COMO FORAM MORTOS O REI D. CARLOS E O FILHO
O relato dos acontecimentos segundo o Diário de Notícias, nos 20 dias posteriores ao regicidio.
Texto: Português
Fonte: PPM
Como foram mortos o rei D. Carlos e o filho
OS DIAS EM QUE O DN CONTOU: No dia 2 de fevereiro de 1908, o Diário de Notícias chamou à
sua primeira página a notícia do atentado ocorrido na tarde da véspera e que
vitimou o rei D. Carlos e o príncipe herdeiro Luís Filipe. Durante os 20 dias
subsequentes, o jornal manteve nas suas páginas notícias relacionadas com o
acontecimento. Em algumas edições, como no dia dos funerais – a que assistiram
delegações estrangeiras -, o tema ocupou várias páginas, ilustradas por
desenhos.
No domingo 2
de fevereiro de 1908, à largura das oito colunas da sua primeira página, em
letras visíveis a uma razoável distância, o DN dá a notícia do “Gravissimo
attentado contra a família real/ Morte d’El-Rei e do Príncipe Real D. Luiz
Filipe”. Nessa chamada, que é simultaneamente editorial, o jornal assume que
não irá dar qualquer novidade à população de Lisboa sobre os acontecimentos ocorridos
ao fim da tarde da véspera, uma vez que estes “já devem ser do conhecimento de
todos”. Mas, para acabar com rumores que sempre surgem nestas ocasiões, o
jornal fará o relato de “todos os factos” sem os comentar. E, de facto, assim
acontece ao longo dos 20 dias em que o regicídio e as suas consequências marcam
presença nas páginas do jornal.
Ainda no
editorial desse dia é afirmado que na história de Portugal “não se registava
até hontem um unico regicidio”. E o texto, que sublinha o repúdio perante tal
ato, lamenta que tenha sido atingido, “alem do chefe do Estado, o seu filho
primogenito para o qual tantas esperanças se voltavam e cuja irresponsabilidade
na direcção dos negócios publicos parecia dever pôl-o a coberto de uma vingança
tanto mais condemnavel quanto é certo que attingia innocentes”.
Fruto de um
trabalho de equipa, o DN revela aos seus leitores como ocorreram os factos,
como reagiu o País e o estrangeiro ao “acontecimento sensacional, como nunca se
tinha dado entre nós” – o assassínio do rei D. Carlos e do príncipe herdeiro
Luís Filipe “a tiros de carabina quando passavam pelo Terreiro do Paço de
regresso de Vila Viçosa e se dirigiam para o Paço das Necessidades”.
O atentado
contra o Rei Agrícola – um dos cognomes pelos quais ficou conhecido D. Carlos –
surpreendeu e entristeceu o País em geral, no entanto, “estava escrito na
parede” que algo assim iria acontecer…
A agitação
social e política que se registava no País já vinha do tempo de D. Luís
(1838–1889), mas agudizou-se no reinado de D. Carlos com a questão do Mapa
Cor-de-Rosa e adquiriu foros de violência, devidamente aproveitada e alimentada
pelos republicanos, com a ditadura de João Franco, que o monarca chama para o
poder em 1906.
Fundador, em
1901, do pequeno partido Regenerador-Liberal, João Franco percebe que não
conseguirá governar com aval parlamentar e pede ao rei que dissolva o
Parlamento passando a governar por decreto. D. Carlos aceita: faz assim a
primeira assinatura da sua sentença de morte. A definitiva fá-la em Vila
Viçosa, nas vésperas de regressar a Lisboa, quando João Franco lhe apresenta o
decreto que pune com o degredo os acusados de crimes políticos. O decreto tinha
como alvo os republicanos e progressistas que, a 28 de janeiro de 1908,
tentaram uma revolução.
A 1 de
fevereiro, a família real regressa de Vila Viçosa onde o rei tinha por hábito
passar todos os anos a temporada de caça. Esse ano não foi exceção, apesar da
agitação política e social que se vivia no País. Na estação fluvial do Terreiro
do Paço, onde chega com atraso, tem a esperá-la muita gente e membros do
governo, entre eles o odiado João Franco, que manteve alguns momentos de
conversa com o rei, enquanto a rainha era presenteada com um ramo de flores que
lhe levou uma criança. Depois D. Carlos, D. Amélia, D. Luís e o infante D.
Manuel partiram em direção às Necessidades. Em carruagem aberta, porque a tarde
estava amena e porque o rei queria dar uma ideia de normalidade. “Já a
carruagem real tinha passado em frente do ministerio da Fazenda quando se ouviu
um tiro que, segundo pessoas que presenciaram o facto, fôra de carabina e
disparado por um homem que vestia casacão, e que tinha saído da fila do povo
que estacionava no passeio, do lado da praça”, conta o DN. A esse tiro outros
se seguiram, com as consequências que se conhece: o rei e o príncipe herdeiro
morreram, o infante D. Manuel ficou ligeiramente ferido num braço. Mortos
também os dois assassinos: Manuel Buiça e Alfredo Costa.
Depois, é a
proclamação do jovem – 19 anos – e novo rei, a quem o DN deseja que seja tão
“venturoso” como foi o primeiro monarca com esse nome, e a escolha de um novo
chefe de Governo, Ferreira do Amaral, de quem o jornal fez um pequeno perfil.
E à medida
que se procura estabilizar a vida política, preparam-se os funerais que trazem
a Lisboa inúmeras delegações de casas reais europeias com as quais o rei tinha
ligações familiares ou apenas amizades. Por exemplo, em Londres, foi decretado
luto pela morte do monarca português. Da França republicana veio também uma
delegação. “Dezenas de jornalistas estrangeiros” acorreram também a Lisboa para
cobrirem o que estava a acontecer, tal foi o impacto do regicídio
além-fronteiras.
D. Manuel
II, que não estava preparado para reinar, afirma querer fazer o melhor para a
nação, mas todos os seus esforços não serão capazes de travar as ideias
republicanas que se afirmam e que acabam por vencer em outubro de 1910.
LUMENA RAPOSO
Nas dezenas
de páginas que o DN produziu relacionadas com o atentado que vitimou o rei D.
Carlos e o príncipe herdeiro Luís Filipe não existe a assinatura de um único
jornalista, editor ou diretor do jornal. Percebe-se que todo o trabalho foi
fruto de uma equipa que não se poupou a esforços para dar diariamente ao leitor
o que acontecia nas principais cidades e nas pequenas cidades de província de
onde chegavam a Lisboa milhares de telegramas de condolências e onde foram
rezadas missas em memória de D. Carlos e do príncipe. Além disso, os redatores
do DN responderam positivamente ao pedido de informações de jornais da Europa e
do Japão que “queriam saber o que se estava a passar em Lisboa”.
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