocultadas, e
postos de combate anti-aéreo a partir do nascer do sol. Navega
desta forma até às 03h50 do dia 21, quando a força adopta uma
disposição mais adequada, em dois grupos (main body e screen,
distando 4 a 6 milhas entre si), manobrando de forma a evitar o
tráfego marítimo e seguindo as indicações de um P2-V5 da
Força Aérea. Apenas um navio, o arrastão Banko, não se
consegue evitar que passe próximo da Montante, devido à
lenta velocidade desta.
Às 17h50 a força volta
a navegar em coluna, aproveitando a proximidade da noite.
Aproxima-se de Conakry, onde chega sem percalços, e às 20h45 é
avistado o farol da ilha de Tâmara e ordenado o split da
formação, seguindo os navios individualmente para as posições
de onde serão lançadas as equipas de desembarque.
Às 21h30, o
comando (na Orion) indica a hora até à qual todos os
desembarques serão efectuados para de seguida dar a ordem de
ataque para todas as equipas: 01h30 do dia seguinte.
00h45 de Domingo, 22 de
Novembro de 1970.
Maré completamente
cheia, nenhum vento.
A força está dividida
em três grupos, a Sul (LDG Bombarda e LFG Hidra),
Norte (LDG Montante, LFGs Cassiopeia e Dragão)
e a Norte-Noroeste (LFG Orion) de Conakry.
A equipa VICTOR, composta
por 14 fuzileiros especiais e um guia da FLNG, comandados pelo
2º tenente Rebordão de Brito, larga da Orion em três
botes pneumáticos Zebro III, com motores de 50cv, na direcção
do molhe de La Prudence, que protege o porto interior, a meia
milha de distância. Chegados junto do molhe, o Cmdt Rebordão de
Brito trepa para cima da construção para fazer uma observação
pormenorizada do porto. Mas o que vê com o binóculo é a
silhueta de algo muito diferente de pequenas lanchas: uma
fragata. Sabendo-se que a Marinha da URSS costuma usar o porto de
Conakry, não há dúvidas a quem pertence o navio.
Uma fragata soviética
seria mais que suficiente para afundar as lanchas portuguesas e
tornar a operação num desastre. Raciocinando rapidamente, o
experiente oficial caboverdiano vira-se para um dos seus homens e
diz: «Olha, temos ali uma fragata à frente, nós somos apenas
catorze, não temos hipótese de sobreviver, vamos lançar-nos ao
ataque da fragata, direitos aos aquartelamentos da guarnição e
rebentamos com tudo o que seja possível. Já sabemos que não
saímos de lá vivos, mas ao menos deixamos as nossas unidades
actuar à vontade». Enquanto isto, o guia guineense começa a
afiar uma enorme faca nas pedras do molhe. Rebordão de Brito
opta conscientemente por uma missão suicida, na esperança de
poder danificar a fragata nos órgãos vitais o suficiente para
pôr o navio fora de acção.
A ordem de ataque é dada
à 01h40, desde a Orion. A equipa VICTOR lança-se nos
botes ao assalto. À medida que se aproxima, em vez da silhueta
da fragata vão aparecendo duas silhuetas de lancha sobrepostas
no prolongamento (a popa de uma e a proa de outra) que ao longe
pareciam ser um navio muito maior. No porto estão afinal três
lanchas P6, quatro Komar e uma lancha de
desembarque do PAIGC. O assalto prossegue. O grumete fuzileiro
especial Abou Camara apunhala silenciosamente a sentinela que
guarda as três lanchas P6. A equipa sobe a bordo dos
navios e, pelas portas das cobertas, atira granadas de mão
ofensivas para o interior, provocando incêndios a bordo. A
primeira explosão e o tiroteio são escutados a bordo da Orion
às 01h55. Os ocupantes são eliminados e o fuzileiros correm
para junto das outras lanchas. Soa o alarme no porto e o inimigo
abre fogo desde o interior dos navios, com armas ligeiras e
granadas de mão, e de terra com uma metralhadora pesada,
instalada no telhado de um armazém junto à doca. Posicionados
em pontos estratégicos, os fuzileiros eliminam a resistência
causando baixas ao inimigo. As Komar são destruídas da
mesma maneira, com granadas de mão atiradas para o interior das
lanchas. Eliminados os focos de resistência, a equipa VICTOR
retoma os botes pneumáticos e dirige-se de regresso para a Orion,
onde chega às 02h10.
O
comandante Alberto Rebordão de Brito
Sofrendo apenas um ferido
ligeiro, a equipa de 15 homens tinha destruído sete lanchas
(três afundadas e quatro incendiadas) e abatido 15 a 20
combatentes inimigos. Em resultado dos incêndios, as lanchas,
com mísseis, torpedos, munições e combustível a bordo,
explodem em bolas de fogo que são vistas de bordo da Orion.
O primeiro objectivo da Operação Mar Verde está atingido e a
cidade de Conakry acorda ao som de explosões.
Por esta altura já todas
as equipas estão colocadas no terreno.
Da LDG Montante são
lançadas as equipas OSCAR, INDIA e MIKE.
A OSCAR é constituída
por 40 homens, comandos portugueses e do FLNG, comandados pelos
alferes Ferreira e Tomás Camarã, desembarca junto ao quartel da
Guarda Republicana, às 01h35, a partir de botes pneumáticos.
Esta força constitui a elite das Forças Armadas da Guiné
Conakry, treinada por conselheiros militares checoslovacos, e a
principal guarda pretoriana do regime. Cinco dos homens
dirigem-se discretamente para o portão da entrada mas mesmo
assim são detectados pela sentinela, que o alferes Ferreira
tenta dominar, mas que se refugia na casa de guarda. Na
perseguição, o alferes é abatido na soleira da porta por uma
rajada disparada por outros dois homens que se encontram no
interior, e que abrem nutrido fogo sobre o grupo assaltante.
Corajosamente, o furriel comando Marcelino da Mata atira-se pela
janela para dentro da casa e abate a tiro os ocupantes. A equipa
OSCAR irrompe pelo recinto posicionando-se na enfiada da saída
das casernas. Os guardas republicanos, apanhados de surpresa,
tentam fugir mas a maioria é abatida, enquanto alguns conseguem
desaparecer na noite. O quartel está nas mãos da equipa OSCAR,
que liberta cerca de 400 presos políticos que ali estavam
encarcerados, e que celebraram efusivamente a sua libertação.
Muitos deles pegam em armas para se juntar ao golpe. No final da
acção, o quartel é deixado à guarda de 20 homens do Front.
Marcelino
da Mata: o militar mais condecorado de toda a História das
Forças Armadas Portuguesas
Por seu turno, as equipas
INDIA e MIKE são desembarcadas directamente da LDG Montante
para terra. Às 01h40, a lancha abica ao molhe do Yacht Club as
equipas prosseguem para os objectivos. Nesta altura, já se ouve
o tiroteio no porto e, baixada a rampa da LDG, os assustados
homens do FLNG hesitam em sair. O alferes Sisseco, dos Comandos
Africanos, ordena aos seus homens para desembarcarem e assim
darem o exemplo e convencerem os camaradas do Front a
ganharem coragem e irem para o combate, o que resulta.
A equipa INDIA,
constituída por 10 comandos chefiados pelo furriel Demda Sêca e
acompanhados por um elemento do FLNG, atravessam a linha de
caminho de ferro Conakry-Fria e dirigem-se para a central
eléctrica. Eliminadas duas das sentinelas, os comandos penetram
na instalação prendendo o encarregado, que obrigam a cortar a
electricidade à cidade. Às 02h15, os habitantes de Conakry, que
tinham sido acordados por explosões e tiros, viam agora a sua
cidade ficar às escuras. Era um importante efeito psicológico e
contribuía para a desorientação das Forças Armadas da Guiné
Conakry, que tinham sido apanhadas completamente de surpresa.
Mas, inesperadamente, os próprios guias da FLNG (nem sempre
competentes) acabariam também eles por ficar por vezes
desorientados na cidade às escuras.
A equipa MIKE, composta
por 15 comandos e 35 FLNG, estes sob o comando do major Thierne
Diallo, dirige-se para o Campo Militar de Samory, a um
quilómetro. Nesta instalação está armazenada uma grande
quantidade de material valioso do Exército da Guiné Conakry e
é preciso capturá-lo para impedir os soldados governamentais de
o usarem. A equipa progride na direcção do objectivo sem
dificuldade. Quando está a cem metros do campo, um
“jipão” do Exército da Guiné Conakry, transportando
feridos, aproxima-se e é mandado parar. O condutor indica o
Campo Samory, mas tenta fugir com a viatura e é abatido. Os
comandos aproximam-se das traseiras do campo, verificam que a
porta está aberta e o alferes Sisseco manda avançar os
elementos do FLNG. Uma secção avança no interior do recinto em
direcção ao portão principal. De uma torre, uma metralhadora
Breda faz fogo, mas é calada por um disparo de RPG-2 feito pelos
comandos. Depois de ter rebentado com um portão mais pequeno com
uma granada ofensiva, abre o portão principal. Nesta altura já
não há resistência no Campo Samory, e é montado o dispositivo
de defesa.
Uma dificuldade
inesperada é que os rádios ficaram fora de acção, e os
contactos com as outras equipas têm agora de ser feitos
directamente. No recinto está armazenada uma grande quantidade
de armas e veículos, incluindo 15 blindados ligeiros de
reconhecimento, 50 jipes e mais de 100 camiões GMC. Também se
encontram quantidades enormes de metralhadoras pesadas, bazucas,
morteiros, pistolas-metralhadoras, espingardas Kalashnikov e
Simonov, e muitas munições. Incendeiam-se os edifícios do
Estado Maior. Mas entretanto vão chegando militares
governamentais que procuram entrar no campo para ali se armarem.
Durante três horas e meia, o campo é defendido pelos comandos.
O soldado comando Mamadu Saliu Diallo revela-se um exímio
apontador de RPG-2, destruindo sozinho 16 veículos
governamentais que chegam carregados de pessoal, e assim matando
algumas dezenas de soldados inimigos. Em contrapartida,
constata-se a falta de coragem e inabilidade em combate dos
elementos do FLNG, pelo que têm de ser os comandos a fazer o
maior esforço. Em resultado do tiroteio, a equipa de comandos
conta já com dois mortos e seis feridos (incluindo o
comandante), alguns dos quais feitos por um disparo de RPG-2 mal
executado pelos homens do Front. Assim sendo, e cumprida
que está a missão de captura do campo, o alferes Sisseco divide
a equipa MIKE. Os comandos portugueses irão retirar, enquanto os
homens do FLNG, comandados pelo major Thierne Diallo, e
acompanhados pelo comandante Assad e pelo jornalista da revista
«Jeune Afrique» Siradiou Diallo, montam a defesa seguindo as
instruções do oficial português, para posteriormente
juntarem-se à equipa INDIA.
Regressando ao Yacht Club, os
comandos são interceptados por um camião GMC cheio
de soldados guineenses, que saltam para terra e começam a fazer
fogo. O pequeno grupo de comandos portugueses divide-se para a
esquerda e para a direita, respondendo ao fogo do inimigo. O
próprio alferes Sisseco dispara um tiro de RPG-2 apontado ao
depósito de combustível da GMC, destruindo o veículo e pondo
os soldados inimigos em fuga. Nesta acção, um dos comandos
feridos volta a ser atingido numa perna. Chegado ao cais, o grupo
é recuperado por botes pneumáticos, tendo sofrido dois mortos,
dois feridos graves e quatro ligeiros, incluindo o comandante. A
missão da equipa MIKE está completa, tendo causado um número
estimado de cerca de 100 mortos ao inimigo.
01h40. A equipa ZULU,
composta por fuzileiros e comandos, larga das LFGs Dragão e
Cassiopeia em dez botes pneumáticos. Durante o trajecto, alguns
botes são travados por redes de pesca que não tinham sido
vistas, provocando algum atraso. Chegada a terra, às 02h15, a
equipa divide-se em três grupos.
Um dos grupos, comandado
pelo 1º tenente Cunha e Silva, tem como objectivo a prisão nos
arredores da cidade onde o PAIGC mantém os prisioneiros de
guerra portugueses. Um deles é o tenente António Lobato, piloto
da FAP que, após uma aterragem de emergência no seu T-6G, foi
feito prisioneiro do PAIGC em 1963. Durante os sete anos de
cativeiro, o mais antigo prisioneiro de guerra português
protagonizou duas tentativas de evasão que estiveram perto do
sucesso. A sua experiência está descrita no seu livro
«Liberdade ou Evasão».
“O
matraquear longínquo de metralhadoras disparando com frenesim,
interfere no meu sono de forma quase onírica. Ora o oiço com
mais intensidade, dando a ideia de aproximação, ora se cala por
instantes, ora fica reduzido a uma surdina, como se as armas
estivessem dotadas de silenciadores. Este ciclo sonoro de altos,
baixos e stacatos, prolonga-se o tempo suficiente para que eu
tome consciência de que não estou a sonhar e de que algo de
mais sério está a acontecer.
A primeira ideia que me ocorre é a de
mais uma tentativa de golpe de Estado contra o sanguinário
Sékou Touré, na sequência de tantas outras de que fui tendo
conhecimento ao longo dos anos.
A imaginação galopa no escuro das duas
ou três da manhã e alicia-me com a vitória dos incógnitos
golpistas, a quem eu agradeço adiantadamente a minha libertação.
Entretanto as metralhadoras não se calam
e ouvem-se cada vez mais próximas. A acuidade sensorial torna-se
tão intensa que a certeza de que aquelas armas se dirigem à
prisão, é um dado adquirido.
Consola-me o pensamento de que num golpe
de Estado, uma das coisas que realmente se deve fazer é libertar
os prisioneiros.
Não tenho tempo de continuar com as
minhas fantasias: um enorme estrondo no tecto da prisão abafa o
tiroteio que agora é mais intenso, mesmo aqui atrás de mim.
Instintivamente atiro-me para o chão,
procuro uma esquina para melhor me abrigar e aqui fico deitado de
bruços protegendo a cabeça com os braços. Fico poucos segundos
nesta posição: um dilagrama ou uma bazuca, rebentam a janela
condenada da minha masmorra. O tiroteio continua, mas ao crepitar
das armas sobrepõe-se uma voz que grita: «Lobato!»
A mesma acuidade sensorial que em
situações limite nunca me abandonou e sempre despoleta em mim
forças de que normalmente não tenho consciência, diz-me que é
gente nossa e catapulta-me para o exterior através do rombo
aberto na parede pelo explosivo.
Mal assento os pés no solo, alguém que
sai do meio da noite adivinha quem eu sou e pergunta-me onde
estão os outros.
Com ele e o seu pequeno grupo damos a
volta ao edifício, fazendo exactamente o mesmo percurso que fiz
no dia da minha chegada a esta casa e indico-lhes a porta da sala
onde estão empilhados vinte e três soldados portugueses. Num
abrir e fechar de olhos a porta é arrombada e os vinte e três
prisioneiros, jovens de vinte anos, na total ignorância do que
está a acontecer, não saem de imediato. É preciso que os
elementos do grupo atacante entrem na sala para apressar a
saída.
Com todos reunidos no espaço que servia
de recreio, o comandante encarrega-me de manter toda a gente em
coluna até chegarmos ao destino, que não revela.
No momento da partida, um dos soldados
recusa-se a acompanhar-nos, mas a espontânea reacção de todos,
impede-o de manifestar uma segunda vez a sua intenção. Trata-se
de um desertor em quem nem o inimigo acreditou.”
Ao todo, são 26 os
prisioneiros portugueses libertados, e que caminham na direcção
da praia em silêncio, guiados e escoltados pelo grupo de
assalto. No caminho são atacados por militares guineenses, que
são rechaçados e postos em fuga pelos fuzileiros. Até que
atingem a praia:
“Mantendo
a marcha acelerada, acabamos por chegar a uma praia onde
embarcamos em botes de borracha rumo ao alto mar. Em breves
minutos acostamos a um navio ancorado a escassas milhas da costa
e faz-se o nosso transbordo.
São cerca de
quatro e meia da manhã. Os tripulantes da LFG Dragão não
escondem a sua alegria ao receberem-nos a bordo, mas ao mesmo
tempo não disfarçam um piedoso espanto perante a nossa magreza.
Marinheiros até aos ossos, reagem a este pormenor distribuindo
comida e bebidas.
Alguém que suponho ser o comandante,
retira-me do grupo e leva-me com ele para outra zona do navio.
Daí a pouco, aparece um marinheiro com um enorme bife que coloca
na minha frente.”
O segundo grupo de
assalto da equipa Zulu, composto por comandos e comandado pelo
sub-tenente Falcão Lucas, tem como objectivo atacar o
quartel-general do PAIGC na cidade. No assalto às instalações,
neutraliza uma série de sentinelas, abate vários elementos do
PAIGC, e destroi os 5 edifícios e ainda 6 viaturas que se
encontravam no recinto.
O terceiro grupo de
assalto, composto por 21 fuzileiros e um guia do FLNG comandados
pelo 2º tenente Benjamim Abreu, tem como objectivo a Villa
Silly, a residência secundária de Sékou Touré, para o
eliminar fisicamente, e o Campo da Milícia Popular de Conakry,
100 metros adiante. A Villa Silly é composta por duas casas (a
residência propriamente dita e a casa dos guardas) e, ao
aproximar-se do objectivo, o grupo divide-se em duas secções de
ataque (uma para cada casa) e uma secção de protecção. As
duas sentinelas são abatidas à porta, sem sequer terem tempo de
usar as suas pistolas-metralhadoras PPSh, que são recolhidas.
Uma secção, chefiada pelo sub-tenente Falcão Lucas, penetra
sucessivamente em todas as divisões da residência, sem
encontrar ninguém. Nem sequer havia indícios de ocupação
nessa noite, estando a casa arrumada e as camas ainda feitas.
Sékou Touré não está onde é suposto. As casas são
destruídas com tiros de bazuca e granadas de mão, provocando um
incêndio. Também é destruído o automóvel particular do
ditador guineense.
O grupo prossegue para o Campo da Milícia
Popular, a cem metros. Os 22 homens penetram no recinto
transpondo um muro de dois metros de altura para evitarem a
detecção. Inicia-se o ataque com dois disparos de RPG-2 contra
as duas casernas, causando vários mortos e feridos, e um
curto-circuito que originou um incêndio. De seguida, os
fuzileiros assaltaram o interior das casernas com granadas de
mão defensivas. As tropas no interior tentam montar uma
oposição, sem sucesso, perante o poder de fogo dos fuzileiros
que, reforçados por uma bazuca e um lançador de RPG-2, estão
armados com uma dezena de metralhadoras RPD Degtyarev, para além
das AK-47. Três automóveis e um motociclo transportando oito
milicianos irrompem pelo campo dentro, mas logo são parados pela
metralha, morrendo todos os ocupantes e incendiando-se os
veículos. Um camião GMC é destruído com duas granadas
defensivas. Uma das sentinelas no portão principal faz fogo mas
acaba por ser dominada e capturada a sua pistola-metralhadora.
Depois de reagrupados, os 22 homens abandonam o local para se
reunirem ao grupo de assalto do 1º tenente Cunha e Silva. Para
trás fica o Campo da Milícia Popular de Conakry em chamas e no
seu interior 60 milicianos fora de combate, 30 deles mortos.
Caminhados apenas 50 metros são detectados três soldados
inimigos, que são abatidos. Ainda de dentro do campo tenta sair
um automóvel Volkwagen que é destruído e abatido o seu
condutor. Os documentos deste são consultados, concluindo-se que
se trata de um cidadão da República Federal da Alemanha.
Apesar dos bons
resultados, dos três objectivos desta equipa falha um: encontrar
e eliminar Sékou Touré. Mas os prisioneiros foram libertados, o
quartel-general do PAIGC destruído, e o Campo da Milícia muito
atingido. Apesar dos duros combates (sobretudo na prisão de La Montaigne, no quartel-general do PAIGC e no Campo da Milícia)
esta equipa não sofreu qualquer morto ou ferido. Reembarcada
pelas 04h30, a equipa ZULU passa a constituir a reserva de
manobra do Comandante da operação.
01h05. De bordo da LDG Bombarda,
a 300 jardas da praia Peronné, comandada pelo capitão-tenente
Aguiar de Jesus (com uma calma imperturbável, fumando o seu
cigarro descontraídamente), largam dois botes com a equipa
HOTEL, com a missão de capturar a rádio de Boubinet. A equipa
é constituída por 9 comandos, sob as ordens do alferes Jamanca,
e inclui um elemento do FLNG, o engenheiro electrónico Tidiane Diallo, que conhece o local. Incompreensivelmente, uma vez
desembarcada, a equipa não sai da praia. Ou por desorientação
do engenheiro guineense ou por indecisão do oficial, a equipa
não saíu do local de desembarque até que recebeu ordem de reembarcar. No entanto, a rádio acabará por ser atingida.
Entretanto duas vagas de
botes de borracha colocam em terra as restantes equipas da Bombarda:
ALFA, BRAVO, CHARLIE, DELTA, ECHO, FOXTROT e GOLF. Todas as
equipas, compostas por comandos e FLNG, seguem para os
respectivos objectivos, orientadas – nem sempre bem –
pelos guias do Front. Os objectivos são
instalações governamentais, que são tomados sem dificuldade.
Só no quartel da Gendarmerie é encontrada resistência
significativa.
Ao chegar ao local, a equipa ECHO, comandada pelo
capitão João Bacar, e reforçada pelas GOLF, BRAVO e DELTA, num
total de 50 homens, demora a reagrupar o pessoal, e uma coluna
blindada de gendarmes prepara-se para sair. Os veículos são
atacados, ficando 4 destruídos e o inimigo sofrendo um grande
número de baixas.
A equipa ALFA, formada
por dez elementos, aproxima-se do Palácio Presidencial, sendo
vista pelos guardas, que fogem a grande velocidade. A equipa
revista o interior do grande edifício não encontrando ninguém.
01h40. Vinda da LFG Hidra,
a equipa SIERRA desembarca dos botes pneumáticos. É composta
por pára-quedistas e comandos (38) e elementos do FLNG (6), sob o
comando do capitão Lopes Morais, dos pára-quedistas. O seu
objectivo é o aeroporto que serve também de base à Força
Aérea da Guiné Conakry, para destruir os caças Mig e assegurar
que não existirá uma ameaça aérea a toda a operação. Um dos
elementos do Front é um antigo controlador de tráfego
aéreo deste aeroporto. Começam-se a ouvir rebentamentos por
toda a cidade ainda antes de iniciar a progressão para o
objectivo. Esta é feita a um ritmo apressado, imposto pelo
comandante, apesar dele próprio estar com um joelho lesionado,
resultado de um salto de pára-quedas recente. A dado momento, o
capitão Lopes Morais sente alguma resistência ao andamento nos
militares que o seguem mais atrás e manda um dos seus homens
investigar o porquê. Às 02h00, comunica para a LFG Hidra:
02h00 -
O filho da puta do tenente fugiu com 20 dos meus homens: traiu-me
miseravelmente.
É a deserção do
tenente Januário e dos homens que o acompanham, que irão ao
encontro das forças do PAIGC para manifestarem a sua vontade de
aderirem ao movimento. E assim cai por terra um dos objectivos
principais da operação: agora é impossível desmentir o
envolvimento de Portugal nos acontecimentos. Todo o esforço de
dissimulação de forças e equipamentos foi em vão. E é
também um rude golpe para a equipa SIERRA, que assim se vê
reduzida a metade da sua dimensão.
A bordo da LFG Orion,
o comandante Alpoim Calvão ordena ao navio para mudar de
posição, juntando-se à LDG Bombarda e à LFG Hidra,
e manda desembarcar a equipa PAPA, que tem por missão cortar o
istmo que separa Conakry I de Conakry II.
A equipa SIERRA continua
em direcção ao objectivo. Do aeroporto, por rádio, o capitão
Lopes Morais vai informando a Hidra:
02h15
– Estou junto objectivo. Aeroporto rodeado arame farpado.
02h25
– Percorri a pista e não vi nenhum Mig.
Entretanto, ouvem-se
toques de clarins e ruídos de motores no vizinho campo militar
Alpha Ya-ya.
02h28
– Estou a ouvir o barulho das autometralhadoras a passarem.
Ressentindo-se do seu
joelho, o capitão Lopes Morais fica com três homens a meio do taxi-way
e manda o alferes Justo e o 2º sargento Teixeira procurarem os
Mig. Voltam vinte minutos depois, informando que no fim da pista
estão três aviões a hélice velhos e que há outra pista, em
terra batida, ao lado da principal. O capitão volta para trás e
aproxima-se da placa, onde estão dois aviões Caravelle, da Air
Afrique, e quatro Fokker F-27 Friendship. O alferes Justo quis
destruí-los, mas o capitão Morais não autorizou.
02h30
– Percorri os hangares e não se encontram lá Mig nenhuns.
03h00
– Informo que estou rodeado por dois blindados e muitas
tropas.
Da LFG Orion,
Alpoim Calvão manda a equipa SIERRA regressar ao local de
desembarque.
A esta mesma hora é
comunicado desde as equipas em terra que, segundo os soldados
feitos prisioneiros, os Mig foram enviados para o aeródromo de
Labé no dia 20, devido a uma remodelação ministerial. Uma
falha da intelligence.
Este é um grave revés
para a operação já que a segurança das forças será
seriamente comprometida pela possível entrada em acção dos
MIG. As únicas armas anti-aéreas disponíveis são os canhões
Bofors de 40mm que equipam as lanchas. Num espaço aéreo
limitado como é o caso, com 10 canhões até há razoáveis
hipóteses de atingir os aviões, mas os navios são alvos
fáceis para um ataque aéreo. Alpoim Calvão dá ainda ordem à
equipa SIERRA para destruir a pista antes de retirar, mas já
não têm o morteiro e as minas de fragmentação para o poder
fazer. A equipa reembarca na Hidra pelas 04h15.
Falhada a destruição
dos Mig, subsistia ainda a esperança de se encontrar Sékou
Touré.
Às 04h30, a maior parte
das equipas já tinha concluído a sua missão e estava
reembarcada, exceptuando as forças do FLNG que ficariam no
terreno. A situação era a seguinte:
- Domínio do mar assegurado
- Objectivos do PAIGC atingidos na maior parte
- Prisioneiros de guerra libertados
- Domínio em terra ainda em disputa, mas com forte
possibilidade de sucesso (já tinha toda a equipa Zulu
disponível como reserva e breve todo o DFE 21 também)
- Sékou Touré não encontrado
- Migs não encontrados e domínio do ar não
assegurado.
Este era o factor mais
importante e o risco de um ataque aéreo demasiado grave para ser
corrido. Não se poderia consentir que algum navio fosse
afundado. Além disso, era importante evitar que algum vestígio
português fosse deixado (na altura não era sabido que o alferes
Januário tencionava juntar-se ao PAIGC). O comandante Alpoim
Calvão toma a decisão de dar a operação por concluída,
ordenando o regresso das equipas aos navios assim que as suas
missões estejam cumpridas. Também pesa na decisão o desenrolar
dos acontecimentos do lado do FLNG: não só este movimento não
tinha a implantação que dizia ter, como o levantamento a nível
nacional não se tinha verificado. As forças portuguesas tinham feito a sua
parte, causando grandes danos ao regime comunista de Sékou Touré, e
deixado o FLNG numa situação muito favorável para tomar o
poder na capital. Os elementos do Front que querem reembarcar com as forças
portuguesas fazem-no. Outros optam por ficar e continuar o
combate.
Às 05h00 só falta
reembarcar algumas equipas da LDG Montante. Assim sendo,
é dada ordem à formação TU 27-2-1, constituída pela LFG Hidra
e LDG Bombarda, para retirar o mais depressa possível
da zona de acção.
Às 6h00, é ordenado às LFGs Cassiopeia
e Dragão para colaborarem com a Montante no
reembarque do pessoal ainda em terra.
Com o nascer do sol, em
todos os navios as posições anti-aéreas passam a postos de
combate. Começa um novo dia, muito especial para os
recém-libertados prisioneiros portugueses, como recorda António
Lobato:
"Entretanto
o dia aí está, à vista de todos, cheio de sol.
Atrás de nós o mar
imenso, à frente, uma enorme baía, fronteira entre a cidade e o
mar. Conakry, a capital do terror, está ali, a nossos pés,
implorando clemência para não ser mais violada."
Manhã
de 22 de Novembro. Na baía de Conakry, os navios esperam as
últimas tropas a reembarcar.
A
bordo da Montante, as
tropas descansam, com a cidade atacada ao longe.
Às 07h40, de uma
posição próxima ao Palácio do Povo, são disparados quatros
tiros de morteiro de 82mm na direcção da Montante, muito
mal apontados. A LFG Dragão muda de posição,
interpondo-se entre a Montante e terra para fazer de escudo ao
pessoal que reembarca, e os dois navios fazem fogo de 40mm sobre
a posição em terra. Quatro tiros são suficientes para não
mais os navios serem atacados.
Às 08h05, a Dragão
encosta à Orion para receber material de transfusão de
sangue destinado aos feridos, e transferir o piloto António
Lobato.
"A Dragão, movida por uma ordem
emanada do invisível, começa a deslocar-se cautelosamente em
direcção a outro navio fundeado aqui bem perto. Magistralmente
manobrada, coloca-se em posição de facilitar o meu transbordo.
Ajudado pela mão vigorosa de um
marinheiro, passo para bordo do navio que venho a saber chamar-se
Orion. É daqui que emanam todas as ordens para as forças em
campo, como foi daqui que saiu a ordem para o meu transbordo.
Sou imediatamente conduzido ao cérebro
da Operação Mar Verde.
Na ponte de comando, o Capitão-Tenente
Alpoim Calvão perscruta o céu com o olhar apreensivo,
consciente de que sobre si pesa toda a responsabilidade pelas
vidas de quatro centenas de homens, pelo regresso de sete navios
ao país e pelo sucesso da operação. Ao aperceber-se da minha
presença, felicita-me calorosamente, mas dir-se-ia que estava à
minha espera apenas para me fazer uma pergunta que tempere a sua
justa apreensão: «Os Mig’s, não aparecem?...»
Por força da minha profissão que é
simultaneamente o meu ideal, durante todos estes anos de
cativeiro, estive naturalmente atento aos ruídos do céu.
Em tanto tempo, menos de meia dúzia de
vezes me foi dado ouvir o silvo característico das turbinas de
um caça. Em duas dessas vezes, por ocasião de visitas de Sékou
Touré à região, pude observar, através das grades da cela
nº7 do Forte de Kindia, uma parelha de Mig’s voando muito
alto e efectuando manobras muito suaves. Não é normal este tipo
de voo quando se acompanha a visita de um Presidente e muito
menos quando esse Presidente é um exibicionista do poder.
É assim que
eu fundamento a minha resposta, «os Mig’s não vêm», à
pergunta do Comandante Calvão.
Não sei se as
minhas palavras o tranquilizam ou não, mas mesmo assim, à vista
do enorme cordão de gente que às oito horas da manhã enche a
marginal da baía, olhando estupefacta para os navios invasores
ostensivamente ancorados nas águas da capital, o Comandante
espera, mais calmo, meia dúzia de faltosos."
Às 08h10, é ordenada a
formatura dos navios em losango, mais apropriada contra ataques
aéreos, ao rumo evasivo inicial 240.
"Está
toda a gente com os olhos fitos na praia donde se espera ver
surgir o grupo faltoso. Depois de cerca de uma hora de tensão
exasperante, um grupo de meia dúzia de homens corre ao longo da
areia, sob o olhar de uma multidão atónita de tamanha ousadia.
Imediatamente
um bote é lançado à água e o 2º-Tenente Rebordão de Brito,
adiantando-se a todos, vai até ao rebentar das ondas recolher os
últimos invasores.
São cerca das
nove horas da manhã. Os navios rumam para o largo sulcando as
águas em direcção à liberdade.
Para trás
fica um povo a contas com a loucura do seu Presidente que vai
utilizar a intervenção portuguesa para eliminar, mais uma vez,
todos aqueles que imagina poderem retirar-lhe o poder. Ele vai
acusar todos, mesmo os que durante o ataque tentaram organizar
uma resistência impossível." (António Lobato)
"Às nove da manhã, eu tinha a
cidade nas mãos. O que me faltou foi o apoio aéreo.”
(Guilherme de Alpoim Calvão)
A força naval toma o
caminho de regresso à Guiné Portuguesa, sem percalços,
mantendo no entanto o mais alto grau de prontidão antiaérea
até ao pôr do Sol.
Chegam no dia seguinte à
ilha de Soga, onde fundeiam às 15h30. Nessa noite nenhum dos
ex-prisioneiros de guerra portugueses aproveita para dormir:
estão demasiado ocupados a festejar!
Sofrendo apenas 3 mortos
e 3 feridos graves, a força de desembarque tinha de facto
derrubado o regime de Sékou Touré na capital, destruído parte
significativa das suas Forças Armadas (incluindo toda a sua
Marinha), libertado 26 prisioneiros de guerra portugueses e 400
prisioneiros políticos guineenses, e infligido cerca de 500
mortos ao inimigo. Os alvos atingidos foram:
- Palácio Presidencial
- Ministério do Interior
- Direcção da Gendarmerie
- Casa de Lansana Beavogui
- Casa de Sayfoullah Diallo
- Quartel da Gendarmerie
- Ministério dos Negócios Estrangeiros
- Edifício Paternal
- Correios e Serviços de Ligação
- Estaleiros (navios do PAIGC e da RGC)
- Emissora de Boulbinet
- Sindicato
- Alojamento dos conselheiros militares soviéticos
- Comissariado da 6ª Avenida
- Antigo estúdio da Rádio Guiné
- Pelotão Móvel da Gendarmerie
- Arquivos do Parti Democratique de Guinée
- Serviços de Segurança / Prisão
- Campo Militar de Samory
- Estação de Radiotelegrafia
- Central eléctrica
- Banco Central (BCG)
- Federação Conakry I
- Campo da Milícia Popular de Conakry
- Villa Silly
Dos 26 alvos, apenas o Aeroporto ficou intacto. Uma
das dificuldades mais sentidas foi constatar-se que muita da
informação (cerca de 30%) obtida para a preparação da
operação era incorrecta. Por falta de informação atempada,
tinha-se deixado escapar os Mig. Apenas um chegou a sobrevoar Conakry, a grande
altitude e sem sequer dar sinais de querer atacar os navios. Soube-se mais tarde que os pilotos da Guiné-Conakry ainda
estavam a receber instrução e não estavam habilitados a executar acções de
combate.
Também falhou a eliminação de
Sékou Touré. A informação de que estaria na Villa Silly tinha
origem numa fonte dos Serviços Secretos da RFA infiltrada no
próprio Palácio Presidencial. Mas, embora nem todos os alvos
tenham sido atingidos, o balanço das operações é muito
positivo. E mesmo que não tivesse conseguido mais nada, só pela
libertação dos prisioneiros de guerra portugueses nas mãos do
PAIGC já a Operação Mar Verde teria valido a pena.
Os prisioneiros de guerra
portugueses, na viagem de regresso, a bordo da LFG Dragão
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A
OPERAÇÃO MAR VERDE
Parte
4 – O epílogo
Não se dando o esperado
levantamento em todo o país, as forças do FLNG foram incapazes
de derrubar o regime, frente ao contra-ataque das forças fieis a
Sékou Touré, vindas do interior, e de um contingente de tropas
cubanas. Os combates duraram vários dias, sofrendo o FLNG
numerosos mortos e 100 dos seus membros são feitos prisioneiros.
O ditador guineense acaba por voltar a ter a cidade sob o seu
controlo. Os prisioneiros relatam a operação e revelam os nomes
dos seus mentores. Segue-se o escândalo internacional,
habilmente explorado pelo regime da Guiné-Conakry.
Lisboa nega qualquer
envolvimento nos acontecimentos, mas o Conselho de Segurança das
Nações Unidas reúne-se de emergência e aprova duas
resoluções contra Portugal: uma condenando a Operação Mar
Verde, e outra enviando uma comissão de inquérito a Conakry. A
Nigéria oferece o envio de um contingente de tropas para evitar
novos ataques portugueses. Sékou Touré pede ajuda militar à
URSS e aos EUA. A União Soviética responde mandando uma força
naval constituída por três navios de guerra, que passa a estar
baseada em Conakry, e que fica conhecida como a West Africa
Patrol e, nas Nações Unidas, reclama a retirada portuguesa
de Bissau.
Quanto aos Estados Unidos, estão furiosos com
Portugal. Kissinger explode: «Esta porcaria desta ditadura só
nos traz problemas!». Vendo o rapidez com que a URSS tira
partido da situação, e sabendo do investimento de companhias
mineiras norte-americanas nas reservas de bauxite da
Guiné-Conakry, o presidente Nixon atribui ao país ajuda
alimentar no valor de 4,7 milhões de dólares. E envia uma carta
confidencial a Sékou Touré lamentando os incidentes. No dia
seguinte, a Casa Branca é surpreendida pelo ditador guineense,
que torna pública a carta, agradecendo-a como «uma mensagem de
simpatia e de apoio por ocasião da grave e criminal agressão de
Portugal». Por seu lado, a República Federal da Alemanha corta
relações diplomáticas com a Guiné-Conakry, em resultado da
morte de um diplomata alemão durante os acontecimentos na
capital guineense.
Do ponto de vista
diplomático, os resultados da Operação Mar Verde são
contraproducentes, pois põem em evidência o isolamento
internacional de Portugal, e afectaram bastante as relações
luso-americanas. Um oficial do Estado-Maior de Spínola desabafou
ao Washington Post:
“Nós temos que perseguir
os guerrilheiros. Mas se fazemos o que os Americanos fazem no
Cambodja e no Laos, o mundo inteiro põe-se aos gritos contra
nós – incluindo os Americanos”.
Por outro lado, a URSS e
Cuba aumentaram consideravelmente o auxílio material ao PAIGC, e
a URSS construiu uma base naval em Conakry, denunciada por
Portugal menos de um ano depois. Os soviéticos compensam a perda
das quatro lanchas Komar oferecendo à Guiné-Conaktry
igual número de P6, e seis lanchas de patrulha
costeira. Nos EUA, verificava-se que a URSS se tinha tornado
muito mais aventureira na África Ocidental e que Portugal corria
o risco de «enfrentar os Soviéticos sozinho».
Na Guiné-Conakry, e na
sequência da invasão, a repressão é implacável. Os
revoltosos que não são apanhados, são executados sem
misericórdia, tal como todos os que são alvo de suspeita.
Milhares de pessoas são mortas. Os seus corpos são desmembrados
e as ruas de Conakry enchem-se de braços e pernas pendurados de árvores, candeeiros
e sinais de trânsito. A população vive aterrorizada.
“Quatro corpos baloiçam
sob a ponte Tombé, na auto-estrada à entrada de Conakry. Em
frente dos corpos em decomposição sob o sol implacável de
Janeiro, dançam ignobilmente megeras que exibem nas extremidades
de longas varas, os órgãos sexuais dos condenados” (Jean
Paul Alata, em Prisão de África)
A deserção do tenente
Januário e dos vinte homens que o acompanharam, abandonando a
equipa SIERRA, é de curta duração: a sua adesão ao PAIGC não
é aceite e são fuzilados em Conakry.
Quaisquer que tenham sido
os aspectos politicamente negativos, do ponto de vista militar, a
Operação Mar Verde demonstrou como um pequeno grupo de tropas
bem treinadas pode lançar o caos num país, em ataques
cirúrgicos de forças especiais. As tropas portuguesas executaram as suas
missões sem o treino específico habitual em raides de operações especiais,
uma vez que só tomaram conhecimento da operação horas antes da partida. Ao
contrário do inimigo e dos aliados do FLNG, foram para o combate com armas que
não eram as regulamentares, muito diferentes das que usavam habitualmente. Tal
só foi possível por serem tropas extremamente bem treinadas e experientes. As
Forças Armadas, sob a orientação de um militar de excepção como é Alpoim
Calvão, demonstraram uma iniciativa e uma
capacidade de intervenção surpreendente por parte das Forças
Armadas de um país pequeno e que na altura fazia face a uma boa
dose de isolamento internacional. Com meios extremamente
limitados levaram a cabo uma operação ambiciosa e que, em
situação igual, se fosse feita por outras potências (como os
EUA ou o Reino, por exemplo) normalmente implicaria o emprego de
meios avultados. O exemplo seria seguido, em muito menor dimensão pela
África do Sul, com raides de comandos contra os países
vizinhos. A Operação Mar Verde foi também fonte de
inspiração para o livro «Dogs of War», de Frederick Forsyth.
No seguimento da
operação, em 1970, os participantes na Operação Mar Verde e
os prisioneiros de guerra libertados em Conakry comprometeram-se
a cumprir um pacto de silêncio. Esse pacto foi quebrado por um
pequeno número, entre eles o próprio estratego e comandante
operacional, Alpoim Calvão, que inclusive publicou um livro
sobre os acontecimentos. Outras obras referem esta operação,
tendo a estação pública de televisão, a RTP, feito um
documentário nos anos 90. No entanto, em 2005, a posição
oficial do Estado Português continua a ser que a Operação Mar
Verde nunca existiu.
Em 1995, em declarações
à RTP, o então Presidente da República da Guiné-Conakry
elogiou a invasão do seu país pelos portugueses, vendo-a como
uma oportunidade perdida de libertar o país do jugo de Sékou
Touré. E disse que os militares portugueses fizeram aquilo que
é um desejo natural das Forças Armadas de qualquer país:
libertar os seus prisioneiros de guerra.
FIM
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