REIS DE PORTUGAL - 3ª Parte: DE FILIPE I A DOM JOSÉ I
Esta é a terceira parte duma excelente série de vídeo-programas apresentada pelo Coronel Fernandes Henriques, que nos revela programa a programa, a história de cada um dos Reis de Portugal, Rei após Rei, e com eles a história de Portugal desde a pré-história. A primeira e segunda partes foram já publicadas anteriormente neste blog com o mesmo título "Reis de Portugal".
Junto ao programa sobre cada Rei, poderá complementar o seu conhecimento com ampla informação escrita acerca de cada monarca.
Em breve será publicada a Quarta Parte - esteja atento ao Blog.
Género: História de Portugal
Texto: Português
Áudio:Português
Fonte: Filmes Unimundos II - YouTube - Wikipédia
Programa 19
DOM FILIPE I DE PORTUGAL - O PRUDENTE / II DE ESPANHA
Filipe I de Portugal - II de Espanha
Filipe II | |
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Reinado | 16 de janeiro de 1556 a 13 de setembro de 1598 |
Predecessor | Carlos I |
Sucessor | Filipe III |
Reinado | 17 de maio de 1581 a 13 de setembro de 1598 |
Predecessor | Henrique I |
Sucessor | Filipe II |
Reinado | 25 de julho de 1554 a 13 de setembro de 1598 |
Predecessor | Carlos IV |
Sucessor | Filipe II |
Esposas | Maria Manuela de Portugal Maria I de Inglaterra Isabel de Valois Ana da Áustria |
Descendência | |
Carlos, Príncipe das Astúrias Isabel Clara Eugênia da Áustria Catarina Micaela da Áustria Fernando, Príncipe das Astúrias Diogo, Príncipe das Astúrias Filipe III de Espanha | |
Casa | Habsburgo |
Pai | Carlos I de Espanha |
Mãe | Isabel de Portugal |
Nascimento | 21 de maio de 1527 Valladolid, Espanha |
Morte | 13 de setembro de 1598 (71 anos) El Escorial, Espanha |
Enterro | San Lorenzo de El Escorial,Espanha |
Religião | Catolicismo |
Filipe II (Valladolid, 21 de maio de 1527 – El Escorial, 13 de setembro de 1598)[1] foi Rei da Espanha de 1556 até sua morte e também Rei de Portugal e Algarves como Filipe I a partir de 1581. Foi o primeiro líder mundial a estender os seus domínios sobre uma área direta "onde o sol jamais se punha", superando portanto Ghengis Khan, até então o homem mais poderoso de todos os tempos. Os extremos do seu império foram denominados em sua homenagem desde o extremo leste das Américas (Filipéia) ao sudeste insular asiático (Filipinas); do Atlântico Centro-Ocidental ao Pacífico Centro-Ocidental passando por todas as longitudes do oceano Índico.[2] [3]
Primeiros anos
Filho do Imperador do Sacro Império Romano-Germânico e rei das Espanhas Carlos V de Habsburgo e de Isabel de Portugal, governou um vasto território integrado por Aragão, Castela, Catalunha, ilhas Canárias, Maiorca, Navarra,Galiza e Valência, Rossilhão, Franco-Condado, Países Baixos, Sardenha, Córsega, Sicília, Milão, Nápoles, além de territórios ultramarinos na África (Orão, Túnis, e outros), na América e na Ásia (Filipinas).[4] Em termos de política externa, sua mais significativa vitória sucedeu contra os turcos otomanos: a Batalha de Lepanto, em 1571.
Nasceu em Valladolid e morreu no mosteiro de El Escorial, onde jaz. Chamado ainda o Sábio. Foi batizado em 5 de junho, na igreja do convento de São Paulo, pelo arcebispo de Toledo, Don Alfonso de Talavera. Rei de Inglaterra(1554-1558), Regente de Espanha desde 1543 tornou-se em 1555 rei da Espanha, conde de Artois, conde daBorgonha, conde de Charolais por 42 anos. A partir de 1552 já se havia tornado rei como Filipe I de Nápoles, daSicília, Sardenha, rei apenas titular de Jerusalém e duque de Milão. Em 1555 foi também rei dos Países Baixos; em 1556 conde de Holanda, conde da Zelândia, Conde de Ostrevant, Duque de Gueldres, e a partir de 1580 será também o rei de Portugal, Filipe I.
Recebeu uma educação humanista, planeada por seu tutor, Juan de Zúñiga, Filipe nunca se tornaria um erudito nos padrões renascentistas. Além da sua língua nativa, o espanhol, possuía domínio sobre o português, língua da suamãe e, muito moderadamente, podia ler latim.
Demonstrou interesse pela arquitetura e a música, além de gosto por atividades ao ar livre, como a caça. Desde os 12 anos foi preparado para os assuntos do Governo e aos 16 anos ficou encarregado da regência dos reinos da Espanha, enquanto o pai administrava o Santo Império Romano-Germânico como Carlos V. Assumiu a coroa espanhola em 1556, depois da abdicação do pai em 1555, herdando um vasto império colonial, difícil situação financeira e inimigos poderosos: Inglaterra, França e Países Baixos.
Regência e coroação
Nomeado regente da Espanha, com um Conselho, por Carlos V, em Bruxelas em 22 de outubro de 1555, Carlos V lhe cedeu os Países Baixos, as coroas de Castela, Aragão e Sicília em 16 de janeiro de 1556, e o condado da Borgonha em 10 de junho. A coroa imperial foi herdada por seu tio Fernando, irmão de Carlos V.
Devotado ao catolicismo, defendeu a Fé e se dedicou a interromper o progresso do protestantismo, e tais duas idéias são chave para entender todo seu reinado[carece de fontes], pois se dedicou a ambas por meio do absolutismo. Seu reinado começou com a quebra pela França do Tratado de Vaucelles assinado com a França em 1556, à qual se uniu ao Papa Paulo IV contra ele. Filipe teve portanto que enfrentar duas guerras ao mesmo tempo, na Itália e nos Países Baixos. Na Itália, o duque de Alba, Vice-Rei de Nápoles, derrotou o duque de Guise e obrigou o Papa a pedir paz. Filipe a concedeu, magnanimamente, e o duque de Alba foi obrigado a pedir o perdão do Papa por ter invadido os Estados Pontifícios.
Na Espanha, Filipe prosseguiu a política de seus bisavôs, Fernando de Aragão e Isabel de Castela. Foi drástico na supressão da heresia luterana, sobretudo emValhadolid e Sevilha.
Durante o seu reinado ocorreu uma sangrenta rebelião mourisca, no antigo Reino de Granada de 1567 a 1570 que terminou Dom João de Áustria, bastardo deCarlos V de Habsburgo. Os mouriscos, vencidos, foram deportados para outras partes da Espanha.
Comentários espanhóis
Diz um autor espanhol:[5] «Desde muy joven preparado para ser rey». Disso se encarregaram Juan Martínez Silíceo e Juan de Zúñiga.
- «Su padre también le educó y preparó en política y diplomática, dejándole como regente en sus ausencias en 1543 y 1551. Asumió el trono tras la abdicación de Carlos I en 1556, Rey de España y de sus posesiones hasta 1598. Gobernó el vastísimo imperio integrado por Castilla, Aragón, Cataluña, Navarra y Valencia, el Rosellón, el Franco-Condado, los Países Bajos, Sicilia, Cerdeña, Milán, Nápoles, Orán, Túnez, Portugal y su imperio afroasiático, toda la América descubierta y Filipinas. Después de viajar por Italia y los Países Bajos y ser reconocido como sucesor regio en los estados flamencos y por las Cortes castellanas, aragonesas y navarras, se dedicó plenamente a gobernar desde la corte madrileña con gran empeño. La monarquía se apoyaba en un gobierno por medio de consejos y de secretarios reales y en una poderosa administración centralizada. Pero, las bancarrotas, las dificultades económicas y los problemas fiscales fueron característicos durante todo su reinado. La figura del secretario Antonio Pérez fue muy notoria en el gobierno hasta que fue destituido, acusado de corrupción. En 1568 moría el príncipe heredero Carlos, que había sido arrestado debido a sus contactos con los miembros de una presunta conjura sucesoria promovida por parte de la nobleza contra Felipe. Estos dos hechos marcaron principalmente gran parte de losproblemas internos de su reinado. En cuanto a política exterior, el monarca se preocupó por mantener y proteger su Imperio y una prueba de ello fueron los matrimonios que contrajo. La unidad religiosa estuvo muy presente en todos los aspectos de la vida de Felipe II, unidad de una fe que se veía amenazada por las incursiones berberiscas y turcas en las costas mediterráneas. Para hacer frente al Imperio Otomano se constituyó la llamada Liga Santa integrada por una serie de estados como Venecia, Génova y el Papado.»
E ainda:
- «Felipe II, bajo cuyos dominios ´no se ponía el sol, era hombre de pocas, pero expresivas palabras. Así lo era también, aunque por cortedad, Alonso de Ercilla, el inmortal autor de La Araucana, a quien el rey tuvo a su servicio, como paje, desde los 15 años. De ahí que Felipe acostumbrase a decir a su ilustre servidor:
-
- - Habladme por escrito, don Alonso...»
Apreciação
Em 25 de Julho de 1554, tornou-se rei por seu casamento com Maria I de Inglaterra. Na verdade, a função política que ele passou a exercer na Inglaterra a partir de então é algo um tanto controverso, pois, embora seja conhecido como Rei consorte da Inglaterra, ele tinha os mesmos títulos e recebia as mesmas honras que sua esposa, além de os atos parlamentares constarem sempre com os nomes de ambos e as moedas serem cunhadas com as cabeças de ambos. Isso caracterizaria uma diarquia e, por conseguinte, faria dele um Rei de Inglaterra, e não apenas um rei consorte, que seria tão somente marido de uma rainha. O projecto de união pessoal dos dois países falhou com a morte de Maria em 1558, antes de ter tido um herdeiro. Em guerra contra a França, com quem lutava pelo controle de Nápoles e de Milão e seus territórios, obteve vitórias nas batalhas de Saint Quentin (1557) e Gravelines (1558). Depois assinou o Tratado de Cateau-Cambresis (3 de abril de 1559). Filipe, que estivera retido nos Países Baixos, pôde viajar para a Espanha. Por mais de 40 anos, residiu alternadamente em Madrid, que transformou na capital do reino, e em vilegiaturas, das quais o mais famoso é o mosteiro deEl Escorial, construído em cumprimento de um voto feito antes da batalha de Saint Quentin.
Parte do processo de pacificação passou pelo seu casamento com Isabel de Valois (1545-1568), filha de Henrique II de França, que fora prometida a Carlos, filho do primeiro casamento com Maria Manuela. Isabel deu-lhe apenas duas filhas, permanecendo o rei sem descendentes masculinos. Seria apenas com o seu quarto casamento, com Ana, filha deMaximiliano II da Germânia, que nasceria o herdeiro ao trono, Filipe III de Espanha.
Apesar da vitória diante dos berberiscos em Malta em 1565, a hostilidade com os turcos persistia. Seu irmão bastardo, D.João da Áustria, comandando uma frota, obteve uma grande vitória, embora não definitiva, na batalha naval de Lepanto em 1571.
Teve primeiros-ministros notáveis: o Duque de Alba, morto em Lisboa dois anos depois da conquista; o Príncipe de Eboli, morto muito antes do Rei; António Perez, que lhe sobreviveu; o cardeal de Granvelle, que depois de ter perdido o favor do rei, o recuperou e foi chamado de Nápoles para ficar como regente do reino em Madrid, enquanto o rei ia a Portugal; e Cristóvão de Moura, o último homem forte. Antes de morrer, o Cardeal-Arquiduque Alberto, vice-rei de Portugal, fora nomeado Rei de Flandres, e para o substituir em Portugal nomeou conselho composto do Arcebispo de Lisboa, dos condes de Portalegre, de Sabugal e de Santa Cruz, e de Miguel de Moura. Foi o último ato importante do seu reinado.
A Coroa de Portugal
Um dos seus triunfos políticos foi obter a união ibérica, fazendo valer seus direitos de sucessão em 1581 nas Cortes de Tomar. A política matrimonial prévia das dinastias reinantes facilitara esta união.
Depois da morte do rei D. Sebastião na trágica batalha de Alcácer Quibir, ao ser aclamado rei o cardeal D. Henrique, decrépito, investiu os meios e dinheiro para ganhar ao seu partido a corte de Portugal[carece de fontes].
Sete pretendentes disputavam a posse do reino quando morreu o rei em 1580, mas apenas cinco baseavam as suas pretensões em fundamentos aceitáveis:
- D. Catarina de Portugal, duquesa de Bragança, filha legítima do infante D. Duarte de Portugal.
- D. Filipe II filho da primogênita do rei Manuel I, com seu marido Carlos V;
- Emanuel Felisberto de Saboia, duque de Saboia, filho da infanta Beatriz de Portugal (filha do mesmo rei D. Manuel I) e de seu esposo o duque de Saboia;
- António, prior do Crato, filho do infante D. Luís, sendo este filho do mesmo rei D. Manuel;
- Ranuccio I Farnésio, duque de Parma, neto por parte de mãe do infante D. Duarte, filho do mesmo rei D. Manuel;
Os que menos direito mostravam eram Catarina de Médicis, rainha de França, descendente de D. Afonso III e da sua primeira esposa a condessa Matilde de Bolonha, e o papa, herdeiro natural dos cardeais, que entendia portanto dever usufruir o reino que um cardeal governava assim como podia usufruir uma quinta de que fora possuidor. Dos cinco que apresentavam títulos valiosos, só três disputavam seriamente a coroa: Filipe II, o prior do Crato e a duquesa de Bragança.
O reino de Portugal ficara entregue a cinco governadores dependentes dos Habsburgo, os quais hesitavam em reconhecer Filipe como Rei. Este se dispôs a conquistar Portugal pelas armas. O prior do Crato se fizera aclamar em Santarém, mas dispunha de poucas tropas. Filipe reuniu exército, entregou-o ao Duque de Alba; confiou ao Marquês de Santa Cruz o comando da esquadra, e conservou-se próximo da fronteira de Badajoz. Alba marchou sobre Setúbal; conquistando oAlentejo, atravessou para Cascais na esquadra do Marquês de Santa Cruz, marchou sobre Lisboa, derrotou o prior do Crato na batalha de Alcântara a 4 de agosto de 1580, perseguiu-o até à província do Minho, e preparou enfim o reino para receber a visita do seu novo soberano.
Filipe não procurou intervir na política interna de Portugal e entregou o governo do país a um homem de sua confiança, o Duque de Alba. Além de ser filho de mãe portuguesa, Filipe fora educado por cortesões portugueses nos primeiros anos de vida. Filipe, em 9 de dezembro de 1580, atravessou a fronteira, entrou em Elvas, onde se demorou dois meses recebendo os cumprimentos dos novos súditos. Dos primeiros que o veio saudar foi o duque de Bragança. A 23 de fevereiro de 1581 Filipe II saiu de Elvas, atravessou triunfante e demoradamente o país, e a 16 de março de 1581 entrou em Tomar, para onde convocara cortes. Distribuiu recompensas, ordenou suplícios e confiscos, e recebeu a noticia de que todas as colónias haviam reconhecido a sua soberania, exceptuando a Ilha Terceira, onde se arvorara a bandeira do prior do Crato, ali jurado rei de Portugal a 16 de abril de 1581. Nas cortes, prometeu respeitar os foros e as isenções e nunca dar para governador ao país senão um português ou um membro da família real. Expediu de Lisboa tropas que subjugaram a ilha Terceira, em que D. António fora auxiliado pela França, e partiu para Espanha depois da vitória naval de Vila Franca, em que o Marquês de Santa Cruz destroçou a esquadra francesa em 26 de julho de 1582, obtendo a submissão da ilha.
Nomeando para vice-rei de Portugal seu sobrinho, o cardeal-arquiduque Alberto de Áustria, e depois lhe ter agregado um conselho de governo e de ter nomeado os membros do conselho de Portugal, partiu finalmente a 11 de fevereiro de 1583.
A nova monarquia, associada aos interesses da rama austríaca dos Habsburgo, dominava a península Ibérica, Nápoles, Sicília, Milão, Sardenha, Bélgica, Holanda eLuxemburgo atuais e partes da França; na Ásia, Filipinas e feitorias na Índia, Pérsia, China, Indochina, Arábia; na África, as guarnições de Ceuta, Melilla,Mazalquivir, Oran, Sidi Ifni, Bizerta, La Goleta, Casablanca, Mazagan e Ilhote de Vélez de la Gomera,Angola, Moçambique, Madeira, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Canárias, toda a América menos algumas ilhas das Antilhas, parte dos atuais Estados Unidos e o Canadá, e terras na Guiana; na Oceânia, as Molucas,Ilha de Páscoa, Ilhas Marianas (atuais Ilhas Marianas do Norte e Guam) e Ilhan Carolinas (atuais Ilhas Palau, Estados Federados da Micronésia, Ilhas Marshall eIlhas Gilbert.
Os Países Baixos e outros problemas
Não conseguiu solucionar o conflito político-religioso nos Países Baixos pois nenhum de seus governadores conseguiu mitigar a sublevação dos Estados Gerais.
Filipe II tinha entregue o governo à sua meia-irmã, Margarida de Parma, mas os nobres, sem influência, se uniram em conspirações. Protestavam contra a presença de milhares de soldados da Espanha, contra a influência do Cardeal de Granvelle sobre a regente, contra a severidade dos decretos de Carlos V contra a heresia. Filipe chamou de volta o exército e o Cardeal, mas se recusou a diminuir a severidade dos decretos do pai e declarou não querer reinar sobre uma nação de heréticos. Surgiram as dificuldades com os iconoclastas, e ele jurou castigá-los, enviando o Duque de Alba com um exército, o que provocou a demissão de Margarida de Parma. Alva se comportou como em país conquistado, mandou prender e executar o conde de Egmont e o conde de Hornes, acusados de cúmplices dos rebeldes, criou o Conselho de Perturbações, conhecido popularmente como Conselho do Sangue, derrotou o Príncipe de Orange e seu irmão, que haviam invadido o país com mercenários alemães, mas não conseguiu evitar a recaptura de Brille. Teve êxitos militares, mas foi chamado de volta em 1573. Seu sucessor, Requesens, não pode recuperar Leyden.
Influenciadas pelo Príncipe de Orange, as províncias concluíram a «Pacificação de Gante», regulamentando a situação religiosa nos Países Baixos do Sul sem intervenção real. O novo governador, Dom João de Áustria, atrapalhou os cálculos de Orange ao aceitar a Pacificação, e finalmente o Príncipe de Orange resolveu proclamar a deposição do rei Filipe pelas províncias rebeladas. O rei replicou, mandando banis o Príncipe, o qual pouco depois foi assassinado, em 1584. Nem assim as Províncias Unidas se submeteram, e a Espanha as perdeu para sempre. Os numerosos interesses económicos e religiosos levaram às guerras que causaram a emancipação da Holanda, da Zelândia e do restante das Províncias Unidas.
As províncias do sul foram recuperadas pelo novo governador, Alessandro Farnese, Príncipe de Parma (?-1592). A guerra aos rebeldes se tornou mais difícil, pois os liderava o general Maurício, príncipe de Orange, filho de Guilherme de Orange. Filipe II mudou sua política e cedeu os Países Baixos a sua filha Isabel Clara Eugênia, que fez casar com o arquiduque Alberto da Áustria, determinando que as províncias retornariam à Espanha caso não houvesse descendentes do casamento (1598).
Com relação à Inglaterra, a Espanha perdeu a esquadra recentemente construída, chamada de Invencível Armada (1588), golpe do qual não se recuperaria. Mas a luta dos dois países pelo controle marítimo terminou com essa derrota da «Armada Invencible» capitaneada pelo duque de Medina-Sidonia.
Exemplo de monarca absolutista, o governo de Filipe II foi exercido com o recurso de Conselheiros e de Secretários Reais, baseados em uma administração centralizada, marcada por um rigoroso fiscalismo. Completou a obra unificadora começada pelos Reis Católicos. Afastou a nobreza dos assuntos de Estado, entregando postos a secretários reais oriundos das classes médias, deu forma definitiva ao sistema de Conselhos, codificou leis, realizou censos de população e riqueza económica e impôs prerrogativas à Igreja.
No plano religioso, recorreu à Inquisição contra o protestantismo nos seus domínios. Sob o seu governo foi erigido um dos mais importantes monumentos da Espanha - El Escorial, mosteiro perto de Madrid, que conta com valioso acervo artístico.
Palácios reais como o Escorial, mandado erguer por ele ao norte de Madri espelhavam a solidez e a magnificência da estrutura arquitetónica da Espanha Imperial. Com os edifícios e catedrais vieram os grandes pintores: El Greco, Juan de Ribera, Diego Velázquez, Zurbarán, Murillo, tantos mais. Com o novo público urbano e cortesão surgiu a novela de Cervantes, a poesia de Calderón de la Barca, de Garcilaso de la Vega, de Luís de Gôngora, de Francisco Quevedo, e as comédias deLope de Vega, ao mesmo tempo em que a Espanha acompanhava os relatos sensacionais das conquistas feitas por Ponce de León, Hernán Cortés ou de Bernal Díaz del Castillo. Também salientou a narrativa de Garcilaso el Inca. Muitos dos gêneros literários destacaram naquela época, o épico, o lírico, o dramático e o cómico, além de um produto tipicamente espanhol, a novela picaresca (Lazarillo de Tormes, novela anónima surgida no século XVI, provavelmente na década de 1540, praticamente inaugurou o gênero) e, o Don Quixote de La Mancha de Miguel de Cervantes, em 1605-1615. Ao lado dessa riqueza, também prosperou a literatura beata, dos monges, das freiras, dos místicos.
Foi sua a idade de ouro. Entre a descoberta e a decadência passou-se um pouco mais de um século (para George Ticknor, o historiador literário norte-americano que criou, em 1849, a expressão "Idade do Ouro" para as letras espanholas, esse período se estenderia de 1492 até 1665). A prata e o ouro mexicano e peruano, as essências indianas vindas da conquista das Américas e das rotas orientais, contribuíram para que a arte espanhola atingisse um nível extraordinário.
O caso da princesa de Eboli
A princesa de Eboli, D. Ana Mendoza y de La Cerda, nascera na província de Guadalajara em 1540, filha única de Diego de Mendoza, Príncipe de Melito e Duque de Francavila, com Catarina da Silva, irmã do Conde de Cienfuentes. Bisneta do Cardeal Mendoza, aos nove anos foi casada com Rui Gomes da Silva, feito príncipe de Eboli, que tinha já 32 anos. O casamento foi consumado quatro anos mais tarde, quando a noiva completou 13 anos. Viveram juntos na corte até 1573, quando morreu o marido.
Rui chegara como menino ou pagem da Rainha Isabel de Portugal e passou a pagem do infante Filipe, ficando bons amigos. Foi secretário pessoal do rei, sumiller de Corps, conselheiro de Estado e de Guerra, intendente da Fazenda, primeiro mordomo do príncipe Don Carlos. Cheio de comedimento e nobreza, chegou a Grande de Espanha. Dos 11 filhos, sobreviveram cinco: dois militares (pensa-se que o primogênito, Rodrigo, soldado em Portugal e Flandres, poderia ser filho do Rei), um poeta, um eclesiástico que chegou a Arcebispo de Granada e de Saragoça, uma monja.
A viúva entrou com a filha e vasta servidumbre para o mosteiro carmelita de Pastrana, fundado por Santa Teresa de Jesus com fundos seus (Teresa fundara também um mosteiro masculino). A intervenção do Rei conseguiu afastar a nova reclusa. Em 1576 na Corte, amante do rei, fora também amante de António Pérez(nascido em Madrid em 1534), o jovem secretário de Estado, enigmático personagem protegido por Eboli (com suspeitas de homossexualidade aprendida na Itália por António Pérez[carece de fontes]), que era secretário do Rei; e seria talvez amante de Juan de Escobedo, o secretário de don João de Áustria, que vinha da nobreza mediana da Cantábria.
Em 28 de julho de 1579 Filipe II ordenou a prisão de ambos, seis anos depois. Pérez fugiu para o Aragão e salvou-se. Ana, acusada de malversar o seu património, foi presa na Torre de Pinto (arredores de Madrid) e transferida para a fortaleza de San Torcaz; em 1581 seria desterrada no seu palácio de Pastrana, sem a tutela dos filhos, e ali morreu em 1591.
Casamentos e posteridade
(I) Casou aos 16 anos em Salamanca em 15 de novembro de 1543 com a infanta de Portugal Maria Manuela (Coimbra, 15 de outubro de 1527 - Valladolid, 12 de julho de 1545). Era filha de sua tia a rainha D. Catarina de Áustria (que por sua vez era filha de Joana de Castela e do arquiduque Filipe de Habsburgo) e do rei D.João III. O noivo teve sarna, atrasando a consumação do matrimónio, segundo informou ao imperador seu pai o aio fiel, Juan de Zúñiga.
- 1 - Carlos de Espanha (1545-1568)
(II) Viúvo aos 18 anos, em 1551 casou com a prima, Maria Tudor, rainha de Inglaterra, e foi residir em Londres. Casaram em 25 de julho de 1554 na catedral de Winchester. Maria I Tudor nascera em fevereiro de 1516 no palácio de Greenwich e morreria em 17 de novembro de 1558 de um câncer de ovários. Era Rainha da Inglaterra desde 1553, filha do rei Henrique VIII e de sua tia, Catarina de Aragão. Onze ou doze anos mais velha do que o noivo, estava envelhecida antes do tempo. Foi um casamento político que deu à Espanha influência indireta em assuntos da Inglaterra, onde fora recentemente restaurado o catolicismo. Filipe viveu em Londres, mas era pouco simpático aos ingleses. Partiu em 1555 para os Países Baixos, cujo governo seu pai Carlos V lhe cedeu, como lhe cedera, um ano antes, o governo de Nápoles e da Sicília. Em 1556, foi-lhe cedido o governo da Espanha, ao abdicar seu pai para se recolher no mosteiro de San Yuste. Em agosto de 1555, Filipe partiu para Bruxelas e só retornou à Inglaterra decorridos dois anos. No verão de 1557 se despediram no porto de Dover. A morte de Maria I afastou os dois países. Filipe teria pedido sua cunhada Elizabeth I em casamento, recebendo uma negativa[carece de fontes].
(III) Isabel de Valois (Fontainebleau, 1545 - Aranjuez, 3 de outubro de 1568), filha de Henrique II de França, foi sua terceira mulher. Casaram-se por procuração em Paris em 22 de junho de 1559. O encontro pessoal teve lugar em 31 de janeiro de 1560 na capela do palácio ducal ou do Infantado de Guadalajara, casando-se na missa de velaciones. Sua mãe era Catarina de Médicis, que a havia prometido ao rei da Inglaterra Eduardo VI (morto em 1553) e a Dom Carlos da Áustria em 1558. Pelo tratado de Cateau-Cambresis de 3 de abril de 1559 ajustou-se o casamento, celebrados os desposórios na Catedral de Notre-Dame de Paris estando o rei representado pelo duque de Alba. Isabel cruzou a fronteira em 3 de janeiro de 1560, sendo esperada em Roncesvalles pelo Arcebispo de Burgos D. Francisco de Mendoza, o Duque do Infantado D. Iñigo López de Mendoza. Levada a Guadalajara, instalaram-se os soberanos no palácio ducal. Ela teve a saúde abalada por propensão a contágios e a numerosos abortos. Uma gravíssima erupção de varíola, com poucos meses de casada, quase a matou, e tinha crónicos acessos hemorroidais. Teve certa intervenção na política nas conferências de Bayonne em que, em junho de 1565, encontrou seu irmão o rei da França Carlos IX e Catarina de Médicis (o rei se recusara a assistir, desaprovando a política de transigência da sogra com os protestantes, e enviou o Duque de Alba). Outra vez grávida, Isabel abortou; mal tratada pelos médicos, morreu aos 22 anos, deixando 2 filhas.
- 2/3 - gêmeas (1564).
- 4 - Isabel Clara Eugénia (1566)
- 5 - Catarina Micaela (1567)
- 6 - aborto (1568)
(IV) Ana Maria da Áustria ou de Habsburgo (Cigales, Valladolid, 2 de novembro de 1549 - Badajoz, 26 de outubro de 1580), sobrinha sua, filha do imperadorMaximiliano II e da infanta Maria da Áustria (1528-1603), a irmã mais velha de Filipe. Tinha-se pensado em Ana da Áustria para casar com seu filho D. Carlos. Filipe a submeteu a enorme espera, até cumprir 18 anos, quando os pais pensaram em casá-la com Carlos IX.
Enquanto isso Carlos, tendo conseguído ser nomeado membro do Conselho de Estado, seguia buscando um território próprio. Foi suspeito de traição com os rebeldes holandeses. D. Carlos foi preso nos primeiros dias de 1568 numa torre do alcázar onde morreu de causas nunca esclarecidas em junho de 1568. Os inimigos do pai propagaram que por ordem sua, por adultério com Isabel de Valois.
Ana desembarcou em Santander e encontrou o tio pela primeira vez no Alcázar de Segóvia, estando já casados por poderes. A cerimónia de casamento foi realizada em 1570 em Segovia. Ana morreu estando a corte em Badajoz, a caminho de Portugal. Consta que de gripe ou numa epidemia, quando seguia o progresso das armas espanholas. Dela, o rei teve seis filhos, quatro deles varões. Seria a primeira rainha a ter o corpo sepultado no novo Panteão dos Reis domosteiro de El Escorial.
- 7 - Fernando (1571-1578)
- 8 - Carlos Lourenço (1573-1575)
- 9 - Diogo (1575-1582)
- 10 - Filipe III de Espanha (1578-1621)
- 11 - Maria (1580-1583)
Amantes
Os seus bastardos nasceram nos anos de viuvez (1545-1554) e durante seu segundo casamento.
Na primeira viúvez, teve amores com a filha de um secretário, Catalina Lénez, de quem teria nascido uma filha. Catarina foi imediatamente casada e o marido despachado para a Itália.
Também na primeira viúvez, a bela Elena de família de monteros de modesta fidalguia do norte cantábrico. Filipe enviou o marido para o exército na Itália e o capitão teria morrido na batalha de São Quintino.
Antes de casar na Inglaterra, de uma dama de Bruxelas Filipe teria tido outra filha secreta.[carece de fontes]
Na segunda viuvez, com D. Eufrasia de Guzmán, dama de companhia de sua irmã jesuíta, a infanta Joana. Vinha de família de Valladolid. Quando engravidou, casaram-na com Antonio de Leyva, Príncipe de Ascoli, que morreria seis meses depois. [carece de fontes]
Bibliografia
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- ELLIOT, J. H. La España imperial, Barcelona, 3ªed., 1970.
- FERNÁNDEZ DE RETANA, L. España en tiempos de Felipe II. Hª de España dirigida por Menéndez Pidal, tomo XVIII, Madrid, 1958.
- FERNÁNDEZ ÁLVAREZ, Manuel. Felipe II y su tiempo, Espasa Calpe. ISBN 84-239-9736-7.
- FERNÁNDEZ ÁLVAREZ, Manuel. La España del Emperador Carlos V. Hª de España dirigida por Menéndez Pidal, tomo XVIII, Madrid, 1966.
- KAMEN, Henry. Felipe de España, Siglo XXI, Madrid, 1997.
- LYNCH, John. Spain under the Habsburgs. Volume one: From Nation State to World Empire (hay traducción española en Crítica).
- LYNCH, John. España bajo los Austrias, Barcelona, 1969.
- Pérez, Joseph. La España de Felipe II Editorial Crítica 2000 ISBN 84-8432-143-6
- LAPEYRE, H. Las monarquías europeas del siglo XVI, Barcelona, 1969.
- MAURO, F. Europa en el siglo XVI. Aspectos económicos, Barcelona, 1961.
- PARKER, Geoffrey. Felipe II, Alianza Editorial, S.A. 1984 (3ª ed. 2003) ISBN 84-206-5575-9
- PARKER, Geoffrey. La gran estrategia de Felipe II, Alianza Editorial, S.A. 1998 ISBN 84-206-2902-2
- PARKER, Geoffrey. Felipe II: La biografía definitiva, Editorial Planeta, S.A. 2010 ISBN 978-84-08-09484-5
- REGLÁ, J. La época de los tres primeros Austrias. La época de los dos últimos Austrias. Historia social y económica de España y América (dirigida por Vicens Vives) tomo III, Barcelona, 1961.
- TRECOR DAVIES, R. El gran siglo de España, Madrid, 1973.
- UBIETO, REGLÁ, JOVER y SECO. Introducción a la Historia de España, Barcelona, 1961.
- VERLINDEN, CH. L´Empire espagnol, Bruselas, 1973.
Programa 20
FILIPE II DE PORTUGAL - O PIO / III DE ESPANHA
Filipe II de Portugal - III de Espanha
Filipe III | |
---|---|
Reinado | 13 de setembro de 1598 a 31 de março de 1621 |
Predecessor | Filipe II |
Sucessor | Filipe IV |
Esposa | Margarida da Áustria |
Descendência | |
Ana da Espanha Filipe IV de Espanha Maria Ana da Espanha Carlos da Espanha Fernando da Espanha | |
Casa | Habsburgo |
Pai | Filipe II de Espanha |
Mãe | Ana da Áustria |
Nascimento | 14 de abril de 1578 Madrid, Espanha |
Morte | 31 de março de 1621 (42 anos) Madrid, Espanha |
Enterro | San Lorenzo de El Escorial,Espanha |
Religião | Catolicismo |
Assinatura |
Filipe III (Madrid, 14 de abril de 1578 – Madrid, 31 de março de 1621), também chamado de Filipe, o Piedoso, foi oRei da Espanha e Portugal como Filipe II de 1598 até sua morte. Era filho do rei Filipe II de Espanha e sua quarta esposa Ana da Áustria.
Dados biográficos iniciais
Foi rei aos 20 anos, em 13 de setembro de 1598, e como Filipe II Rei de Nápoles, da Sicília, Rei titular de Jerusalém, Rei da Sardenha, Filipe II Rei de Portugal. Foi ainda Duque de Milão, Conde de Artois, Conde da Borgonha, Conde de Charolais.
Segue um relato da morte do rei Filipe II, pai do rei Filipe III, na hora da morte: Filipe II, rei de Espanha, chamou seu filho (Filipe III) na hora da morte, e, depois de afastar a roupa, lhe mostrou o peito roído de vermes, dizendo: “Vê, príncipe, como se morre, e como se acabam as grandezas do mundo”. Depois exclamou: “Por que não fui eu, em vez de monarca, simples frade leigo de qualquer ordem?!” Mandou depois que lhe pusessem ao pescoço uma cruz de madeira; e, tendo disposto todas as coisas para sua morte, disse a seu herdeiro: “Quis, meu filho, que estivesses presente a este ato, para que visses como, no fim da vida, o mundo trata ainda os próprios reis. Sua morte é igual à dos mais pobres da terra. Aquele que melhor tiver vivido, esse é que achará junto de Deus mais alto favor.” E este mesmo filho, que foi depois Filipe III, ao morrer com apenas 43 anos de idade, disse: “Atendei, meus súbditos, a que no meu necrológio somente se fale do espetáculo que tendes presente. Dizei que na morte de nada serve o título de rei, a não ser para sentir-se maior tormento de o haver sido... Oxalá, em vez de ser rei, tivesse vivido em um deserto servindo a Deus!... Ir-me-ia agora apresentar com mais confiança entre seu tribunal, e não correria tamanho risco de me condenar!...” Relato retirado do livro "Preparação para morte", 13ª consideração, de Santo Afonso Maria de Ligório.
Nasceu no mesmo ano em que morreu seu irmão D. Fernando, sendo jurado herdeiro seu outro irmão, D. Diego. Último filho varão da quarta esposa do pai, ficou órfão de mãe aos dois anos. Quando em 1582 seu irmão Diego morreu, e foi jurado herdeiro, era enfermiço e débil[carece de fontes]. Com ele, têm início os chamados «Áustrias Menores»: Filipe III,Filipe IV e Carlos II), os quais não puderam manter o poderio internacional alcançado por seus predecessores Carlos Ve Felipe II, e começou a perda de territórios: as Províncias Unidas em 1621 (reconhecido oficialmente em 1648), Portugal e as suas colónias em 1640 (reconhecido em 1668), e em 1659 o Rossilhão e outras praças nos Países Baixos.
Início do reinado
Educado pelo pai para governar um império extenso, jamais demonstrou aptidão[carece de fontes]. Desfazendo-se dos antigos conselheiros do pai, cercou-se de jovens ministros, deslocando antigos funcionários como foi o caso deCristóvão de Moura, nomeado Vice-Rei de Portugal. Pôs em curso um processo de centralização política da União Ibérica, empossando em 1601 e em 1602 magistrados e ministros espanhóis para Portugal, decisão que contrariava o arranjo de seu pai Filipe II em Tomar.
Caráter fraco, apático e irresoluto[carece de fontes], o seu ministro Lerma. D. Francisco Gómez de Sandoval, Marquês de Denia e depois Duque de Lerma, foi seu favorito, e o favorito de Lerma.
Dom Cristóvão de Moura, elevado a Marquês de Castelo Rodrigo, foi nomeado vice-Rei de Portugal, o que indignou os portugueses, apesar da sua administração ser das mais hábeis[carece de fontes]. Lerma procurava um pouco favorecer Portugal e cimentar a união com medidas de importância. Tratou do desenvolvimento da Marinha, aboliu os portos secos, as alfândegas, abriu os portos de Portugal ao comércio inglês, e por algum tempo também os teve abertos ao comércio holandês, o que pouco durou, prejudicando Portugal.
Em 1609, sem poder lutar por mais tempo com os Estados da Holanda, assinou trégua de 12 anos, mas o Marquês de Castelo Rodrigo , que assinou a trégua na Europa, deixou que continuassem as hostilidades nas colónias.
Nessa época Filipe III publicou édito expulsando os Mouriscos da Espanha.
Filipe III criou o Conselho da Índia (1604) e estabeleceu a paz com a Inglaterra (1604) e as Províncias Unidas (1609). Mandou fazer a Plaza Mayor em Madri (1620).
Apreciação
Decretou as Ordenações Filipinas, em 1603, um código unificado das leis inspirado nas Ordenações Manuelinas, com algumas alterações, válido para Portugal e Ultramar.
Herdara a coroa e os inimigos do pai: Inglaterra, Holanda, França. No Oriente, os holandeses fustigaram Moçambique, forçaram a retirada dos portugueses das Molucas em 1600, tomaram Ceilão em 1609 e expulsaram os portugueses do Japão em 1617. Os franceses instalaram-se no Maranhão em 1612, onde criaram a França Equinocial, fundaram a cidade de São Luís, mas em 1615foram derrotados por Jerónimo de Albuquerque. Desde 1608 , aliás, o rei Filipe II de Portugal dividira a administração da colónia brasileira em duas partes: no sul da capitanias do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Vicente; no norte, reuniram-se as demais. Em 1612 foi criado o Estado do Maranhão, subordinado diretamente a Lisboa e separado do Estado do Brasil em 1618.
Ordenou em 1618 a visitação do Santo Ofício ao Brasil.
Participou da longa Guerra dos Trinta Anos, iniciada em 1618, a um só tempo territorial e religiosa.
Visita ao reino de Portugal e Morte
Para melhorar a relação, empreendeu em 1619 uma viagem a Portugal, aplaudida pelo novo ministro e valido, o Duque de Uzeda, filho do Duque de Lerma, que descaíra do valimento real.
Foi acolhido com entusiasmo, as câmaras e as corporações gastaram enormes somas para recepção. Insinuou-se-lhe que fizesse de Lisboa a capital da monarquia espanhola; os fidalgos e os jurisconsultos queixaram-se de que nem recebiam mercês, nem eram empregados nos tribunais, nas embaixadas, nas Universidades espanholas. O Duque de Uzeda tratou com aspereza o Duque de Bragança, que viera prestar homenagem[carece de fontes].
Depois de meses em Lisboa, Filipe partiu em Outubro, deixando o país descontente[carece de fontes], sobretudo depois da recondução do Marquês de Alenquer no cargo de vice-Rei. O seu filho, o futuro Filipe IV, foi jurado herdeiro legítimo pelos portugueses. No resto dos antigos domínios de Portugal, os holandeses haviam tentado tomar as Molucas, Málaca e Moçambique, sendo vencidos por André Furtado de Mendonça e Estêvão de Ataíde.
No seu reinado publicou-se em Portugal em 1603 a reforma das Ordenações do reino, de que o rei tratou bem no começo do seu reinado. São as conhecidas ordenações denominadas Ordenações Filipinas, que foram precedidas pelas intituladas Afonsinas e Manuelinas.
Este rei ficou conhecido em Portugal pelo cognome de O Pio ou O Piedoso. Ao deixar Portugal em 1619 adoeceu gravemente em Covarrubias, e nunca mais se restabeleceu, falecendo em um ano. Durante 53 dias esteve acamado, coberto de chagas e abcessos. Morreu aos 42 anos devido a tromboembolismo pulmonar, devido a imobilização prolongada.[1]
Casamento e posteridade
Casou-se em 18 de abril de 1599 na catedral de Valência com Margarida da Áustria-Estíria ou de Habsburgo (Graz, 25 de dezembro de 1584 — Escorial, 3 de outubro de 1611), parente próxima, filha do Arquiduque Carlos (1540-1590), irmão do Imperador Maximiliano II. Foi mãe de quatro filhas e de quatro filhos:
- 1 - Ana (1601-1666)
- 2 - Maria (1603)
- 3 - Filipe IV (1605-1665)
- 4 - Maria Ana (1606-1646)
- 5 - Carlos (1607-1632)
- 6 - Fernando (1609-1641)
- 7 - Margarida (1610-1617)
- 8 - Afonso (1611-1612)
Programa 21
FILIPE III DE PORTUGAL / IV DE ESPANHA
Filipe III de Portugal / IV de Espanha
Filipe IV | |
---|---|
Retrato por Diego Velázquez, c. 1644 | |
Reinado | 31 de março de 1621 a 17 de setembro de 1665 |
Predecessor | Filipe III |
Sucessor | Carlos II |
Reinado | 31 de março de 1621 a 1 de dezembro de 1640 |
Predecessor | Filipe II |
Sucessor | João IV |
Esposas | Isabel da França Maria Ana da Áustria |
Descendência | |
Baltasar Carlos, Príncipe das Astúrias Maria Teresa da Espanha Margarida Teresa da Espanha Filipe Próspero, Príncipe das Astúrias Carlos II de Espanha | |
Casa | Habsburgo |
Pai | Filipe III de Espanha |
Mãe | Margarida da Áustria |
Nascimento | 8 de abril de 1605 Valladolid, Espanha |
Morte | 17 de setembro de 1665 (60 anos) Madrid, Espanha |
Enterro | San Lorenzo de El Escorial,Espanha |
Religião | Catolicismo |
Assinatura |
Filipe IV (Valladolid, 8 de abril de 1605 – Madrid, 17 de setembro de 1665) foi o Rei da Espanha de 1621 até sua morte, e também Rei de Portugal e Algarves como Filipe III até o início da Guerra da Restauração em 1640. Filipe é lembrado por seu patrocínio das artes, principalmente de Diego Velázquez, e por governar o Império Espanhol durante o período da Guerra dos Trinta Anos.
Vida
Nasceu em Valladolid e morreu em Madrid e teve os cognomes de o Gordo, El Grande, o Rei Planeta. Foi, como Filipe III, rei de Portugal, de Nápoles, da Sicília, rei titular de Jerusalém, rei da Sardenha. Príncipe das Astúrias, aclamado rei de Espanha em 31 de março de 1621 aos 16 anos. Rei dos Países Baixos, foi Duque de Milão, Conde da Borgonha e Conde de Charolais, Conde de Artois.
Reinou 44 anos. Envolvida em guerras, a Espanha teve momentos difíceis. NoBrasil, em 1621, favoreceu a divisão em dois Estados: o Estado do Brasil, com as capitanias ao sul do Rio Grande do Norte atual, e o Estado do Maranhão, do cabo São Roque à Amazónia.
Entregue aos dez anos ao homem forte do reino, D. Gaspar Filipe de Guzmán,conde-duque de Olivares, cuja queda aconteceria em 17 de janeiro de 1643. Adepto de política centralizadora e de submissão das províncias espanholas ao governo de Madrid, com Olivares aumentou o descontentamento de Portugal[carece de fontes]. Depois, seu valido até 1661 foi Luís de Haro, sobrinho de Olivares.
Em 14 de julho de 1619 foi jurado príncipe de Portugal. No começo do reinado, chamou D. Gaspar de Guzmán, fez dele conde-duque de Olivares, seu Ministro e homem forte, em que depositava a maior confiança e a quem encomendou a administração. Os portugueses aceitaram de bom grado a demissão do marquês de Alenquer, vice-rei de Portugal, substituindo-o por uma junta de três membros, composta do Conde de Basto, D. Nuno Álvares Portugal e o bispo de Coimbra. Promulgou decretos sobre bens da Coroa, sobre a fiscalização financeira, que feriam os interesses do povo e provocaram indignação; arrancou tributos, a título de subsídios voluntários, ameaçou fechar outra vez os Portos do Reino aos holandeses, medidas que contribuíram para a ruína de Portugal, que esperara lucrar com a atividade do novo ministro.
A trégua com as Províncias Unidas estava concluída, e a luta recomeçava, não muito desvantajosa, na Europa, onde Spínola mantinha o prestígio das armas da Espanha. As colónias portuguesas eram menos protegidas que as de Espanha. Em 1623, Ormuz caiu em poder dos persas auxiliados pelos ingleses; em 1624, os holandeses tomaram aBahia; Macau e a Mina repeliram os holandeses, e a Bahia foi reconquistada em 1625 por uma forte esquadra que Olivares mandou aprestar. A França, porém, aliara-se aos protestantes da Alemanha, à Dinamarca e à Holanda, e um dos planos dos aliados era o enfraquecimento da Espanha pelos repetidos assaltos às suas colónias pelas esquadras holandesas. Olivares aumentou os impostos aos diversos reinos. Olivares de tal forma o oprimiu que o povo se revolucionou. Os governadores do reino, o Conde de Basto e D. Afonso Furtado de Mendonça protestaram contra os tributos e vexações. As ordens de Olivares tinham executores em Diogo Soares, secretario do conselho de Portugal em Madrid, e no seu parente, Miguel de Vasconcelos, nomeado escrivão de fazenda e secretario de Estado de Portugal, quando a Duquesa de Mântua, parenta do rei, foi nomeada em 1631 vice-rainha de Portugal.
A política europeia estava marcada pela influência dos cardeais Mazarino e Richelieu, que procuraram quebrar a hegemonia de Espanha na Europa. Neste período se reacendeu a guerra da Espanha com as Províncias Unidas. Apesar de todas as medidas de Filipe IV, o poderio da Holanda tornava-se cada vez maior, como o demonstra a criação da Companhia das Índias Ocidentais em 1621. Não é de estranhar, portanto, o interesse dos holandeses pelo Brasil, que levou à conquista da Bahia em 1624 e de Pernambuco em 1630. Um pouco mais tarde, os Ingleses apoderaram-se também da ilha daJamaica.
Vasconcelos tornou-se impopular aos portugueses. Os impostos eram cada vez maiores. Olivares tivera a ideia de obrigar os portadores de títulos de divida publica a um empréstimo forçado, mandando que os tesoureiros das alfândegas retivessem um trimestre de juros aos portadores, a quem os pagavam. Com esta simplicidade entendia também Vasconcelos que se deviam cobrar os tributos. Em Évora ocorreram tumultos. O movimento propagou-se no Alentejo, Algarve, Porto e em alguns pontos do Minho.
Restauração de Portugal
Em 1640, Portugal restaurou a independência de Espanha através de um golpe organizado pela aristocracia e classe média do país, descontentes com o domínio espanhol. Seria posta no trono outra dinastia, iniciada por D.João IV, o duque de Bragança.
A tirania do governo do duque de Olivares foi uma das causas das revoltas na Catalunha e em Portugal[carece de fontes]. O descontentamento dos portugueses tinha levado o duque a colocar à frente do governo de Portugal a duquesa de Mântua, sendo secretário destaMiguel de Vasconcelos. Em 1 de dezembro de 1640 estalou a revolta em Lisboa, tendo rapidamente alastrado ao resto do país. A 15 do mesmo mês de dezembro foi coroado D. João como rei de Portugal. Filipe IV procurou ainda impedir a revolução, entrando numa guerra com Portugal que terminou em 1668.
Portugal encontrava-se descontente, no país se lhe atribuía o cognome de O Opressor[carece de fontes]. As frotas eram atacadas no mar por piratas e corsários, causando grande prejuízo e registam-se ataques às colónias na África, na Ásia e também no Brasil.
A Companhia das Índias Ocidentais, criada pelos holandeses, invadiu o Brasil em 1624 conquistando a cidade de Salvador e por lá permanecendo durante quase um ano, até à reconquista levada a cabo por uma armada ibérica em 1625. Em 1630, Pernambucocaiu nas mãos da mesma Companhia e, no ano seguinte, Recife e Olinda, que passaram a ser administrados por Maurício de Nassau. Goa, Macau, Angola e Guinéeram sítios onde se sentia a pressão dos holandeses.
Para sustentar as guerras no Brasil, na Índia e na costa africana, à par das demais contendas em que o Império estava envolvido, Olivares fez aumentar os impostos e os portugueses se sentiam explorados. A revolta cresceu, sobretudo com os rumores de que o dinheiro desaparecia na construção do Palácio do Bom Retiro, nos arredores de Madrid. Surgem tumultos. Em Évora, a 21 de agosto de 1637, o povo amotina-se contra os aumentos dos impostos e, para ocultar os impulsionadores da revolta, as ordens aparecem assinadas pelo "Manuelinho". Noutros pontos do país, o motim de Évora faz eco do descontentamento geral e levantam-se tumultos.
O recrutamento de homens para auxiliar o exército espanhol na revolta da Catalunha e de parte da nobreza para acompanhar o rei nas Cortes de Aragão e Valência fora importante em Lisboa, facilitando a ação do pequeno grupo liderado pelo que seria D. João IV. Em 1 de dezembro de 1640, um grupo denominado de Os Conjurados invadiu o Palácio da Ribeira, residência da Duquesa de Mântua e matou a tiros Miguel de Vasconcelos, ao serviço dos espanhóis. É então consumada aRestauração do Reino, acabando-se o poder da Dinastia Filipina em Portugal. A notícia do sucedido chega a Madrid sete dias após a sublevação, enquanto continuava uma revolta na Catalunha. A 15 de dezembro de 1640, o Duque de Bragança é aclamado publicamente D. João IV, rei de Portugal.
Olivares foi substituído por D. Luís de Haro. Deram-se em seguida grandes batalhas, como as das Linhas de Elvas, do Ameixial, de Castelo Rodrigo, terminando a campanha. da Independência com a de Montes Claros, em 1665. Filipe faleceu nesse mesmo ano, pouco depois desta batalha.
Casamentos e descendência
Tinha o noivo cinco anos quando seu casamento foi formalizado com uma noiva de sete anos. No fim da vida lhe achavam 32 bastardos, outros 40[carece de fontes]. Só reconheceria um, porém.
Casou por poderes em Burgos em 18 de outubro de 1615 com Isabel de Bourbon, filha da França (Fontainebleau, 22 de novembro de 1603 — Madrid, 16 de outubrode 1644), irmã de Luís XIII filha de Henrique de Navarra e Maria de Médicis. A entrega da filha da França se deu em 19 de novembro de 1615 na ilha dos Faisões, sendo Isabel entregue pelo Duque de Guise, enquanto os espanhóis entregavam a Infanta Ana d´Áustria para casar com Luís XIII. Tiveram seis filhas e dois filhos.
Politicamente, assimilou a missão de rainha de Espanha. Contribuiu para a queda de Olivares em janeiro de 1643.
Dela nasceram:
- 1 - Maria Margarida (1621)
- 2 - Margarida (1623-1623)
- 3 - Maria Eugénia (1625-1627)
- 4 - Isabel (1627-1627)
- 5 - Filipe (1629-1646)
- 6 - Francisco (1634-1634)
- 7 - Maria Ana Antónia (1636-1636)
- 8 - Maria Teresa de Espanha (1638-1683)
Casou-se por segunda vez em Navalcarnero no outono de 1649 com sua sobrinha carnal (30 anos mais jovem) Mariana de Áustria (Viena, 24 de dezembro de 1635 - Madrid, 16 de maio de 1696), filha do Imperador do Sacro Império Fernando III e da Infanta Maria Ana de Áustria, sua irmã. Tinha sido noiva de seu filho o infanteBaltasar Carlos. Tiveram cinco filhos dos quais três varões. Maria Ana enviuvou aos 27 anos, sendo regente de 1665 a 1667 do filho Carlos II. Afastou D. João José de Áustria. Apareceu depois outro favorito: D. Fernando de Valenzuela, filho de um capitão e nascido em Nápoles, que governou até 1675 e de novo em 1677, sendo derrubado por don João José, que o desterrou. Hostil à nora (Maria Luisa de Orleans), Mariana de Áustria teria contribuído para o 2° casamento do filho Carlos II com Mariana da Baviera.
Filhos:
- 9 - Margarida Teresa (1651-1673)
- 10 - Maria Ambrósia da Conceição (1655)
- 11 - Filipe (1657-1661)
- 12 - Tomás (1658-1659)
- 13 - Carlos II de Espanha (1661-1700)
Filhos bastardos:
- 1 - Fernando Francisco Isidro de Áustria (1621-1629) com a jovem filha do Conde de Chirel, que o Rei enviara à Itália.
- 2 - D. Ana Margarida de São José, encerrada em convento agostiniano, o mosteiro da Encarnação, do qual foi superiora e onde morreu aos 22 anos.
- 3 - D. João José de Áustria.
- 4 - Alonso Antonio de San Martin, Bispo de Oviedo; filho de uma dama da rainha, Tomasa Aldama.
- 5 - Juan Cosío, religioso agustino;
- 6 - Margarida de São José, descalça carmelita, superiora do Real Mosteiro da Encarnação (morta em 1682).
- 7 - D. Alfonso Henriques de Santo Tomás (1633-30 de julho de 1692) dominicano que chegou a Bispo de Malaga e Inquisidor Geral de Espanha;
- 8 - D. Hernando Gonzalez Baldez (morto em 6 de fevereiro de 1702) Governador de Novara, General de Artilharia do Estado de Milão.
- 9 - Juan del Sacramento, pregador da Ordem de Santo Agostinho.
- 10 - D. Carlos Fernando Valdés ou de Áustria, governador da Navarra.
- 11- D. Ana Maria, também filha da atriz Maria Calderón.
Programa 22
DOM JOÃO IV - O RESTAURADOR
João IV de Portugal
João IV | |
---|---|
Rei de Portugal | |
Retrato de D. João IV, por Avelar Rebelo, em 1643 (Paço de Vila Viçosa). | |
Governo | |
Reinado | 1 de dezembro de 1640 — 6 de novembro de 1656 |
Coroação | 15 de Dezembro de 1640, Lisboa |
Consorte | Luísa de Gusmão |
Antecessor(a) | Filipe III |
Herdeiro | Teodósio (filho) D. Afonso (filho) |
Sucessor(a) | Afonso VI |
Casa Real | Bragança |
Dinastia | Bragança |
Título(s) | O Restaurador |
Vida | |
Nascimento | 19 de março de 1604 |
Vila Viçosa, Portugal | |
Morte | 6 de novembro de 1656 (52 anos) |
Sintra, Portugal | |
Sepultamento | Panteão Real da Dinastia de Bragança, Lisboa |
Filho(s) | Teodósio, Ana, Joana, Catarina,Manuel, Afonso, Pedro, Maria |
Pai | Teodósio de Bragança |
Mãe | Ana de Velasco |
Assinatura |
João IV (Vila Viçosa, 19 de março de 1604 — Lisboa, 6 de novembro de 1656) foi o vigésimo primeiro Rei de Portugal, e o primeiro da quarta dinastia, fundador da Dinastia de Bragança.
Dados biográficos iniciais
Era filho de D. Teodósio II, sétimo duque de Bragança e da duquesa Ana de Velasco y Girón, nobre da corte espanhola e filha do duque Juan Fernández de Velasco, com a duquesa Maria de Téllez-Girón. D. João IV de Portugal herdou o senhorio da casa ducal em 1630 como João II e foi o 8.º duque de Bragança, 5º duque de Guimarães e 3.º duque de Barcelos. Foi ainda 7.º marquês de Vila Viçosa e conde de Barcelos, Guimarães, Arraiolos, Ourém e Neiva, e também 14º Condestável de Portugal.
Por via paterna, era trineto do rei Manuel I de Portugal, através da duquesaCatarina, infanta de Portugal, sua avó paterna. Ficou para a história como O Restaurador (por haver sido restaurada a independência nacional, pois antes Portugal estava sendo dominada por uma Casa Real estrangeira, a Casa de Habsburgo, tendo acontecido isto por casamentos entre a realeza portuguesa e a do Reino de Espanha) ou O Afortunado (por aparentemente, uma vez "caída a coroa na sua cabeça", não ter querido reinar, e só se ter decidido após a intervenção da esposa).
Em «História de Portugal», volume V, Joaquim Veríssimo Serrão afirma - «de seu aio D. Diogo de Melo recebeu aprimorada educação e o gosto pela montaria; e do doutor Jerónimo Soares uma boa preparação nas letras clássicas e em teologia. Também se deu a estudos de música, ouvindo as lições do inglês Robert Tornar, que o duque Teodósio contratara para mestre da capela de Vila Viçosa.»
A Casa de Bragança tinha grande prestígio no reino e o oitavo duque tinha a vantagem de beneficiar da crescente degradação do governo filipino e de um ambiente mais propício à revolta, haja vista os excessos da tributação lançada por Olivares. O duque ajudou a construir sua própria imagem de homem não comprometido e permitiu que o erguessem como reserva única da Nação sedenta de autonomia política, segundo Veríssimo Serrão em sua «História de Portugal», vol. V, página 13.
Quando em agosto de 1633 visitou o marquês de Ferreira em Évora, com seu irmão Alexandre, «a cidade acolheu-o com as marcas próprias de um soberano, na desejada antevisão de sua realeza». Para Veríssimo Serrão, «pode aceitar-se que o projecto de uma revolta tenha depois ocorrido no Paço de Vila Viçosa, no convívio do duque com dois precursores da ideia: o secretário João Pinto Ribeiro e Pedro de Mendonça Furtado, alcaide de Mourão.» A versão de que não queria tomar a chefia do movimento por receio ou hesitação nasceu porque seu desejo, «por não sentir a madureza do fruto», estava em aquietar o povo, por entender que motins trariam a inevitável reação da coroa espanhola. Teria também havido uma sondagem junto de seu irmão Duarte, que combatia no exército imperial e chegou a Lisboa em 12 de agosto de 1638, para «concertar os negócios da sua fazenda», em viagem de carácter particular. Mas sabe-se que o duque não quis arriscar o futuro e se limitou a promessas de auxílio no caso de o movimento triunfar. Diz Veríssimo Serrão que «a aparente indecisão do duque encobria, desde a primeira hora, uma vontade firme de triunfo, servindo plenamente o desejo dos conjurados. Não era D. João o chefe de uma revolta, mas a figura a quem cabia exercer a realeza, tendo de estar acima da organização militar que lhe abria as portas do trono.»
Restauração da independência
Em 1640, quando a burguesia e a aristocracia portuguesas, descontentes com o domínio castelhano sobre Portugal que se propunha efectivar o valido Olivares, terminando com a monarquia dual, quiseram restaurar a dinastia portuguesa, foi ele o escolhido para encabeçar a causa. Dom João aceitou a responsabilidade com relutância, diz a lenda que incentivado sobretudo pela sua mulher Luísa de Gusmão. Este facto ter-se-á devido à prudência que se impunha na escolha da conjuntura favorável, e do tempo preparatório necessário para o efeito, visto Portugal nessa época estar quase desarmado, e Castela ser ainda ao tempo a maior potência militar na Europa. Luísa de Gusmão, sendo irmã do Duque de Medina Sidónia que sonhou revoltar-se com a Andaluzia de que chegou a sonhar ser rei, estaria talvez influenciada por ele.
A nomeação do duque para governador-geral das armas de Portugal veio a ser o motor da revolta, propiciando-a. Nos fins de junho de 1639 esteve em Almada, sendo visitado por muitos nobres, desesperados alguns com as violências do governo filipino. Entre eles, Pedro de Mendonça Furtado, acima referido, Jorge de Melo (irmão do Monteiro-mor), Antão de Almada e o velho Miguel de Almeida (da casa de Abrantes). O plano da conjura teria sido então apresentado ao Duque: eles, e seus parentes e amigos, aclamavam-no em Lisboa, apoderando-se do Paço, matando o detestado Miguel de Vasconcelos. Mas o Duque recusou, pela consciência de que «não havia ainda ocasião» e aconselhou prudência aos mais exaltados. No dia 1º de julho, o duque foi a Lisboa saudar a princesa Margarida e teve calorosa recepção da parte da nobreza, dos membros do clero e do povo.
Eram factores vivos de revolta a forçada presença de muitos nobres portugueses em Madrid, e a novidade de um recrutamento de tropas lusitanas para irem ajudar a reprimir a independência recentemente declarada da Catalunha. Em agosto de 1640, Filipe III de Portugal pretendeu convocar Cortes nos seus outros reinos de Aragão e de Valência, para aquietar o espírito dos catalães, ordenando que o acompanhassem nessa jornada também fidalgos portugueses, sobretudo aqueles que eram comendadores das ordens militares. «Todos compreenderam que partindo para a Espanha iriam acelerar o processo de absorção política que o conde-duque de Olivares pretendia», segundo Veríssimo Serrão, e «na recusa de muitos em cumprir o mandado régio terá de ver-se o detonador do movimento que veio a estalar em 1º de dezembro seguinte.»
Houve então uma reunião em 12 de outubro em casa de Antão de Almada. Mendonça Furtado foi a Évora, sondar o Francisco de Melo, marquês de Ferreira, também ele um Bragança, e outros nobres, e depois a Vila Viçosa, onde não escondeu ao duque a urgência dos conjurados em lançarem o movimento. Para a aceitação de Dom João teriam contribuído António Pais Viegas e a duquesa Luísa que, segundo a tradição romântica tardia, «de maneira varonil, quebrara os receios do marido ao afirmar que antes queria morrer reinando do que acabar servindo.»
A 1 de dezembro deu-se o golpe palaciano e, em 15 de dezembro foi aclamado Rei de Portugal.
Reuniões secretas
Depois da conversa definitiva com o Duque de Bragança, os conspiradores reuniram-se várias vezes em Lisboa para combinarem como e quando haviam de fazer a revolução.
Essas reuniões tinham de ser feitas às escondidas para que não chegassem aos ouvidos da regente Duquesa de Mântua e do secretário de Estado Miguel de Vasconcelos. Se a notícia se espalhasse, seriam acusados de traição e condenados à morte.
Mas, mesmo que não conseguissem provas para os incriminar, qualquer rumor acerca do que se preparava teria efeitos desastrosos porque os soldados castelhanos de guarnição em Lisboa ficariam em estado de alerta, eliminando-se o efeito surpresa. Todo o cuidado era pouco.
As reuniões realizaram-se em 3 sítios: no palácio de Jorge de Melo, em Xabregas, no Palácio dos Duques de Bragança em Lisboa, no Chiado, e no Palácio Almada, de Antão de Almada, no Rossio (hoje mais chamado Palácio da Independência por essa razão). Para não levantar muitas suspeitas os conspiradores nunca iam juntos e cada um seguia no seu coche com as cortinas corridas.
Aclamação de João IV como Rei de Portugal
A fonte coeva fundamental sobre o assunto é o volume I da História de Portugal Restaurado da autoria do Conde da Ericeira, republicada modernamente no Porto em edição anotada e prefaciada por António Álvaro Dória, em 1945.
Narra a tradição que Filipa de Vilhena, futura marquesa de Atouguia, armou cavaleiros na véspera da conjura, a fim de nela poderem participar, a seus filhos Francisco Coutinho e Jerónimo de Ataíde. O mesmo dizem ter feito outra intrépida fidalga, Mariana de Lancastre, armando cavaleiros pela mesma altura aos seus dois filhos Fernão Teles de Menezes, futuro primeiro conde de Vilar Maior, e António Teles da Silva, futuro governador-geral do Brasil.
É costume afirmar que Miguel de Vasconcelos não soube da revolta, pelo que não tomou providências. Mas está provado, diz o historiador Joaquim Veríssimo Serrão, que lhe chegaram anteriormente rumores da conjura e que na véspera recebeu uma carta, que por descuido não abriu, com o nome dos conjurados.
O número de fidalgos intervenientes no Primeiro de Dezembro é geralmente dito de quarenta, talvez por arrastamento mental do ano da revolução, afirmando no entanto alguns autores que foram em maior número do que esse.
No dia 1 de dezembro, as 9 horas da manhã dirigiram-se os fidalgos e os seus criados, todos bem armados, ao Paço da Ribeira, onde entraram nos aposentos da princesa regente, a vice-rainha Margarida Gonzaga, duquesa viúva de Mântua, prima do rei Habsburgo, que facilmente dominaram, passando a procurar então a Miguel de Vasconcelos, o português traidor secretário de Estado, aliado do valido castelhano Olivares no seu recente projecto de anexação de Portugal e outros reinos a Castela, no quadro de uma centralização à francesa, inspirada no modelo de Richelieu, que desejava aplicar à multifacetada monarquia hispânica filipina em bloco.
O principal comando da operação parece ter estado nas mãos de Miguel de Almeida, futuro conde de Abrantes, de Jorge de Melo, irmão do Monteiro-mor, de Antão de Almada, que veio a ser o primeiro embaixador em Londres, e de João Pinto Ribeiro, agente do duque de Bragança em Lisboa. Após eles, outros fidalgos - todos filhos segundos - como João da Costa, Gastão Coutinho, João Saldanha da Gama, Manuel de Melo, os dois referidos irmãos António Teles da Silva e Fernão Teles de Meneses,[desambiguação necessária] António Mascarenhas e outros. Esta delegação da responsabilidade da insurreição nos filhos segundos das casas fidalgas, a exemplo do que em outras várias ocasiões sucedeu na História de Portugal até ao século XIX, permitia manter a salvo de consequências maiores e mais graves as mesmas, se a insurreição viesse a falhar, permanecendo oficialmente os chefes de casa fiéis à ordem reinante, e ignorantes da conspiração da juventude.
Naquele tempo as notícias viajavam por mensageiros e portanto demoravam a chegar ao destino. O Duque de Bragança aguardava no Palácio de Vila Viçosa o resultado da conspiração e, segundo os documentos da época, só soube a boa-nova no dia 3. Muitos outros mensageiros espalharam-se por todo o país a cavalo, levando consigo cartas para as autoridades de cada terra se encarregarem de aclamar o novo rei. A aclamação em todo o território português fez-se pacifica e alegremente, desde Bragança ao Algarve, desde o Minho à Madeira, de Lisboa a Macau, passando pelo Brasil, África e Índia: excepto na cidade de Ceuta, que dependia excessivamente por então do suporte militar e alimentar por parte da sua vizinha Castela, a quem continuou ligada. Por todo o lado as populações explodiam de felicidade.
Logo se escolheram os governadores provisórios do Reino, durante os poucos dias que decorreriam até à chegada de João à sua capital: Rodrigo da Cunha, arcebispo de Lisboa, Sebastião de Matos de Noronha, arcebispo de Braga, e o visconde de Vila Nova de Cerveira Lourenço de Lima, os quais deram ordem para os tribunais continuarem no exercício de funções, pois estava garantido o sossego da cidade.
João IV chegou a Lisboa na noite de 6 de dezembro. Nos dias seguintes houve festejos, procissões e iluminações públicas. Enquanto se preparava a cerimónia da aclamação, o rei ocupava-se a nomear embaixadores, que deveriam partir a fim de que os países estrangeiros reconhecessem a alteração dinástica em Portugal, e generais, que deviam encarregar-se da defesa das fronteiras e dos portos. Ninguém tinha dúvidas que o tirano destronado Filipe III, e sobretudo o seu valido castelhano Olivares, não iriam cruzar os braços. Decerto este trataria de preparar exércitos para invadir Portugal. A notícia da aclamação da casa de Bragança chegou a Madrid a 7 de dezembro, levada por um estafeta castelhano ao serviço do governador de Badajoz. Como era de prever, os castelhanos acusaram de traição não só ao Duque de Bragança mas a todos os que tinham participado no movimento palaciano. No entanto, as tropas castelhanas não marcharam logo para a fronteira portuguesa porque estavam demasiado ocupadas e dispersas nos teatros da Guerra dos Trinta Anos, e nomeadamente com a revolta da Catalunha suportada militarmente pela França de Richelieu, o que deu tempo aos portugueses para se organizarem na defesa.
No dia 15 de dezembro de 1640, foi alçado e aclamado solenemente em Lisboa João IV. A cerimónia decorreu num grande teatro de madeira armada, revestido de preciosos panejamentos, contíguo à engalanada varanda do Paço da Ribeira, e com ela comunicante. Varanda pela qual saiu o novo rei em complicado e demorado cerimonial hierárquico para o Terreiro defronte aonde, diante da Nobreza, do Clero e do Povo de Portugal, jurou manter, respeitar, e fazer cumprir os tradicionais foros, liberdades e garantias dos Portugueses, violados pelo seu antecessor estrangeiro.
Esteve o monarca rodeado dos mais altos oficiais-mores da corte portuguesa, fidalgos que em geral manteve nos cargos e dignidades áulicas que já exerciam anteriormente: o camareiro-mor João Rodrigues de Sá, o Condestável Francisco de Melo, marquês de Ferreira, o alferes-mor Fernão Teles de Meneses, 1º conde de Vilar Maior, o mordomo-mor Manrique da Silva, futuro primeiro marquês de Gouveia, o reposteiro-mor Bernardim de Távora e o guarda-mor Pedro de Mendonça Furtado. A oração de praxe da aclamação, documento político -jurídico enunciando os direitos esbulhados da casa de Bragança ao trono português nesse dia restaurados, coube a um notável jurista que se destacaria depois também como diplomata, Francisco de Andrade Leitão. E depois do alferes-mor entoar em uníssono com todos os presentes, em alta voz, o triplo brado tradicional, Real, Real, por El-Rei Dom João de Portugal, o Conde de Cantanhede, presidente do Senado da Câmara de Lisboa, fez entrega ao rei das chaves da cidade, tendo então início o solene cortejo que processionalmente se dirigiu rumo à Sé, aonde foi celebrado um solene Te Deum de graças.
É também de frisar que João IV, no acto da coroação, coroou rainha de Portugal a Nossa Senhora da Conceição, colocando-lhe aos pés a coroa de rainha, e que a partir desse momento ficou estabelecida como padroeira de Portugal.
Esta acção repercutiu-se até hoje, na devoção dos portugueses a Nossa Senhora, patente no número largo de orações e cânticos que evocam Nossa Senhora e Portugal como pares.
O irmão do rei
João IV tinha um irmão mais novo, Duarte de Bragança, infante de Portugal, que partira para a Áustria quatro anos antes da aclamação de seu irmão mais velho.
Militar corajoso e competente, decidira participar na Guerra dos Trinta Anos. Em 1638 visitou Portugal e, como o Duque de Bragança nessa altura estava ainda renitente em aceitar a coroa e encabeçar uma rebelião, os conspiradores chegaram a pensar escolher Duarte para esse efeito, tal como haviam pensado, em último recurso, numa República - estas ofertas no entanto podem não ter passado de oratória persuasiva por parte dos fidalgos mais jovens, junto da casa de Bragança, mais prudente.
Seja como for, ainda não era hora, e caso este projecto relativo ao infante Dom Duarte tenha existido mesmo, sendo duvidoso que o aceitasse sem consentimento do irmão mais velho, o dito não se concretizou.
Assim, aquele que alguns pensam que poderia ter tido hipótese de ter vindo a ser rei de Portugal acabou preso na Alemanha, porque o imperador Fernando III, também ele um Habsburgo, era aliado do destronado Filipe III de Portugal, seu primo. A pedido deste, em 1641, encarcerou o infante português. As esforçadas diligências diplomáticas portuguesas, arrastadas por muitos anos, não conseguiram libertá-lo, morrendo o infante solteiro e sem geração, ingratamente no cativeiro, à ordem do próprio soberano que fora servir.
A Guerra da Restauração
Após a restauração, o problema militar era primordial. Um decreto de 11 de dezembro de 1640 instituiu o Conselho de Guerra formado por 10 membros com experiência militar: o conde de Óbidos, Matias de Albuquerque, Francisco de Faro[desambiguação necessária], Gastão Coutinho, João Pereira Corte-Real, Álvaro de Abranches, Jorge de Melo, Fernão da Silveira, Jorge de Meneses e Vasco Fernandes César.
Uma parte da nobreza e alguns prelados se mostraram hostis, e em Madrid assim que a «rebelião» do duque de Bragança foi conhecida, foi considerado traidor, versão que a diplomacia filipina espalhou nas capitais europeias. Os que viviam em Madrid recusaram a oferta de regresso e de perdão do monarca, «na inveja senhorial que mantinham pela casa de Bragança», segundo Veríssimo Serrão. Houve assim grave cisão no corpo da nobreza, que se confirma pelas tensas e lembranças concedidas desde 1641, e «a limpeza no tecido social alterou em muitas famílias o quadro da sucessão patrimonial, havendo muitos nobres que pagaram com o definitivo exílio o seu desamor ou falta de confiança na Restauração». Houve mesmo tentativa de assassinar João IV e no «Rossio, a 29 de agosto de 1641, pagaram os riscos da conspiração o marquês de Vila Real, o duque de Caminha, o conde de Armamar e Agostinho Manuel, assim como o doutor Belchior da Fonseca, Cristóvão Cogominho, guarda-mor da Torre do Tombo, Pedro de Baeça», alguns mercadores, e outros mais. «A sentença puniu os crimes de lesa-pátria e lesa-majestade, pelo que o silêncio foi tido por encobrimento.»
Seguiu-se uma guerra com Espanha na península e nas colónias, onde Portugal foi assistido pela Inglaterra, França e Suécia(adversários dos espanhóis na guerra dos trinta anos). Pese embora a conjura de 1641 contra o novo rei, da qual resultou uma severa punição para os seus responsáveis, João IV teve o apoio da grande maioria da sociedade portuguesa, o que lhe permitiu criar novos impostos, desvalorizar a moeda e recrutar voluntários para fazer face às necessidades monetárias e humanas de um confronto militar que se adivinhava próximo com a vizinha Espanha.
João IV enviou também diplomatas às principais cortes europeias com o objectivo de conseguir o reconhecimento da independência e de obter apoios financeiros e militares. Sendo necessário justificar que João IV não era um rebelde mas sim o legítimo herdeiro do trono, que havia sido usurpado por Filipe II de Espanha. João IV assume-se como o herdeiro de Catarina de Bragança, candidata ao trono e afastada por Filipe II em 1580.
Das Cortes de 1641 saiu uma nova doutrina que defendia que o poder provinha de Deus através do povo, que, por sua vez, o transferia para o rei[1] . Em caso de usurpação ou tirania, o povo tinha o poder de destituir o rei, precisamente o que aconteceu com Filipe IV.
Campanhas militares
Em 1641, verificaram-se também os primeiros confrontos. O Alentejo era visado, como parte mais vulnerável do Reino e principal domínio da Casa de Bragança, além de porta natural da foz do Tejo. O conde de Vimioso concentrou em Elvas os meios de defesa mas, tendo-se fortalecido em Badajoz, o conde de Monterrey atacou Campo Maior e Olivença. Vimioso foi substituído por um militar com experiência ultramarina, Matias de Albuquerque, que providenciou a defesa das praças, doMarvão a Serpa.
Em 1642, houve ataque ao sotavento algarvio, Alcoutim e Castro Marim, mas o perigo foi conjurado. Na Beira Alta e no Alto Minho houve apenas escaramuças. Na primavera de 1644, os espanhóis concentraram seu poderio em Badajoz, e a primeira grande vitória do exército português se deu em 26 de maio na Batalha do Montijo, além de uma tentativa fracassada dos espanhóis no cerco de Elvas. Montijo revigorou o ideal da Restauração, e Matias de Albuquerque recebeu o título deconde de Alegrete.
A Espanha estava fortemente mergulhada na Guerra dos Trinta Anos, «a cuja paz a nação vizinha aspirava para poder lançar seu peso militar contra Portugal», pelo que foi preciso esperar pelo fim da guerra entre franceses e espanhóis, em 1659, para que os espanhóis pudessem concentrar todas as suas atenções na anulação da Restauração portuguesa. Os anos até 1656 foram salvadores para Portugal, ajudando a coroa a empreender o grande esforço militar e financeiro para assegurar o triunfo.
Momento perigosíssimo para a política deste rei foi 1648-1649, o da reconquista de Angola e São Tomé por Salvador Correia de Sá e Benevides[desambiguação necessária]: a assinatura da Paz de Munster tornara-se um perigo para a Restauração, pois a Espanha reconhecia aos holandeses a posse das capitanias do Brasil, o que era de molde a comprometer a dupla política real. O Rei chegou por um momento a encarar a hipótese de se transferir para a ilha Terceira, a fim de salvar a coroa da ameaça militar que Filipe IV lançaria sobre o reino. Chegou a aventar-se o pagamento de uma indemnização para que a Holanda deixasse o Nordeste brasileiro. E foi do Brasil que veio a solução militar que em breve iria pôr fim ao domínio flamengo. Em 19 de fevereiro de 1649 ocorreu a segunda vitória dos Guararapes, que tornou irreversível, cinco anos depois, a expulsão dos holandeses.
América portuguesa
(o termo "América Portuguesa" é melhor aceito pela historiografia brasileira, pois não pressupõe que a formação do Brasil independente estivesse dada ab initio)
Em 1640, por ocasião da Restauração Portuguesa, o novo monarca, Dom João IV, enfrenta três desafios de política externa: 1. Reconhecimento da independência lusitana e dos direitos da dinastia Bragança; 2. Defesa das fronteiras contra a Espanha; 3. Reivindicação de colônias perdidas no ultramar para as Províncias Unidas dos Países Baixos;
Na conjuntura da Trégua dos Doze Anos (1609 – 1621), até o final da União Ibérica, o comércio com o Brasil formava um núcleo de interesses que seria vital, a partir de 1640, para sustentar a independência recobrada. De oriental, o Império tornava-se atlântico, mudando a base econômica das especiarias ao açúcar.
Em termos de Brasil e de colônias espanholas, a trégua dos Doze Anos funcionou bem. Se os zelandeses instalaram-se nas Guianas, o avanço luso-brasileiro sobre o delta do Amazonas, com a fundação de Belém (1615), os isolou e neutralizou. A trégua foi fundamental para a consolidação do Atlântico português.
O término da trégua, seguida da criação da Companhia das Índias Ocidentais (1621), que fora protelada durante aqueles anos, desencadeou a ofensiva neerlandesa contra o Brasil.
Em 1625, os espanhóis conquistam Breda (Flandres) e restauram a Bahia. A tela A Rendição de Breda, de Velásquez, retrata o episódio. A esquadra ibérica Jornada dos Vassalos força a retirada neerlandesa de Salvador. Contudo, em 1630, o poder espanhol já não era o mesmo: o fosso entre recursos financeiros e compromissos internacionais aprofundara-se. Somente em 1637, Madri despacha a Esquadra do Conde da Torre, cujo fiasco abriria espaço para a insurreição de Catalunha e a Restauração Portuguesa em 1640.
O rei Felipe IV da Espanha e seu ministro Olivares ofereceram o reconhecimento do Brasil Holandês em troca da retirada do apoio a Lisboa e a Barcelona em 1640.
Aclamado João IV, Portugal tratou de obter apoio da coalizão antiespanhola: França, Províncias Unidas, Dinamarca, Suécia. Embaixadas especiais foram ainda enviadas à Inglaterra e à Santa Sé. Só com Inglaterra e Suécia não havia contencioso que dificultasse o entendimento.
O litígio colonial constituía um estorvo à normalização das relações entre Portugal e Províncias Unidas, ainda que ela fosse de interesse tanto da Haia quanto de Lisboa. Portugal insistia que a posse injusta não poderia gerar títulos. Como Madri haveria usurpado o Reino, Haia deveria restituir o que lhe tomou.
As relações luso-neerlandesas restabeleceram-se sob o signo da desconfiança mútua. Em 1641, um tratado consagrou uma trégua de dez anos. Ele pode ser considerado benéfico aos portugueses, já que o estado de guerra convinha à Companhia das Índias Ocidentais e à Companhia das Índias Orientais. Porém, foi recebido, no Reino, como uma derrota diplomática.
Esse acordo de trégua de dez anos congelou o status quo territorial, previu a cooperação naval contra a Espanha, bem como a compra de armamentos e o recrutamento de tropas nas Províncias Unidas. Quanto à restituição das colônias, o artigo 24 previa eventual reivindicação. O tratado ainda normalizou o comércio, assim como garantiu liberdade religiosa aos comerciantes neerlandeses em Portugal.
A trégua vigoraria no ultramar a partir da data de recebimento nas colônias do comunicado oficial de ratificação. Não havia artigo relativo à devolução de colônias tomadas após a assinatura do tratado, como Sergipe (gado), Maranhão (fortaleza militar) e Angola (escravos) entre 1641 e 1642. Apenas em julho de 1642, o Brasil Holandês recebeu o comunicado oficial da trégua, após haver-se expandido.
Ao generalizar-se a ideia de que os neerlandeses não eram confiáveis e de que o restante do Brasil corria risco, a opção pela restauração militar do Nordeste tomou fôlego. Nesse contexto, o decreto régio que criou o Conselho Ultramarino, em 1643, visava rever as relações de força no Atlântico sul.
Um plano insurrecional no Brasil holandês começou a ser aventado, uma vez que o confronto direto resultaria em derrota lusitana. O plano não adveio dos conselhos da Coroa, senão de cabala palaciana protagonizada pelo conde de Penaguião (camareiro-mor de Dom João IV). Malgrado o veto do Conselho de Estado, órgão administrativo central, a trama prosperou. Nomeado governador-geral do Brasil, Antônio Teles da Silva chegou a Salvador, em agosto de 1642, com o objetivo de articular a insurreição. Enviou Vidal de Negreiros a Recife para sondar ânimos e verificar o estado militar.
A trégua de 1641 foi recebida com decepção ainda maior entre os luso-brasileiros do Brasil holandês que na metrópole. Já em 1641, um grupo de homens, inclusive João Fernandes Vieira, havia tomado a iniciativa de despachar uma carta a Lisboa, informando-o de que estavam prontos para a restauração no Brasil holandês.
Enquanto Maurício de Nassau governava, a conspiração fora contida por sua ampla aceitação. Contudo, sua partida deu fôlego à trama. Quanto, em 1648, a questão pernambucana tiver atingido seu auge em Lisboa, os pareceres em prol da continuação terão a convalidação do rei (Charles Boxer discorda, pois acredita que o rei nunca chegou a apoiou a ressurreição). O plano insurrecional foi tramado em sigilo. Provas de cumplicidade régia com os colonos foram evitadas. Na metrópole, o Conselho Ultramarino foi marginalizado dessas decisões. Poucos sabiam do que transcorria.
Na expectativa do desfecho das operações em 1645, João IV ordenou a suspensão dos entendimentos diplomáticos na Haia. O triunfo a meias da insurreição revelou-se um desastre diplomático. Não reconquistar tudo de uma vez era pior que reconquistar nada: o rei arcava com o ônus da violação da trégua.
Em abril de 1646, Sousa Coutinho oficializou a proposta de compra aos Estados Gerais, que não arredavam o pé da restituição. Em fins de 1646 e em 1647, o rei decidiu-se por sustentar a insurreição de modo que a utilizasse como pressão diplomática sobre os Estados Gerais. O jesuíta Antônio Vieira aconselhou o monarca a elevar a proposta de compra, com receita adicional para suborno.
Sucederam-se negociações sobre entrega do Nordeste, em face de preocupações com a hostilidade espanhola. O Acordo da Haia visava à paz com as Províncias Unidas ao preço da entrega do Nordeste. Muitas vozes protestaram no Reino: a aristocracia, a Igreja, a burocracia régia, o Conselho de Estado e a praça de Lisboa.
As oscilações de João IV em face do negócio do Brasil devem ser entendidas no contexto da fragilidade de seu trono. A restauração fora um golpe dos estratos médios da nobreza contra a alta nobreza, maior beneficiária da União Ibérica no lado lusitano. A consolidação ocorreria apenas com o tratado de paz com a Espanha (1668). Importa notar que, até 1706, o processo decisório baseava-se em um demorado trâmite entre os conselhos, de cujos pareceres dependiam a decisão régia. A função do rei era arbitral entre os estamentos.
A entrega do Nordeste viera a exasperar a fibra sebastianista do Reino, que fora reanimada pela restauração oito anos antes. Os partidários da paz logo perderiam a parada para os “valentões”, que queriam a guerra. Antônio Vieira manteve-se em defesa do Acordo. Seria acusado de “entreguista” por toda a vida.
Os argumentos críticos ao texto da Haia prevaleceram, e o tratado foi rejeitado: 1.A ideologia de expansão ultramarina, a saber, a propagação da fé católica, favorecia a intervenção do Reino; 2.Quer por ter começado com ordem régia, quer por proteção contra usurpadores estrangeiros, o rei teria o dever moral de apoiar a insurreição; 3.O acordo seria injusto. Ressarcia as Províncias Unidas pelo Nordeste, mas ignorava prejuízos lusitanos em Angola, São Tomé e Ceilão.
Em 1649, a Companhia Geral de Comércio do Brasil foi criada por João IV, em aberta oposição do Santo Ofício. A empresa teve origem em uma ideia de Antônio Vieira, que idealizara uma companhia semelhante às companhias das índias ocidentais e das índias orientais. Foi o procurador da Fazenda, Pedro Fernandes Monteiro quem reuniu os “assentistas”, comerciantes que financiavam a Coroa, em torno do projeto. Em troca do monopólio do fornecimento de quatro gêneros (trigo, vinho, azeite e bacalhau) para a colônia por 20 anos, da concessão do estanco régio sobre pau-brasil e da cobrança de taxas e fretes, a companhia geral manteria uma escolta protetora de 36 vasos de guerra. Vieira foi contrário ao resgate do projeto, pois defendia o Acordo da Haia. 1649 é, aliás, o ano da primeira denúncia contra Vieira, junto ao Santo Ofício. Nos anos de 1660, ele seria encarcerado.
As consequências do segundo conflito anglo-neerlandês (1652 – 1654) constituem exemplo de interferência de uma sequência histórica em outra, e não de acaso. Esboçou-se uma aliança anglo-portuguesa em detrimento das Províncias Unidas. A Companhia das Índias Ocidentais perdeu o Recife e as praças costeiras. Não que o conflito tivesse interrompido as comunicações entre a república e o Brasil holandês, mas estorvou o envio de ajuda devido à concentração de forças na Europa. Ao surgir diante de Recife, em 1653, a armada da Companhia Geral de Comércio deparou-se com poucos navios inimigos.
A demanda por embarcações bem artilhadas de grande porte no Brasil, durante a guerra holandesa no Brasil, deu impulso à influência inglesa no Reino. O acordo luso-inglês de 1654 é o primeiro de uma série que culminaria em Methuen, consolidando a hegemonia comercial da Inglaterra em Portugal. Seria danoso aos interesses lusitanos, pois concedia mais favores ao comércio inglês que ao português.
Em maio de 1654, conhecida nas Províncias Unidas, a capitulação de Recife, Haia reagiu por meio da emissão de cartas de marca contra a navegação portuguesa ao norte da linha equatorial, e a Companhia das Índias Ocidentais continuou a pregar a recuperação do Brasil holandês. Não obstante, amiudavam-se em Portugal os rumores de represálias batavas. Havia receios de operações anglo-neerlandesas, após a paz, contra o reino católico. Quando da paz de Westminster, ventilou-se a ideia de reconhecimento inglês do Brasil holandês.
Na agenda exterior batava, o Brasil holandês não poderia ter prioridade sobre o Báltico, onde Estocolmo atritava com Haia. Porém, Portugal não fora esquecido. Finda a guerra com a Inglaterra, os neerlandeses rearmam e reorganizam sua marinha. Solucionada a questão báltica, o poder batavo poderia virar-se contra o reino.
O Tejo chegou a ser bloqueado por forças neerlandesas. Acuado, Portugal aceitou o Tratado da Haia, de 06 de agosto de 1661, que convencionou a indenização pelo Nordeste. A coroa adiou o quanto pôde a sua divulgação. A implementação foi motivo de dissídio de lado a lado. Portugal postergava: não havia como o Reino honrar as cláusulas financeiras, quanto às comerciais, além de ruinosas, requeriam negociações de recompensas à Inglaterra.
Como não dispunha de recursos para comprar a paz com as Províncias Unidas e a aliança com a Inglaterra simultaneamente, Portugal ratificou o tratado da Haia de modo a descumpri-lo. A comunicação oficial da paz ao Brasil tardou até 1663.
Cortes em Lisboa em 1653
As cortes juraram herdeiro Afonso, futuro Afonso VI de Portugal, dada a morte aos 19 anos de seu irmão, o brilhante príncipe Teodósio e permitiram um novo esforço militar e financeiro que esteve na base das vitórias alcançadas um decénio mais tarde.
Morte e juízo dos cronistas
O rei faleceu em 6 de novembro, devido ao «mal da gota e da pedra» de que fala o conde da Ericeira, doença que se manifestara em 1648. Jaz no Panteão Real da Dinastia de Bragança, no mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa. No seu testamento, datado de 2 de novembro de 1656, confiou a regência à mulher, Luísa de Gusmão.
Diz Veríssimo Serrão que «a historiografia liberal procurou denegri-lo na acção de governo, mas as fontes permitem hoje assentar um juízo histórico completamente diferente. (...) Deve pôr-se em relevo a acção do monarca na defesa das fronteiras do Reino (....). Também providenciou no envio de várias embaixadas às cortes europeias, para a assinatura de tratados de paz ou de trégua, a obtenção de auxílio militar e financeiro e a justificação legítima de 1640.»
Deve-se-lhe a criação do Conselho de Guerra (1640), da Junta dos Três Estados (1643), do Conselho Ultramarino (1643) e da Companhia da Junta de Comércio(1649), além da reforma em 1642 do Conselho da Fazenda. E a regulamentação dos negócios da Secretaria de Estado, para melhor coordenação das tarefas de Governo. Esta em 29 de novembro de 1643 foi dividida em Secretaria de Estado, de um lado, que coordenava toda a política interna e externa, e à «das Mercês e Expediente», do outro, que tratava de «consultas, despachos, decretos e ordens» não dependentes da outra Secretaria.
Promulgou abundante legislação para satisfazer as carências de governo na Metrópole e no Ultramar. E, para além do monarca e do restaurador, impõe-se considerar nele o artista e o letrado, o amador de música que, no seu tempo, compondo o hino Adeste Fideles, esteve à altura dos maiores de Portugal.»
Títulos, estilos, e honrarias
Títulos e estilos
- 19 de Março de 1604 – 29 de Novembro de 1630: Sua Excelência, Dom João de Bragança
- 29 de Novembro de 1630 – 1 de Dezembro de 1640: Sua Alteza, O Sereníssimo Duque de Bragança, etc.
- 1 de Dezembro de 1640 – 6 de Novembro de 1656: Sua Majestade, O Rei de Portugal e dos Algarves
O estilo oficial de D. João IV enquanto Rei de Portugal:
Pela Graça de Deus, João IV, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor(a) da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc.
Pela Graça de Deus, João IV, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor(a) da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc.
Honrarias
Enquanto monarca de Portugal, D. João IV foi Grão-Mestre das seguintes Ordens:
- Ordem dos Cavaleiros de Nosso Senhor Jesus Cristo
- Ordem de São Bento de Avis
- Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem de Sant'Iago da Espada
- Antiga e Muito Nobre Ordem da Torre e Espada
Genealogia
Ascendência
[Expandir]Ancestrais de João IV de Portugal |
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Casamento e descendência
Não tendo vingado o projeto de casamento com Mademoiselle de Nevers, encaminhado pelo cônsul francês Saint-Pé (1625), veio a escolher mulher na Casa de Medina-Sidónia (uma das maiores de Espanha), recebendo Luísa de Gusmão por esposa em 12 de janeiro de 1633 em cerimônia de grande fausto. Casou em Elvas com Luísa de Gusmão, batizada Luísa Maria Francisca, nascida em Sanlucar de Barrameda 13 de outubro de 1613, que morreria em 27 de fevereiro de 1666 no claustro de Xabregas, em Lisboa. Era filha primogênita de Juan Manuel Perez de Guzman, 8º duque de Medina-Sidonia e Joana de Sandoval, filha do 1.º duque de Lerma Francisco Sandoval, de grande nobreza, neta pelo lado paterno dos duques de Bejar e de Pastrana, e pela mãe dos duques de Gandia e de Medina Coeli. Trouxe grande dote e inteligência, dando-lhe sete filhos. A ratificação do casamento realizou-se com grande pompa em Elvas a 12 de janeiro de 1633, celebrante o bispo Sebastião de Matos Noronha, futuro Arcebispo de Braga, havendo grandes festas em Vila Viçosa. O casamento respondia ao desejo do conde-duque de Olivares, tanto que restituiu à casa de Bragança o ducado de Guimarães e outras prerrogativas. Ela seria regente do reino de 1656 a 1662. Seu irmão, o general Gaspar Alonso Pérez de Guzmán (morto em 1664), foi 9º duque de Medina Sidonia, governador da Andaluzia, e conspirou com o Marquês de Ayamonte para uma Andaluzia independente, na imitação do cunhado: descoberta a conspiração, perdeu parte dos bens.
Nome | Retrato | Longevidade | Notas |
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Havidos de D. Luísa Maria Francisca de Gusmão e Sandoval (13 de outubro de 1613 – 27 de fevereiro de 1666; casados a 12 de janeiro de 1633) | |||
Teodósio, Príncipe do Brasil | 8 de Fevereiro de 1634 – 6 de Dezembro de 1653 | Como primogénito, assumiu o título de Príncipe do Brasil, título especialmente criado em sua honra, enquanto herdeiro do trono, por carta do pai de 27 de Outubro de 1645. De saúde frágil, faleceu aos 19 anos, de uma tuberculose pulmonar. | |
D. Ana de Bragança | 21 de janeiro de 1635 | Nasceu no Paço Ducal de Vila Viçosa, tendo morrido nesse mesmo dia. Foi sepultada no Convento das Chagas, nessa vila. | |
Joana, Princesa da Beira | 16 de setembro de 1636 – 17 de novembro de 1653 | Tornou-se a primeira Princesa da Beira, título criado por seu pai em 1645 para ser atribuído à filha mais velha do monarca de Portugal. Faleceu jovem, aos 17 anos. | |
Catarina, Rainha da Inglaterra | 25 de novembro de 1638 – 31 de dezembro de 1705 | Após a morte da irmã mais velha, D. Joana, assumiu o título de Princesa da Beira. Posteriormente, tornou-se rainha consorte de Inglaterra e Escócia por seu casamento com o rei Carlos II da Casa de Stuart. Catarina sofreu, por três vezes, abortos espontâneos, e do casamento não houve descendência. | |
D. Manuel de Bragança | 6 de setembro de 1640 | Nasceu no Paço Ducal de Vila Viçosa, tendo morrido nesse mesmo dia. Foi sepultada no Convento de São Francisco, nessa vila. | |
Afonso VI de Portugal | 21 de agosto de 1643 – 12 de setembro de 1683 | Nascido como Infante de Portugal, Afonso não estava destinado a reinar, mas tornou-se herdeiro do trono com a morte do irmão D. Teodósio em 1653. Mentalmente incapaz de governar, foi deposto do trono pelo irmão, D. Pedro, que o sucedeu no trono quando ele morreu. Casou-se com Maria Francisca de Sabóia, tendo sido o casamento anulado por não-consumação. | |
Pedro II de Portugal | 26 de abril de 1648 – 9 de dezembro de 1706 | Assegurou a regência do reino desde 1668, devido à instabilidade mental do irmão, D. Afonso VI. Sucedeu-lhe no trono em 1683. Desposou a cunhada, D. Maria Francisca de Sabóia, de quem teve uma filha; e casou em segundas núpcias com Maria Sofia Isabel, Condessa Palatina de Neuburgo, de quem teve sete filhos. | |
Havidos de outra senhora, incógnita | |||
Maria de Bragança | 30 de abril de 1644 – 7 de fevereiro de 1693 | Dedicou-se à vida religiosa e está sepultada no Convento de São João dos Carmelitas Descalços. |
D. João IV Músico
D. João IV foi um monarca que cultivou a música quer enquanto compositor, quer enquanto tratadista. Tinha a maior biblioteca musical da Europa que infelizmente pereceu com o Terremoto de 1755. Algumas das suas obras:
Obras teóricas
- Defensa de la música moderna contra la errada opinion del obispo Cyrilo Franco, 2 Dezembro 1649 (?Lisboa, ?1650) [?ed. P. Craesbeeck]; transcrição italiana (?Veneza, ?1649–58); edição moderna de Mário de Sampayo Ribeiro (Coimbra, 1965), [inclui facs-similes.]
- Respuestas a las dudas que se pusieron a la missa Panis quem ego dabo de Palestina [sic]; impressa en el quinto libro de sus missas, 25 Sept 1654 (?Romea, ?1655); edição moderna de Mário de Sampayo Ribeiro (Lisboa, 1958), [inclui facs-similes.]
- Primeira Parte do Index da Livraria de Música do Muyto Alto e Poderoso Rey D. João o IV Nosso Senhor, Lisboa, Paulo Craesbeeck, 1649.
Composições
- Dois Motetos, 6vv, inc.: Anima mea turbata est, Vivo ego, in João Lourenço Rebelo, Psalmi tum vesperarum tum completorii, (Roma, 1657).
- Atribuição de autoria: Crux fidelis, 4vv, D-Dlb; ed. G. Schmitt, Anthologie universelle de musique sacrée (Paris, 1869); edição moderna de J. Santos, A polifonia clássica portuguesa (Lisboa, 1937); Adjuva nos, 4vv, P-Lf [Manuscrito "Livro de S. Vicente de Fora"].
Programa 23
DOM AFONSO VI - O VITORIOSO
Afonso VI de Portugal
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Dom Afonso VI | |
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Rei de Portugal | |
Governo | |
Reinado | 6 de novembro de 1656 — 12 de setembro de 1683 |
Coroação | 15 de novembro de 1657 emLisboa |
Consorte | Maria Francisca de Saboia |
Antecessor(a) | D. João IV |
Herdeiro | D. Pedro (irmão) |
Sucessor(a) | D. Pedro II |
Casa Real | Bragança |
Dinastia | Bragança |
Título(s) | O Vitorioso |
Vida | |
Nascimento | 21 de agosto de 1643 |
Lisboa, Reino de Portugal | |
Morte | 12 de setembro de 1683 (40 anos) |
Sintra, Reino de Portugal | |
Sepultamento | Panteão dos Braganças, Lisboa |
Pai | João IV |
Mãe | Luísa de Gusmão |
Afonso VI de Portugal (Lisboa, 21 de agosto de 1643 — Sintra, 12 de setembro de 1683) foi o vigésimo segundo rei de Portugal e o 2.º Rei de Portugal da Dinastia de Bragança.
Biografia
Nascido apenas como infante de Portugal, Afonso não estava destinado a reinar nem foi preparado para tal, em virtude do herdeiro da coroa ser o seu irmão mais velho, o brilhante príncipe Teodósio de Bragança.[1] A sua formação foi pouco cuidada, à semelhança dos restantes irmãos, o que se confirma quando Catarina parte para a Inglaterra, em virtude do seu casamento com o rei Carlos II, quase sem saber falar inglês.[1]
Ao contrário dos seus irmãos, Afonso passou a sua infância e juventude em Lisboa, num ambiente tenso e mergulhado em preocupações políticas, governativas, militares, entre outras.[1] Com 3 ou 4 anos de idade, atinge-o uma «febre maligna» que lhe afecta o lado direito do corpo e que se repercutirá na sua vida em variados aspectos, desde políticos a familiares e sexuais.[1] Uma doença do sistema nervoso central, pensa-se hoje, talvez uma meningoencefalite, uma doença de foro nervoso, como propõe Montalvão Machado.[2]
A morte do irmão, Teodósio, sucede-se a 13 de maio de 1653 e, a 17 de novembro do mesmo ano, falece Joana. Passa Afonso para a ribalta como novo herdeiro do trono de Portugal.
Criação da Casa do Infantado
Poucos anos antes de falecer, João IV dispensa em benefício do infante Pedro, que mais tarde se tornaria rei de Portugal, um vasto património de senhorios, grande parte deles usurpados aos nobres contrários à Restauração que haviam partido para Espanha. Estes senhorios estendiam-se ao longo do território português, do Norte ao sul do Alentejo, e estão na origem da Casa.
Garantia-se assim, não só «o mantimento dos filhos segundos da coroa», nas palavras de Veríssimo Serrão, mas também o suporte da descendência de forma a perpetuar o Sangue Real Português o mais que se pudesse.[3] Porém, alguns historiadores interpretam esta medida de forma diferente: com a debilidade da Monarquia Portuguesa, que nem sequer era reconhecida internacionalmente, e a insegurança que representava da incapacidade do Herdeiro,[3] inclusive a gerar descendentes, esta medida conseguia colocar nas mãos da Família Real um vasto património, que garantiria a sua importância senhorial.
A Casa do Infantado e a Casa do Cadaval, com quem a Monarquia mais tarde contraiu alianças, formavam a trindade da Nobiliarquia Portuguesa e, embora tivessem todas elas ligações à Coroa, as suas possessões estavam segregadas do património do Estado.[3]
Subida ao trono e regência de D. Luísa
Volvidos três anos, falece João IV, deixando como sucessor Afonso, cuja idade ainda não lhe permitia governar e com capacidade mental duvidosa para assumir a função. Foi aclamado e jurado rei a 15 de novembro de 1656.[4] O boato de que sofria de alguma doença mental levou a que se levantasse a questão do adiamento da cerimónia. No entanto, a data manteve-se por entendimento da rainha. O discurso de praxe coube ao doutor António de Sousa Macedo, jurisconsulto e diplomata, o qual destacou não a figura de Afonso mas a de seu pai, a quem definiu como «hum sugeito quasi divino». Não deixou de invocar os feitos dos reis anteriores, provavelmente com o propósito de despertar o brio do jovem monarca, cuja nação se preparava para o recomeço da ofensiva espanhola, que já se fazia anunciar, e ao qual incumbia o dever de juntar todas as forças para, ao fim de dezasseis anos de guerra, não comprometer a independência face ao país vizinho e todo o processo de restauração.[5]
Este era o dia em que se iniciava também a regência da sua mãe, Luísa de Gusmão..[6]
A regência de Luísa centrou-se, inicialmente, na organização do governo de modo a impor-se às facções palacianas em jogo. Nomeia então, Francisco de Faro, Conde de Odemira, para aio de Afonso e mantém os oficiais da Casa Real que exerciam tais funções no tempo do seu marido. Francisco, filho do segundo Conde de Faro, Estevão de Faro, e de Guiomar de Castro, filha do quarto Barão do Alvito, João Lobo da Silveira, e neta, por parte da mãe, do segundo Senhor de Lavre e Estepa, João Mascarenhas. Através dos matrimónios das suas filhas, Maria e Guiomar, traçou relações com o sétimo Conde da Feira e com o primeiro Duque de Cadaval, o célebre Nuno Álvares Pereira de Melo, e com o terceiro conde de Vila Nova de Portimão, respectivamente. Francisco, como se constata, pertencia a uma das famílias mais poderosas e de maior tradição em Portugal, e com ligações de parentesco directas com outras casas de suma importância, como é o caso da Casa de Cadaval. A Pedro Vieira da Silva e Gaspar Faria Severim, comendador de Moura, coube o Conselho de Estado. Porém a rivalidade entre Francisco e o Conde de Cantanhede dificulta a regência da mãe de Afonso. Esta vê-se obrigada a nomear a «Junta Nocturna», assim conhecida por ter reuniões à noite.[6] Para além dos dois nobres em disputa, constavam nela outros oficiais de confiança, como o marquês de Nisa, Pedro Fernandes Monteiro, o conde de São Lourenço e frei Domingos do Rosário, diplomata experiente. Esta Junta teve bastante utilidade e agilidade aos comandos dos negócios públicos.[6]
Amizade com António Conti
Com 13 anos, narra Veríssimo Serrão,[2] divertia-se observando de uma janela do paço real rapazes de baixa condição nas suas brincadeiras, que incluíam lutas e outras arruaças.[2] O rei não se coibia de aplaudir tais lutas, incitando o grupo seu favorito. Nas arcadas do pátio para onde dava a dita janela, reuniam-se mercadores e outros negociantes. Entre eles estava António Conti, "que tinha tenda de fitas, meias e mais adornos femininos". Este astuto genovês soube insinuar-se nas boas graças do monarca, aplaudindo os seus protegidos e ofertando-lhe bugigangas condizentes com o seu pouco apurado gosto, sempre que o rei descia ao pátio para conversar com ele.[7] Conti tratou de lhe apresentar o seu irmão e também outros rapazes, incluindo negros, lacaios, mouros e outros de ínfima estirpe.[2] [7]Tomando posse da sua Casa, a 7 de Abril de 1660, Afonso introduz António no paço, concedendo-lhe alojamento, um quarto com porta para a câmara do próprio rei, causando, claramente, um escândalo na corte.
Divertiam-se todos em combates de lebreus, primeiro no paço, depois no próprio terreiro, em público. Aquele bando ignóbil não abandonava nunca o rei; percorriam todos a cidade, de noite, apedrejando janelas, arremetendo contra os transeuntes. A incapacidade física de D. Afonso tornava ainda estes espectáculos mais repugnantes. Atirando-se por bazófia a empresas atrevidas, sempre se saia mal, obrigando-se a fazer-se reconhecer, para não ser maltratado pelas pessoas que provocava. Por vezes enchia o paço de mulheres perdidas, também por bazófia, porque não era menos incapaz para as lutas amorosas que para as lutas guerreiras. |
—Carlos Leite Ribeiro
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Tomando posse da sua casa, a 7 de abril de 1660, deliberadamente, consegue Afonso um alojamento no paço para António Conti, um quarto com porta para a câmara do rei, atitude que provocou escândalo na corte. Atribui-lhe igualmente o foro de moço do guarda-roupa do rei. Assim, tinha o privilégio de assistir aos vestir e despir da real pessoa, que o designou também moço das chaves. António consegue ainda do rei que este o tornasse fidalgo, lhe concedesse uma comenda e ainda o hábito da Ordem de Cristo. O monarca dispensa-lhe ainda uma capela cujo rendimento se acercava dos 1000 Cruzados.[8]
Nestas saídas nocturnas, de acordo com as descrições do Conde da Ericeira, que documentou grande parte da Restauração, o rei não se poupava a esforços para conquistar «a afeição tanto das mulheres mais expostas, quanto das mais recatadas, crescendo de sorte, que, passando do rebuço da noite à manifesta claridade do dia, não perdoava nem ao sagrado das igrejas»[9] De facto, duas freiras do convento de Odivelas, já frequentado pelos monarcas desde Dinis e onde floresciam casos amorosos, disputavam do favor régio, Ana de Moura e Feliciana de Milão. Provavelmente para impressionar alguma das duas senhoras, Afonso quis tourear no pátio daquele convento, acabando por cair e magoar-se. Segundo a tradição, foi sangrado e Ana de Moura sangrou-se também, não tanto pela necessidade, mas para «fazer finaeza a Sua Majestade.»[4] [10]
A regente, de início, tentou apaziguar estas atitudes e impedir que o rei mantivesse contacto com estes rapazes, aconselhando-o. Porém, Afonso não a escutava, nem tão pouco aos conselheiros, entre os quais o conde de Odemira, Francisco. As brincadeiras de mau gosto continuavam, eram motivo de preocupação na corte e no reino e Luísa teve que tomar uma medida drástica. É implementada a pena de açoites e degredo a quem, com mais de quinze anos, «jogasse pedradas».[2] [11]António Conti é afastado da corte. Francisco de Faro aproveita o mote e expulsa o grupo do paço, que ali entrava a seu belo-prazer.[2] Quem não gostou foi, obviamente, Afonso, que, ao ver-se impedido de contactar com os seus amigos, volta a sua ira contra a mãe e contra os membros do conselho de estado, incluindo Francisco.[2]
Surgem então na vida do jovem rei dois jovens cortesãos que lhe restituem as amizades perdidas. São eles Jerónimo de Ataíde (um dos filhos da célebre Filipa de Vilhena), e Luís de Vasconcelos e Sousa, que ficou para a História como o célebre conde de Castelo Melhor, título que lhe pertencia. Como diz Veríssimo Serrão, «não [se aproximaram de D. Afonso] porque lhes conviesse a vida escandalosa deste mas porque sentiam que o favor régio estava a seu alcance logo que ele tomasse o poder.».[2]
A Batalha da Linha de Elvas
Mereceu Afonso o epíteto de O Vitorioso, por no seu reinado Portugal ter vencido a Espanha em várias batalhas da Guerra da Restauração. Em dez anos, mais ou menos o tempo em que combateu o país vizinho, diz António Pereira de Figueiredo, que «alcançou tão grande nomeada, que ninguém se pode comparar com ele no número de vitórias e na glória que delas resultou».[12]
Foram cinco as vezes em que os portugueses combateram os castelhanos durante o seu reinado, por ocasião da Guerra da Restauração, sempre em menor número que os adversários. Logo no início do ano de 1657, a regente é informada pelo Conde de Soure que os espanhóis reuniam tropas para invadir Portugal na Primavera.[6] [13] Pouco tempo depois André de Albuquerque, general português, precisa o local de ajuntamento das tropas: Badajoz. Constava ainda que o próprio monarca vizinho viria dirigir um poderoso exército a Mérida.[14] Substituído o conde de Soure no comando das operações militares nacionais no Alentejo, é o conde de São Lourenço que se encarrega de tal tarefa.[15]
Providencia a nomeação de capitães nas praças de Castelo de Vide, Marvão e Vila Viçosa e chama reforços de Trás-os-Montes, dasBeiras e do Algarve. A zona do Guadiana é, em princípios do mês de Abril, dominada pelos espanhóis. Não resistiram as praças deOlivença e Mourão. Já em 1658, sabe-se então da pretensão das tropas de Filipe em ocupar Vila Viçosa. Eis que surge um dos grandes generais da Restauração, Sancho Manoel, governador da Praça de Elvas. Luis de Haro e as suas tropas, de cerca de 20 mil homens e muita artilharia, cercam Elvas, cerco este que se mantém durante três meses. Dentro das muralhas, resistiram os portugueses sob diário fogo de artilharia. Trezentos mortos por dia foi o resultado da peste que também se abateu sobre os militares. Esperavam-se os reforços vindos de todo o país, comandados pelo conde de Cantanhede, António Luís de Menezes, que não tardaram a chegar. A batalha era decisiva, pois estava em causa o controlo de Lisboa. É a 14 de janeiro de 1659 que se dá a batalha nos campos de Elvas, ganha pelos portugueses. Sancho recebe em troca da sua valentia em Elvas, o título de Conde de Vila Flor. Porém, a batalha - viriam os portugueses a perceber mais tarde - não foi definitiva, pois o Tratado dos Pirenéus deixa a Espanha sem outros encargos militares.[2]
(...) em breve, o Rei voltaria a sentir os efeitos de uma ameaça, porventura mais grave. |
— Joaquim Veríssimo Serrão.
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Antes, todavia, deflagra uma crise política no sei da corte, que opõe Luísa a Afonso, mãe e filho, pelas rédeas do Poder. A rainha chegou a encarar a hipótese de o infante Pedro, seu 3.º filho, vir a ser jurado herdeiro do trono, para o que recebeu a Casa do Infantado, ainda no tempo de D. João. Mas tendo falhado o golpe palaciano de 1662, que visava o desterro de António Conti no Brasil ou, talvez mesmo, a prisão do monarca, abriu-se o processo que levou ao termo da regência em 23 de Junho de 1662, à entrega do poder efectivo ao rei.
Ascensão ao Poder
Foi a regente, Luísa de Gusmão, quem nomeou os condes de Castelo Melhor e Atouguia como aios do jovem monarca, mas essa nomeação iria voltar-se contra as suas pretensões e afastá-la definitivamente do poder do reino.
Não oferece dúvida que foi o conde de Castelo Melhor o cérebro da manobra que afastou a rainha da vida pública, tendo nela participado o conde de Atouguia e Sebastião César de Meneses. Ambos levaram o rei para Alcântara, para onde convocaram a nobreza, retirando-se ao Paço da Ribeira o centro de decisão política.[16] Para alcançar o poder, foram dois os argumentos de Afonso: a busca de meios para defrontar a ameaça que representava Castela e poupar a sua mãe do «contínuo trabalho» que lhe cabia como regente.[16] Por Ordem Régia de 22 de Junho de 1662, invoca-se um princípio jurídico inabalável, a que todos deveriam obedecer.
A rainha, tratada com o maior respeito pelo grupo de Castelo Melhor, manteve-se no paço até março de 1663, recolhendo-se então ao convento dos Agostinhos Descalços (ou dos Grilos). Em carta à ausente filha Catarina, rainha de Inglaterra, define o ocorrido como uma conspiração. Na mesma carta, não chega sequer a referir o nome de Pedro, o seu segundo filho, irmão de Afonso, devido à sua tenra idade, que não lhe permitia a participação nesta disputa de poder.[16] O país ficar-lhe-ia em dívida pela coerência e pulso firme com que garantiu a nova dinastia e as condições de independência de Portugal face ao país vizinho. A inclinação que teve pelo filho segundo terá provavelmente sido fruto da incapacidade que Luísa via no legítimo herdeiro e que poderia comprometer os vinte anos de luta que se travaram até ali. Morreu ela a 27 de novembro do ano seguinte, no convento do vale de Xabregas. Em testamento, lavrado a 26 de fevereiro de 1666, declara Afonso como seu herdeiro e testamenteiro. Ao outro filho deixou as dívidas, a protecção dos criados que a serviam e pede-lhe ainda que proteja as obras de caridade às quais o seu nome se encontrava ligado.[16]
O golpe palaciano que a depôs é assim descrito:
O conde de Castelo Melhor, auxiliado por alguns fidalgos, conseguiu que o monarca saísse para Alcântara, e daí fizesse saber a sua mãe que resolvera assumir o poder. A rainha tentou resistir por boas razões e conselhos, porém nada conseguiu, porque o conde de Castelo Melhor, disposto a subir ao poder, não desistia por caso algum. A 29 de Junho de 1662, el-rei assumiu definitivamente o governo do reino, ou antes, em seu nome o conde de Castelo Melhor, que se fez nomear escrivão da puridade. O conde empregou sua astúcia em afastar de junto do rei as pessoas que podiam ofuscar-lhe o seu valimento; até conseguiu que a própria rainha se afastasse, acolhendo-se ao convento do Grilo. É certo porém, que se o conde se serviu de meios nem sempre dignos para subir ao poder, mostrou-se digníssimo em exercê-lo. O reinado de D. Afonso VI deveu-lhe a glória que o iluminou, e o inepto soberano pôde alcançar na história o epíteto de o vitorioso. |
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O conde de Castelo Melhor
Luís de Vasconcelos e Sousa, terceiro conde de Castelo Melhor, com apenas 26 anos vivera exilado em França durante dois anos, devido a suspeitas do seu envolvimento na morte do conde de Vimioso. Quando regressa a Portugal, combate em defesa do Minho, ficando ferido com gravidade. Retornado à corte, recebe em 1659 o ofício de reposteiro-mor do Paço, em já em 1662 exercia funções de camareiro de serviço, estando constantemente em contacto com as figuras régias e a família real, o que o tornava uma das personalidades mais distintas na corte portuguesa[17] Hoje equivaleria às funções de um Primeiro-Ministro. Terá encabeçado o golpe que destituiu a regente, e colocou o soberano à cabeça do poder do reino, juntamente com o Conde de Atouguia e outros fidalgos de nobreza média. Todos veriam no rei um espaço para a sua ascensão social e política.
Após a crise de 1662 que lhe concede o poder efectivo, Afonso VI logo reconheceu os préstimos do conde Luís ao nomeá-lo criado de escrivão da puridade, fiando-lhe «os maiores negócios do reino»[18] Este cargo, ao longo da segunda dinastia, tinha sido quase sempre destinado ao funcionário régio de maior confiança.[17] Hoje equivaleria às funções de um primeiro-ministro.[19] Portanto, com este ofício, à mercê da centralização do poder que a Restauração impunha, era-lhe confiada a máquina de administração pública.[17]
Se o reino usufruiu da eficiente regência de Luísa de Gusmão, também nada perdeu com a troca, pois Luís, aos comandos da administração pública demonstrou a garra de um verdadeiro estadista, como refere Veríssimo Serrão. Essa firmeza política demonstrou-a na condução das grandes batalhas que se seguiriam à tomada de posse de Afonso.
As relações externas
Este curto espaço de tempo entre a queda da regente e a chegada de Castelo Melhor ao poder, foi predominante para a diplomacia portuguesa e para o comércio internacional.
Catarina de Bragança, que anteriormente já havia sido proposta por Frei Domingos do Rosário, diplomata português, como esposa de Luís XIV, viu tal proposta ser recusada por influência de Mazarino. Se o casamento vingasse, seria um triunfo para a diplomacia portuguesa.[20]
Surge então o tratado anglo-luso de 1661, que visava o apoio mútuo entre o Portugal e a Inglaterra e, em virtude do tratado, a princesa portuguesa é proposta em casamento a Carlos II de Inglaterra, que aceita. Em causa estava também um vasto dote que Portugal teria que pagar pelo matrimónio, razão pela qual D. Luísa, ainda como regente, teve que recorrer à ordem da Junta dos Três Estados para conseguir o dinheiro necessário,[21] [22] visto que o pagamento, por exigência do rei inglês, deveria ser feito o mais brevemente possível. A 25 de abril de 1662, a irmã de Afonso parte rumo ao seu novo reino.[21]
A França, por sua vez, não faz nenhuma objecção a este tratado, apesar da sua rivalidade com a Inglaterra, graças ao apoio do marechal Turenne, que permitu a vinda do general alemão Schomberg mais 600 oficiais e soldados para servir na fase mais crítica das guerras da Restauração. Ver Espanha enfraquecida face à hegemonia da França, de certo correspondia aos objectivos de Luís XIV. Assim, além de não hostilizar o tratado, a França firmou o tratado de liga formal com D. Afonso VI, que contribuiu posteriormente para a paz com Espanha.[20]
Com a Holanda as relações externas não eram assim tão pacíficas, visto ser este país um dos grandes inimigos de Portugal, por se ter apoderado de várias capitanias do Brasil e outros portos de pertença portuguesa, aquando do domínio filipino. Após um tratado ratificado por D. João IV, as hostilidades cessaram durante 10 anos. Porém, os territórios continuavam a ser ainda holandeses. Após várias propostas de devolução das capitanias do Brasil em troca de regalias no comércio do sal de Setúbal e pagamento de três milhões e meio de cruzados, arrastam-se as negociações até que em agosto de 1661 o tratado de paz é assinado. Ratificado por Afonso VI a 24 de maio de 1662,[23] mesmo ficando por regular alguns pontos decorrentas da aplicação do tratado, Portugal teve que contribuir com quatro milhões de cruzados e a restituição da artilharia dos holandeses, a pagar no prazo de 16 anos. Assim se fez a paz entre Portugal e a Holanda.[23]
As relações com a Escandinávia pareciam intermitentes, sendo que de Cristiano IV da Dinamarca pouco apoio se conseguiu face à posição política do país quanto à Espanha. A Suécia, por sua vez, em 1654 renuncia a independência de Portugal e reconhece Filipe IV como rei deste país. As alianças diplomáticas que tanto custaram a João IV construir e a Luísa a manter pareciam agora desmoronar-se. A relação entre as duas coroas foi interrompida, de 1659 a 1662, já com o governo português nas mãos de Castelo Melhor. Contudo, as relações comerciais falaram mais alto e a Suécia vê-se obrigada a voltar atrás, de modo a evitar as desvantagens do monopólio do sal de Setúbal para os ingleses e holandeses e também devido a interesses mercantis no Brasil e Guiné. Todavia, a aproximação diplomática entre Afonso VI e Cristina da Suécia, não teve grande utilidade na Restauração da independência.[24]
A independência portuguesa representava uma faca de dois gumes para a Santa Sé,[25] visto que a Igreja nada tinha contra a emancipação portuguesa, mas também não podia reconhecê-la devido à influência política da Espanha. Este foi sem dúvida o campo de actuação mais difícil para os diplomatas portugueses. Só com a paz com Espanha, o papa Clemente IX alterou a atitude romana face às pretensões espirituais de Afonso VI e reconhecido Portugal como país independente.[25] [26]
As grandes batalhas
«Depois de Afonso VI tomar posse da governação de Estado, João de Áustria, filho bastardo do rei de Castela, invadiu o Alentejo, tomou Évora, e chegou quase às portas de Lisboa. O conde de Castelo Melhor tratou de organizar importantes forças para repelirem esta invasão, colocando à frente dessas forças Sancho Manuel,conde de Vila Flor, e o conde de Schomberg. Seguiu-se uma série de combates a de vitórias; a reconquista de Évora, a tomada de Assumar, Ouguela, Veiros, Monforte, Crato e Borba; Figueira de Castelo Rodrigo, Ameixial, batalha que se deu em 1663, em que muito se distinguiram os generais marquês de Marialva, e conde de Schomberg. A decadência de Portugal era inevitável, com um rei tão fraco que tudo sacrificava à quietação do espírito e às suas comodidades. Nas colónias ainda essa decadência mais se pronunciava. As complicações da Índia, a aliança da Inglaterra, com o casamento da infanta Catarina de Bragança, filha de João IV, com o rei de Inglaterra, Carlos II, que levou em dote duas praças, Bombaim e Tânger, a tomada, pelos holandeses, de Ceilão, Cranganor, Negapatam, Cochim, Coulam, e Cananor, as negociações a que foi indispensável entrar com eles e a traição do duque de Aveiro e de Fernando Teles de Faro. A campanha contra os espanhóis, terminou por assim dizer, com a batalha de Montes Claros, ganha pelo marquês de Marialva e o conde de Schomberg. Depois desta batalha, só houve escaramuças a guerras de fronteira. Os espanhóis, já cansados de tanto lutar, começaram a tratar da paz, que o conde de Castelo Melhor só queria aceitar com as condições a que nos dava direito a nossa constante supremacia militar. Assim o conde exigia que a Espanha nos cedesse uma porção do seu próprio território, queria a Galiza, e com certeza o conseguiria, se as intrigas da corte o não houvessem precipitado do poder.»
No ano de 1663 ocorreu em Lisboa um perigoso motim perante a perda de Évora e de outras terras alentejanas, que desassossegou a corte. Sucede-se então, no mesmo ano, a terceira batalha deste reinado, no Ameixial, junto a Estremoz, comandada por D. Sancho Manoel.[27]
(...) D.Sancho Manoel depois Conde de Villa Flor ganhou huma grande ventagem [...], e na batalha do Ameixial em que D. João de Austria ficou inteiramente derrotado, e restaurando Évora, e outras Pracas se sossegou Lisboa, e assegurou a Monarquia. |
— Francisco Soares Toscano[27]
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A quarta batalha travada foi a de Castelo Rodrigo, também em 1663, comandada por Pedro Jacques de Magalhães, e a quinta a de Montes Claros, cujo comando coube ao terceiro conde de Cantanhede, António Luís de Meneses, depois Marquês de Marialva. Porém, as vitórias levadas a cabo desde 1660 foram amparadas por um estratega alemão, o Conde de Schomberg, contratado naquele ano pelo conde de Soure.
Grupos palacianos se aproveitaram da situação. Um grupo de nobres que incluía também o marquês de Marialva, o conde de Sarzedas, oconde de Vila Flor, conseguiu derrubar o conde de Castelo Melhor. A 27 de Outubro a Câmara de Lisboa pediu a convocação imediata das Cortes, enquanto Castelo Melhor se exilava num mosteiro de arrábidos perto de Torres Vedras, exilando-se depois nas cortes de Saboia,França e da Inglaterra (sua situação só se desanuviou depois da morte da Rainha em 1683). A Rainha deixou o Paço em 21 de Novembro, recolhendo-se ao convento da Esperança em clausura com suas damas e oficiais, no que se considerou grande escândalo.
Após seu afastamento em 1667 Afonso foi compelido por sua mulher, Maria Francisca, e irmão, Pedro, a abdicar do trono no dia 22 de Novembro. O infante Pedro justificou a tomada do governo pela exigência do «Senado lisboeta». Guardou apenas o título de «curador» e governador do Reino. Desde 26 de novembro de 1667os documentos vêm assinados pelo «Infante» e só depois de Cortes em 1668 passaram a sê-lo pelo «Príncipe». Fez membros do Conselho de Estado o duque de Cadaval, Nuno Álvares Pereira de Melo, D. Vasco Luís da Gama, marquês de Nisa. escolheu como Presidente da Mesa do Desembargo do Paço o marquês de Gouveia, João da Silva, e como vedor da Fazenda o velho general António Luís de Meneses, marquês de Marialva. Eram todos elementos ligados ao «partido francês», vitoriosos sobre a facção «inglesa» comandada por Castelo Melhor.
Afonso foi banido para a ilha Terceira, nos Açores. Tais actos foram sancionados pelas Cortes de Lisboa de 1668. O rei morreu em Sintra, em 1683 depois de preso durante 9 anos no Quarto com seu nome no Palácio Real de Sintra. Sua morte, se diz ter sido por envenenamento, após deposto pelo irmão Pedro II, que veio a casar com a sua mulher. Apenas saía do quarto para se dirigir à Capela do Palácio.
Casamento
Em 1652 falhou o casamento com a filha do príncipe de Parma, o mesmo sucedendo pouco depois com Mademoiselle de Montpensier, e tampouco resultou o plano de o casar com a filha do duque de Orléans, origem de uma missão de Francisco Manuel de Melo. Afinal o marquês de Sande, D. Francisco de Melo e Torres, assinou em Paris a 24 de fevereiro de 1666 o contrato matrimonial com Maria Francisca Isabel de Saboia, Mademoiselle d'Aumale. O casamento se celebrou por procuração em La Rochelle em 27 de junho e a nova Rainha chegou a Lisboa a 2 de agosto. Maria Francisca alimentou esperanças de gravidez, em que pese a corrente favorável ao infante Pedro (o duque de Cadaval, o embaixador francês e outros) dizer depois que o casamento não se consumara.
Pelos autos sabe-se que de facto, apenas dois dias após ter conhecido o noivo, a rainha já havia desabafado ao seu confessor, o jesuíta Francisco de Vila: "Meu padre, parece-me que não terá Portugal sucessores deste Rei." Nos meses que se seguiram, ainda em confissão, continuou a queixar-se ao religioso que o Rei era "inábil e impotente", a rainha acabou por recolher-se ao Convento de Nossa Senhora da Esperança em Lisboa, e a entrar, no dia seguinte, com um pedido de anulação do matrimónio no Cabido de Lisboa, designando como seu procurador no processo, o duque de Cadaval. Deixou ao Rei uma carta onde se justificava: "Apartei-me da companhia de Sua Majestade, que Deus guarde, por não haver tido efeito o matrimónio em que nos concertámos (...)". Desse modo, de 9 de janeiro a23 de fevereiro de 1668, nas tardes de segundas, quartas e sábados, 55 testemunhas foram chamadas ao paço do Arcebispo de Lisboa para depor, em audiências públicas, sobre a incapacidade sexual do monarca.[28]
O processo foi julgado por três autoridades eclesiásticas e um júri com quatro desembargadores e quatro cónegos. Entre as primeiras testemunhas, encontravam-se 14 mulheres com quem o rei havia tentado envolver-se.[29] Não compareceram quaisquer testemunhas a favor do rei.
De acordo com o historiador português Joaquim Veríssimo Serrão "o processo constitui uma página lamentável de nossa história", mas mesmo que a tese da não consumação possa suscitar reservas, o processo contém matéria abundante para provar a incapacidade do monarca em assegurar a sucessão do Reino.
Não resiste à menor crítica, segundo o mesmo historiador, a versão posta a correr de os dois cunhados terem amores incestuosos. Antes da anulação ser declarada, já as cortes de 1668 tinham sentido o grave problema e sugerido ao infante o casamento com a Rainha, "para quietação do Reino e segurança de sua real sucessão". Efetuaram-se diligências em Roma para a necessária dispensa, no impedimento publicae honestatis que pudesse haver entre os nubentes, tendo a bula de autorização chegado a Lisboa a 27 de março. Seguidamente foi deposto por decisão do Conselho de Estado.
Toda essa história e circunstancia pode ser apreciada num filme cujo nome é precisamente "O Processo do Rei", realizado em 1989, por João Mário Grilo.
Fim da vida
Instalado na ilha Terceira, ali permaneceu ao longo de cinco anos. Viveu caprichoso, em turbulência constante e com grande violência física, nem mesmo poupava os criados. Em fins de 1673 descobriu-se em Lisboa uma conspiração para favorecer seu regresso. Diversos conspiradores foram mesmo enforcados no Rossio. O Rei, mandado vir, chegou a Lisboa em 14 de setembro de 1674, sendo conduzido ao Palácio de Sintra. Durante nove anos viveu ali, fechado em seus aposentos, com servidores da inteira confiança do duque de Cadaval. No início de 1683 foi sangrado, tomou purgas, em 30 de maio teve «agastamentos, com dores», na manhã de12 de setembro teve um acidente apoplético e ficou sem fala, morrendo logo. Montalvão Machado, em «Causas de Morte dos Reis Portugueses», Lisboa, 1974, diz que o rei morreu de tuberculose pulmonar, como outros filhos de João IV e Luísa.
Títulos, estilos, e honrarias
Títulos e estilos
- 21 de Agosto de 1643 – 6 de Dezembro de 1653: Sua Alteza, O Sereníssimo Infante Afonso de Portugal
- 6 de Dezembro de 1653 – 6 de Novembro de 1656: Sua Alteza Real, O Príncipe do Brasil, Duque de Bragança, etc.
- 6 de Novembro de 1656 – 12 de Setembro de 1683: Sua Majestade, O Rei de Portugal e dos Algarves
O estilo oficial de D. Afonso VI enquanto Rei de Portugal:
Pela Graça de Deus, Afonso VI, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc.
Pela Graça de Deus, Afonso VI, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc.
Honrarias
Enquanto monarca de Portugal, D. Afonso VI foi Grão-Mestre das seguintes Ordens:
- Ordem dos Cavaleiros de Nosso Senhor Jesus Cristo
- Ordem de São Bento de Avis
- Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem de Sant'Iago da Espada
Programa 24
DOM PEDRO II - O PACÍFICO
Pedro II de Portugal
Pedro II | |
---|---|
Rei de Portugal | |
Governo | |
Reinado | 12 de setembro de 1683 — 09 de dezembro de 1706 |
Coroação | 1 de janeiro de 1707, Lisboa |
Consorte | Maria Francisca de Saboia Maria Sofia |
Antecessor(a) | Afonso VI |
Herdeiro | Isabel (filha) João (filho) |
Sucessor(a) | João V |
Casa Real | Bragança |
Dinastia | Bragança |
Título(s) | O Pacífico |
Vida | |
Nascimento | 26 de abril de 1648 |
Lisboa, Reino de Portugal | |
Morte | 9 de dezembro de 1706 (58 anos) |
Alcântara, Reino de Portugal | |
Sepultamento | Panteão dos Braganças, Lisboa |
Filho(s) | Isabel, João, João, Francisco,António, Teresa, Manuel,Francisca, Luísa, Miguel, José |
Pai | João IV |
Mãe | Luísa de Gusmão |
Assinatura |
Pedro II de Portugal (Lisboa, 26 de abril de 1648 — Alcântara, 9 de dezembro de 1706). Foi Rei de Portugal, de 1683 até sua morte, sucedendo ao irmão Afonso VI, vindo já exercendo as funções de regente do reino desde 1668, devido à instabilidade mental do irmão, Afonso VI. Está sepultado no Panteão dos Braganças em São Vicente de Fora. Morreu na Quinta de Alcântara, ou Palácio da Palhavã, de apoplexia. Tinha 58 anos e estava doente apenas há quatro dias.
Dados biográficos iniciais
Terceiro filho do rei D. João IV de Portugal e de Luísa de Gusmão, foi Senhor da Casa do Infantado. Cognominado deO Pacífico, porque em sua regência que se fez a paz com a Espanha (em 1668).
Regente de 1667 a 1683, chegou ao poder por golpe de Estado no qual em 27 de janeiro de 1668 depôs o irmão rei Afonso VI de Portugal[1] . Foi rei por morte deste em 12 de setembro de 1683. Governou portanto de facto de 1667 a 1706. Implacável com o irmão, além de o encarcerar em Sintra, deflagrou processo de anulação do casamento comMaria Francisca Isabel de Saboia, alegando a não-consumação, por inaptidão do rei em sua relação com mulheres, obtendo de Roma e dissolução e casando-se com a cunhada.
Apreciação
Diz Veríssimo Serrão em «História de Portugal», volume IV, página 233: «Um historiador coevo exaltou as suas qualidades físicas, tanto na destreza das armas como no toureio a cavalo, por ter uma agilidade e fortaleza que o predispunham para exercícios de violência. Foi no seu tempo que o palácio de Salvaterra de Magos voltou a ser o local preferido da corte, ali se instalando Pedro II nos meses de Janeiro e Fevereiro, para se dedicar aos desportos da montaria. (…) Senhor de grande memória, o monarca nunca recusava audiência a quem lha pedisse, tanto de dia como de noite, deleitando-se em ouvir os outros e em discutir os assuntos nos mais ínfimos pormenores. Essa qualidade era (…) um dos seus maiores defeitos, porque queria sempre ouvir a opinião dos conselheiros, o que o levava a dilatar a resolução dos problemas. O seu reinado tinha como grande desígnio reconstruir o País abalado pelas lutas da Restauração. Desde 1693 que podia dispor da riqueza aurífera do Brasil, que teria dado a essa obra o arranque decisivo de que Portugal carecia. Mas a participação na guerra sucessória da Espanha foi contrária aos interesses nacionais (…). »
Firmou a aliança inglesa. Consolidou a independência de Portugal, com a assinatura do Tratado de Lisboa em 1668, pondo fim às guerras da Restauração iniciadas em 1640. teve o decisivo apoio da Inglaterra, com base em cláusulas matrimoniais que uniram Carlos II Stuart com a irmã, princesa Catarina de Bragança, em 1661. Portugal cedeu Tânger e Bombaim, comprometeu-se a transferir para os ingleses a maioria das praças recuperadas dos holandeses, repartir ao meio o comércio da canela, instalar famílias inglesas com os mesmos privilégios dos portugueses em Goa, Cochim, Diu, Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro. Em troca a Inglaterra daria suporte militar a Lisboa, protegendo embarcações portuguesas no Mediterrâneo e nas costas de Lisboa e do Porto.
A aliança com os ingleses foi decisiva na consolidação do poder de Pedro, que centralizou o poder da monarquia e dissolveu a excessiva força da nobreza depois da morte de D João IV em 1656.
Sua longa gestão foi de importantes realizações. Em 1671 concedeu liberdade de comércio para os ingleses residentes em Portugal e deu início ao estabelecimento de manufacturas têxteis. Dona Isabel Luísa foi proclamada herdeira do trono nas Cortes de 1674, tendo Pedro promulgado uma carta «sobre as regências e tuutorias dos Reys» para melhor fundar o direito de sua filha.
Em 1674 sua maior preocupação foi melhorar as defesas do Reino, pedindo contribuição da Junta dos Três Estados para o sustento das guarnições de fronteira, seu apetrecho e obras indispensáveis em castelos e fortes marítimos. As Cortes não atenderam a totalidade do pedido, mas o grande receio estava na defesa do litoral. «Os navios da Índia e do Brasil eram o principal objectivo da cobiça», diz Veríssimo Serrão, «História de Portugal», volume V, página 213, de modo que «a Coroa viu-se na obrigação de armar uma frota de 11 barcos. (…) A esquadra saiu do Tejo em 21 de julho de 1675, sob o comando de Pedro Jacques de Magalhães.» «Mas não se viram os resultados de tão custosa empresa».
Obteve autorização papal para a elevação do bispado da Bahia à categoria de arcebispado, e a criação dos bispados em Olinda e no Rio de Janeiro em 1676. Em 1677 foi criado o bispado do Maranhão, subordinado diretamente ao arcebispado de Lisboa. Em 1686, por decreto do Regimento de Missões, foram restringidos os privilégios dos jesuítas nos sertões do Norte. Houve porém resistências ao processo de reordenamento da administração colonial: em 1684 a revolta de Beckman, que sublevou os colonos do Maranhão contra o monopólio da Companhia Geral para o Estado do Maranhão, sufocada; da década de 1680 o levante dos tapuiasem diversas regiões do Nordeste.
Havia um óbice legal ao casamento de sua filha com o primo, o duque de Sabóia: a chamada «lei das Cortes de Lamego» impedia o casamento de uma herdeira com um príncipe estrangeiro, pretenso documento que em 1640 se tornara lei fundamental do Reino. As Cortes convocadas em 1 de novembro de 1679 não tiveram dúvidas em proceder à derrogação. Já então viera a Lisboa o embaixador saboiano, o marquês de Ornano, celebrar o casamento por procuração. Mas tudo ficaria sem efeito na medida em que a embaixada do duque de Cadaval, enviada a Turim, em maio de 1682, não alcançou ou não quis concretizar o projeto, por pressões talvez de Luís XIV sobre a dinastia de Sabóia. Em 1683, aliás, morreriam Afonso VI de Portugal e a rainha Maria Francisca Isabel. Na corte havia um forte partido «francês», chefiado pelo 1º duque de Cadaval, porManuel Teles da Silva, 2º conde de Vilar Maior, futuro marquês de Alegrete, e pelo visconde de Ponte de Lima, mas outros pugnavam por aliança mais próxima com a Espanha. Ao casar-se novamente, Pedro II escolheu a irmã da rainha espanhola, como ela filha de Filipe Guilherme, eleitor palatino do Reno. A nova rainha Maria Sofia de Neuburgo jamais influiu na vida política, mantendo uma atuação discreta e dando ao marido larga descendência.
A descoberta de ouro no sertão de Caeté, nas Minas Gerais, no final do século XVII, deu início a uma fase de prosperidade econômica e a remodelações administrativas, com a criação em 1693 da Capitania de São Paulo e Minas Gerais, e a criação daIntendência das Minas em 1702. Data do período também a destruição do Quilombo dos Palmares (Alagoas) em 1695.
No final do reinado, havia dois grandes problemas no Brasil: a disputa pela colônia do Sacramento que, embora desde 1680 reconhecido território português, foi ocupada pelos espanhóis em 1705; e os primeiros conflitos, desde 1703, entre paulistas e emboabas, concorrentes forasteiros, inclusive reinóis, que chegaram à região das minas em busca de ouro.
Portugal e a política europeia
Numa avaliação geral, seu reinado consolidou a independência de Portugal diante da Espanha, mas foi alto o custo das concessões à Inglaterra: pelo controvertido Tratado de Methuen, de 1703, os panos de lã ingleses passaram a ser livremente comercializados em Portugal, o que levou à estagnação da indústria têxtil do Reino.
Sua política de não-alinhamento tinha como trunfo a presença de embaixadores e agentes nas cortes europeias, e os nomes que se destacaram foram, até 1700, Francisco de Melo, marquês de Sande; Henrique de Sousa Tavares, 1º marquês de Arronches; o doutor José de Faria, na Inglaterra; Duarte Ribeiro de Macedo e Salvador Taborda Portugal, em Paris; Diogo de Mendonça Corte-Real, na Holanda. Diz Veríssimo Serrão: «Foi nessa boa escolha que se formou o mais destacado de nossos diplomatas da primeira metade de Setecentos: Luís da Cunha».
A Guerra da Sucessão Espanhola veio alterar o equilíbrio, pois a sucessão de Carlos II da Espanha, morto em 1700, se revelou enorme problema, na medida em que não teve descendência. O rei deixara por testamento como herdeiro o neto de Luís XIV, Filipe,duque de Anjou. Recusando o facto consumado, Guilherme III da Inglaterra, por meio da Grande Aliança da Haia, formou coligação com Holanda e com o Império, propondo Carlos, arquiduque da Áustria, como candidato ao trono espanhol. Seria difícil a Portugal fugir às pressões externas, e o rei se viu impossibilitado de guardar uma posição neutral, pois as implicações do conflito podiam estender-se à América. Portugal, que começara por reconhecer Filipe de Anjou como Filipe V de Espanha pelo tratado de Paris de 18 de junho de 1701, repensou sua posição, facto para o qual «contribuíram as primeiras derrotas dos franceses em Itália e no Reno», e a ameaça da frota inglesa. Em setembro de 1702 anulou-se o tratado com Luís XIV e graças à intervenção de John Methuen, embaixador da Inglaterra, estabeleceram-se «formas de cooperação que ainda não eram de aberta beligerância por parte de Portugal.» Mas era normal: diz Veríssimo Serrão na obra citada, página 230 do volume V: «Desde 1661 Portugal voltara, na política europeia, a fazer parte da órbita inglesa que garantira o triunfo da Restauração».
Portugal assinou em Lisboa em 16 de maio de 1703 um tratado defensivo com a Inglaterra e Províncias Unidas, outro tratado de aliança ofensiva e defensiva com a rainha Ana de Inglaterra, Leopoldo I da Áustria e os Estados da Holanda. Havia dois artigos secretos: logo que subisse ao trono da Espanha, o arquiduque Carlos entregaria a Portugal a título perpétuo as praças fronteiras de Badajoz, Albuquerque, Valença de Alcântara, Tui, Baiona de Galiza e Vigo; e na América do Sul, as terras da margem setentrional do rio da Prata, o qual ficaria a constituir o limite das duas coroas.
Aclamado rei da Espanha como Carlos III em Viena em 12 de setembro de 1703, o arquiduque Carlos entendeu fazer de Portugal a base das operações contra seu adversário e desembarcou em Lisboa a 9 de março de 1704. Deixou a cidade no ano seguinte numa esquadra inglesa para se fixar na Catalunha, pois a morte do imperador Leopoldo I, em 5 de maio, o forçava a se aproximar da Áustria e do norte da Itália. A ofensiva aliada começou com António Luís de Sousa, 4º marquês das Minas e Dinis de Melo e Castro, 1º conde das Galveias, que comandavam respectivamente a Beira e o Alentejo. Valência de Alcântara se rendeu ao segundo em 8 de maio de 1705. Fernando de Mascarenhas, futuro marquês de Fronteira, foi outro nome a destacar na guerra. A 28 de junho o exército português chegou a entrar triunfante em Madrid, onde Carlos III foi aclamado. Mas seu nome não tinha qualquer ressonância nas populações, e Filipe V recebia constantes socorros dosPirenéus e beneficiava da realeza em exercício.
No Brasil
Fixou as bases de sua política no Brasil em dois pontos principais: o da pesquisa de metais e pedras preciosas e da extensão da fronteira da colônia às margens dorio da Prata. Enviou o visconde de Barbacena ao Brasil com instruções especiais para incentivas as explorações mineiras, e era tal a reputação dos paulistas que o Príncipe Regente, instado por Barbacena, escreveu a doze dos principais sertanistas piratininganos, a quem proporcionou a «incomparável honra» de uma interpelação direta, convocando-os ao emprego do seu real serviço. Alguns eram do maior prol, como Fernão Dias Paes Leme, Francisco Dias Velho, Lourenço Castanho Taques.[carece de fontes]
Sob seu reinado foi criada a Casa da Moeda da Bahia, inaugurada em 8 de março de 1694. Pedro II cedeu seus direitos de senhoriagem, tributo a ele devido, para o melhor funcionamento desta instituição, que cunhou as primeiras moedas brasileiras para uso da própria colônia em 1695. Estas moedas de 4000 e 2000 réis, em ouro e 640, 320, 160, 80, 40 e 20 réis, em prata; ampliaram e diversificaram o meio circulante no Brasil.
Últimos anos
Desde 1703 o rei passava épocas de profunda sonolência que os médicos atribuíam a um «defluxo de estilicido», ou seja, grave infecção da laringe. A 5 de dezembro de 1706 foi acometido de um «pleuriz legítimo» que derivou num ataque apoplético, com o qual perdeu os sentidos. Não resultou a sangria nos pés e, no dia 9, o ataque se tornou fatal. Acredita-se hoje em doença hepática, pois a autópsia achou «hua parte do fígado torcida e se lhe acharão 25 pedras no fel».
Está sepultado em Lisboa no Panteão dos Braganças.
Títulos, estilos, e honrarias
Estilo real de tratamento de Pedro II de Portugal | |
Brasão de armas do Reino de Portugal (1640-1910)
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Estilo real | Sua Majestade |
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Tratamento directo | Vossa Majestade |
Estilo alternativo | Senhor |
Títulos e estilos
- 26 de Abril de 1648 – 27 de Janeiro de 1668: Sua Alteza, O Sereníssimo Infante Pedro de Portugal
- 27 de Janeiro de 1668 – 12 de Setembro de 1683: Sua Alteza Real, O Príncipe Regente
- 12 de Setembro de 1683 – 9 de Dezembro de 1706: Sua Majestade, O Rei de Portugal e dos Algarves
O estilo oficial de D. Pedro II enquanto Rei de Portugal:
Pela Graça de Deus, Pedro II, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc.
Pela Graça de Deus, Pedro II, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc.
Honrarias
Enquanto monarca de Portugal, D. Pedro II foi Grão-Mestre das seguintes Ordens:
- Ordem dos Cavaleiros de Nosso Senhor Jesus Cristo
- Ordem de São Bento de Avis
- Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem de Sant'Iago da Espada
- Antiga e Muito Nobre Ordem da Torre e Espada
Genealogia
Ascendência
[Expandir]Ancestrais de Pedro II de Portugal |
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Descendência
Nome | Retrato | Longevidade | Notas |
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Havidos de Maria Francisca de Sabóia (21 de Junho de 1646 – 27 de Dezembro de 1683; casados a 2 de Abril de 1668) | |||
Isabel Luísa, Princesa da Beira | 6 de Janeiro de 1669 – 21 de Outubro de 1690 | Como filha mais velha de D. Pedro II, assumiu o título dePrincesa da Beira. Herdeira presuntiva ao trono, até ao nascimento do irmão, o Príncipe D. João. O pai procurou casá-la com numerosas cabeças coroadas, esforço que não logrou nunca concretizar - o que lhe valeu o epíteto de "a Sempre-Noiva". | |
Havidos de Maria Sofia, Condessa Palatina de Neuburgo (6 de Agosto de 1666 – 4 de Agosto de 1699; casados a 11 de Agosto de 1687) | |||
João de Bragança, Príncipe do Brasil | 30 de Agosto de 1688 – 17 de Setembro de 1688 | Feito Príncipe do Brasil e declarado novo herdeiro da coroa, mas viria a falecer decorridas pouco mais de duas semanas. | |
João V de Portugal | 22 de Outubro de 1689 – 31 de Julho de 1750 | Rei de Portugal de 1706 a 1750. Casou-se com Maria Ana de Áustria. O casamento produziu seis filhos. | |
Francisco, Duque de Beja | 25 de Maio de 1691 – 21 de Julho de 1742 | 7.º Duque de Beja, Condestável de Portugal, Prior do Crato e 2º Senhor da Casa do Infantado. Celibatário, deixou dois filhos de Mariana da Silveira, freira. | |
Infante D. António Francisco | 15 de Março de 1695 – 20 de Outubro de 1757 | Irmão dilecto do rei João V de Portugal, mas viveu sempre retirado da Corte. Aquando da morte do seu irmão D. Francisco de Bragança, em 1742, D. António reclamou para si a sucessão na chefia da Casa do Infantado, que viria contudo a ser entregue ao seu sobrinho D. Pedro, filho de D. João V, o que muito agravou a relação entre os dois irmãos. Nunca casou, nem deixou filhos. | |
Infanta D. Teresa | 24 de Fevereiro de 1696 – 16 de Outubro de 1704 | Faleceu com oito anos, de "bexigas malignas". | |
Infante D. Manuel Bartolomeu | 3 de Agosto de 1697 – 3 de Agosto de 1766 | Levou uma vida aventureira: durante mais de 20 anos percorreu as grandes capitais europeias. Bem conhecido nas Cortes da Áustria e da Rússia, chegou a ser pretendente à Coroa da Polónia em 1733, quando rebentou a Guerra da Sucessão Polaca. | |
Infanta Francisca Josefa | 30 de Janeiro de 1699 – 15 de Julho de 1736 | Nunca casou, nem deixou filhos. | |
Havidos de Maria da Cruz Mascarenhas, moça de varrer e criada de uma dama da Câmara no Paço | |||
Infanta Luísa de Bragança | 9 de Outubro de 1679 – 23 de Dezembro de 1732 | Legitimada por carta de 25 de Maio de 1691. Casou, em primeiras núpcias, com D. Luís Ambrósio Pereira de Melo, 2.º duque de Cadaval, e, em segundas núpcias, com o cunhadoD. Jaime Álvares Pereira de Melo, 3.º duque do Cadaval. Não houve descendência de nenhum dos casamentos. | |
Havidos de Anne Marie Armande Pastré de Verger, francesa | |||
Miguel de Bragança, Duque de Lafões | 15 de Outubro de 1699 – 13 de Janeiro de 1724 | Legitimado em 1704. Fundador da Casa de Lafões. Casou-se com D. Luísa Casimira de Sousa Nassau e Ligne em 1715. Do casamento, nasceram três filhos. | |
Havidos de Francisca Clara da Silva | |||
Infante José Carlos, Arcebispo de Braga | 6 de Maio de 1703 – 3 de Junho de 1756 | Legitimado. Licenciou-se na Universidade de Évora emTeologia, tendo sido eleito Arcebispo de Braga em 1739(embora sagrado somente em 1741). |
Crónica de Faria e Sousa, 1730
A Crónica de Faria e Sousa, de 1730, refere o seguinte: "Passatempos ordinários seus eram os exercícios corporais: caça, touros em Salvaterra, no Alentejo, a 12 léguas de Lx. Um dos melhores ginetes do Reino, quando todos os nobres toureavam como o rei. Em seu reinado, houve duas batalhas, Villaviciosa e Albuquerque, que perderam os Espanhóis por ser inferiores em gente mas não falta de valor, e quedaram os portugueses mui ufanos porque não estavam acostumados a ganhar. Paz com a Espanha em 23 de fevereiro de 1668. Houve depois a Guerra da Sucessão da Espanha: morto Carlos II aos 39 anos em 1 de novembro de 1700, por seu testamento de 21 de outubro o sucessor era Filipe de França, duque de Anjou, neto de Luis XIV, filho segundo do Delfim. Em 1701 Pedro assinou tratado de aliança ofensiva e defensiva com Espanha e França. Dois anos depois, «le obligaron sus inimigos a unirse con la Casa de Austria» e a fazer tratado semelhante com os Aliados inimigos de duas Coroas. Em 26 de maio de 1703, com partido do Imperador Leopoldo I, entrou com Vítor Amadeu II, duque de Saboia, na grande aliança concluída na Haia em 7 de setembro de 1701 com Guilherme III da Grã-Bretanha e mais os Estados Gerais das Províncias Unidas dos Países Baixos. Morreu de apoplexia em 9 de dezembro de 1706. A primeira rainha (casamento com seu irmão anulado em 24 de março de 1668, casados a 2 de abril seguinte) morrera em Palhavã a 27 de dezembro de 1683 aos 38 anos. A segunda mulher morreu a 4 de agosto de 1699 aos 33 anos. Em março de 1704 chegou a Lisboa o segundo filho do imperador Leopoldo I (morto em 5 de maio de 1705 aos 65 anos), Carlos (futuro Carlos III de Espanha), recebido com muitos agasalhos. Sitiada Barcelona, foi obrigado a se retirar em 12 de maio de 1706 perdendo na ocasião toda a artilharia.»
Programa 25
DOM JOÃO V - O MAGNÂNIMO
João V de Portugal
João V de Portugal | |
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Rei de Portugal |
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Retrato de João V em 1729, por Jean Ranc. | |
Governo | |
Reinado | 09 de dezembro de 1706 — 31 de julho de 1750 |
Coroação | 1 de janeiro de 1707, Lisboa |
Consorte | Maria Ana de Áustria |
Antecessor(a) | Pedro II |
Herdeiro | José I (filho) |
Sucessor(a) | José I |
Casa Real | Bragança |
Dinastia | Bragança |
Título(s) | O Magnânimo |
Vida | |
Nome completo | João Francisco António José Bernardo de Bragança |
Nascimento | 22 de outubro de 1689 |
Lisboa, Reino de Portugal | |
Morte | 31 de julho de 1750 (60 anos) |
Lisboa, Reino de Portugal | |
Sepultamento | Panteão dos Braganças, Mosteiro de São Vicente de Fora, Lisboa |
Filho(s) | D. Maria Bárbara D. Pedro José I D. Carlos Pedro III D. Alexandre D. António D. Gaspar D. José D. Maria Rita D. Joana |
Pai | Pedro II de Portugal |
Mãe | Maria Sofia de Neuburgo |
Assinatura |
João V de Portugal (João Francisco António José Bento Bernardo de Bragança; 22 de Outubro de 1689 — 31 de Julho de 1750), dito o Magnânimo, foi o vigésimo-quarto Rei de Portugal desde 1 de Janeiro de 1707 até à sua morte.
O seu longo reinado de 43 anos foi o mais rico da História de Portugal, profundamente marcado pela descoberta de ouro no Brasil no final do século XVII, cuja produção atingiu o auge precisamente na última década do seu reinado.
A primeira e última década do reinado foram marcadas por guerras:
- a Guerra da Sucessão Espanhola, que levara à tomada de Madrid em 1706, e levou à Batalha de Almansa no primeiro ano do seu reinado, e ainda a combates em África, na América, e na Ásia contra os franceses;
- mais tarde as campanhas navais contra os turcos no Mediterrâneo, que levaram à vitória na Batalha de Matapão em 1717;
- as guerras que Portugal ao mesmo tempo travava no Oriente, na Arábia e na Índia, contra estados asiáticos, nomeadamente contra o Império Marata e os árabes de Omã.
O longo reinado de D. João V pode de certo modo dividir-se em dois
períodos: uma primeira metade em que Portugal teve um papel activo e de
algum relevo na política europeia e mundial, e uma segunda metade, a
partir da década de 1730, em que a aliança estratégica com a Grã-Bretanha gradualmente assumiu maior importância, e o reino começou a sofrer uma certa estagnação.
Como rei, D. João V sempre tentou projectar Portugal como uma
potência de primeira grandeza, principalmente nas primeiras décadas do
reinado. Exemplos disso são as faustosas embaixadas que por motivos
vários enviou ao imperador Leopoldo I em 1708, a Luís XIV da França em 1715, ao papa Clemente XI em 1716, ou ainda ao Imperador da China em 1725. Outro exemplo foi o litígio que manteve com a Santa Sé na década de 1720, sobre a questão do cardinalato a atribuir ao núncio apostólico na capital portuguesa.
D. João V foi um grande edificador, e dotou principalmente a capital
portuguesa de numerosas construções. Fomentou o estudo da história e da língua portuguesa, mas falhou em melhorar de forma significativa as condições da manufactura
em Portugal, e gastou a maior parte da sua riqueza nos edifícios que
construiu. Por ironia do destino, a maior parte deles desapareceria
pouco depois da sua morte, no grande Terramoto de 1755.
Os principais testemunhos materiais do seu tempo são hoje, o Palácio Nacional de Mafra, a Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra, o Aqueduto das Águas Livres em Lisboa, e a principal parte da colecção do Museu Nacional dos Coches, talvez a mais importante a nível mundial, também na capital portuguesa. No campo imaterial, merece destaque a extinta Academia Real da História Portuguesa, precursora da actual Academia Portuguesa da História, e ainda a criação do Patriarcado de Lisboa, um dos três patriarcados do Ocidente da Igreja Católica.
O último feito diplomático do reinado de D. João V, o Tratado de Madrid de 1750, estabeleceu as fronteiras modernas do Brasil. Vestígios do seu tempo no Brasil são cidades como Ouro Preto, então a capital do distrito do ouro das Minas Gerais, São João del-Rei, assim nomeada em sua honra, Mariana, que recebeu o nome da rainha, São José, a que foi dada o nome do príncipe herdeiro (hoje Tiradentes), e numerosas outras cidades, igrejas e conventos da era colonial.
Resumo biográfico
D. João V nasceu em 22 de Outubro de 1689 em Lisboa, à beira do rio Tejo no Paço da Ribeira, e morreu no mesmo lugar em 31 de Julho de 1750. Encontra-se sepultado no Panteão dos Braganças, na Igreja de São Vicente de Fora, na mesma cidade.
O rei era filho de D. Pedro II e de D. Maria Sofia, condessa palatina de Neuburgo. Tinha apenas um ano de idade quando por morte de seu irmão mais velho foi proclamado príncipe herdeiro de Portugal a 30 de Agosto, em ato solene na presença da Corte. Foi jurado Príncipe do Brasil
a 1 de Dezembro de 1697, e por morte de seu pai tornou-se o 24.º rei de
Portugal a 9 de Dezembro de 1706. Subiu ao trono, solenemente aclamado,
no dia 1 de Janeiro de 1707. De notar que segundo a tradição iniciada
por seu avô D. João IV na altura da Restauração, não foi coroado, coroando-se em vez com a coroa real uma estátua de N. Sr.a da Conceição como Padroeira do Reino.
Em 1696 o Príncipe do Brasil foi armado cavaleiro da Ordem de Cristo por seu pai. Na sua infância teve como tutora a tia-avó, a rainha D. Catarina de Bragança, esposa de Carlos II de Inglaterra, que depois de enviuvar regressara a Portugal, e assumiu a responsabilidade pela educação do jovem príncipe herdeiro. Depois de subir ao trono, D. João V casou em 1708 com Maria Ana de Áustria, filha do imperador Leopoldo I da Áustria e irmã do seu aliado na Guerra da Sucessão Espanhola. O casal teve seis filhos, foi sucedido por um deles, D. José I.
Como qualquer monarca à época, D. João V estava interessado em
fortalecer o prestígio internacional do seu reino. Ao longo de todo o
seu reinado, mas principalmente nas duas primeiras décadas, D. João V
sempre tentou afirmar Portugal como uma potência de primeiro plano,
usando para isso as duas linguagens da época em que vivia: a das armas, e
principalmente, no seu caso, a magnificência típica da era do absolutismo. Ganhou por isso o cognome de Magnânimo; é também por vezes conhecido como o Rei-Sol português.
Nos últimos anos de vida sofreu vários ataques de paralisia, que o
debilitaram no governo. Não obstante a sua vida pessoal incluir
conhecidas relações com várias freiras ao longo da vida, das quais teve
vários filhos ilegítimos, receberia ainda do Papa o título honorífico de
Fidelíssimos em 1748.
Uma avaliação moderna resume sobre D. João V:
“[...] era senhor de uma vasta cultura, bebida na infância com os Padres Francisco da Cruz, João Seco e Luís Gonzaga, todos da Companhia de Jesus. Falava línguas, conhecia os autores clássicos e modernos, tinha boa cultura literária e científica e amava a música. Para a sua educação teria contribuído a própria mãe, que o educou e aos irmãos nas práticas religiosas e no pendor literário [...] Logo na cerimónia da aclamação se viu o Pendor Régio para a Magnificência. Era novo o cerimonial e de molde a envolver a figura de Dom João V no halo de veneração com que o absolutismo cobria as Realezas.”[1]
Início do reinado
O ouro do Brasil
Nenhum acontecimento marcaria tanto o reinado de D. João V como o
achado de ouro numa remota região do interior do Brasil em meados da
década de 1690, quando ele era ainda Príncipe do Brasil.
O ouro mineiro começou a chegar a Portugal ainda no final dessa década.
Em 1697, o embaixador francês Rouillé mencionou a chegada de ouro
"peruano", citando 115,2 kg. Dois anos volvidos, em 1699, teriam chegado
725 kg de ouro a Lisboa; e em 1701 a quantidade terá já aumentado para
1785 kg. A economia da colónia entrava no chamado ciclo do ouro,
e a exploração do ouro do motivaria, logo no início do seu reinado, os
conflitos de 1707-1709 na região das minas conhecidos como a Guerra dos Emboabas.
Desde então, a quantidade de ouro minado no Brasil continuou a
aumentar durante a primeira metade do reinado, para se estabilizar na
última década do mesmo. Apenas no reinado seguinte começou a produção
aurífera a declinar, o que, juntamente com o Terramoto de 1755,
seria desastroso para Portugal. Mas enquanto D. João V vivia não se
adivinhavam problemas futuros: certos anos chegaram mais de vinte
toneladas de ouro a Lisboa, e em valores médios, todos os anos durante o
seu longo reinado entravam em Portugal mais de oito toneladas de ouro
do Brasil. E na década de 1720 foram ainda encontrados diamantes em
grandes quantidades, na região da vila colonial hoje chamada Diamantina.
Guerra da Sucessão Espanhola
Quando se iniciou o Reinado em 1707, estava-se em plena Guerra da Sucessão Espanhola (1701-1714), uma guerra que D. João V herdou de seu pai. Nesta, depois do Tratado de Methuen de 1703, Portugal alinhara com a rainha Ana da Grã-Bretanha e o imperador Leopoldo I contra a Espanha e a grande potência continental, a França. Uma grande armada anglo-holandesa tinha chegado a Lisboa em 1704, com o filho do imperador, o arquiduque Carlos
a bordo e um exército para, juntamente com tropas portuguesas, invadir
Espanha via Portugal. No contexto da invasão que se preparava na
península, tinha-se evacuado a praça da Colónia do Sacramento, no Rio da Prata em frente a Buenos Aires, em 1705.[2]
Em 1706, o ano antes de subir ao trono, Portugal viu o seu exército, comandado pelo Marquês das Minas e auxiliado por batalhões ingleses e holandeses às ordens do Conde de Galway, invadir a Espanha, pela fronteira de Ciudad Rodrigo. O exército confederado tomou depois Salamanca na sua marcha a caminho da capital de Espanha. Em Junho Portugal tinha conquistado Madrid
para o arquiduque Carlos ― a primeira e única vez na história que um
exército português tomou a capital espanhola. O arquiduque chegou a ser
coroado Rei de Espanha, mas o exército confederado viu-se forçado a
retirar para sul pouco depois.
Batalha de Almansa e reformas militares
Quando o rei subiu ao trono o exército português estava na Catalunha,
ainda comandado pelo Marquês das Minas e apoiado por tropas inglesas e
holandesas ao mando de Galway. Mas ao fim de longas manobras que o
levaram muito para sul, travou-se uma importante batalha a 25 de Abril
de 1707 em Almansa, na fronteira entre La Mancha, Valencia e Murcia, contra o exército franco-espanhol do Duque de Berwick. Na Batalha de Almansa,
a sorte não esteve do lado das armas portuguesas, e o exército
anglo-luso sofreu uma pesada derrota contra as forças franco-espanholas.
No seguimento, a vila fronteiriça espanhola de Valência de Alcântara foi reconquistada pelo inimigo, que ainda, às ordens do Duque de Ossuna, atacou a fronteira do Alentejo e conquistou Serpa e Moura um mês depois.
D. João V aproveitou esta derrota para realizar importantes reformas
na administração e no exército. No dia da sua aclamação, a 1 de Janeiro,
tinha já nomeado D. Tomás de Almeida, bispo de Lamego e futuro Patriarca de Lisboa, para o importante cargo de escrivão da puridade. Três dias depois da derrota, despediu vários velhos conselheiros de D. Pedro II, e nomeou Diogo de Mendonça Corte-Real Secretário de Estado.
Simultaneamente, deu-se início a uma reforma do exército, que teria
como resultado as Ordenações Militares de 1707, em que os velhos terços foram transformados em modernos regimentos e o velho posto de mestre de campo passou a ser designado coronel.
De forma semelhante, o velho Terço da Armada da Coroa de Portugal, a
mais antiga unidade militar permanente de Portugal (1618), foi
transformado em dois Regimentos da Armada.
Ainda no mesmo ano, e também como resultado da guerra em que o reino se encontrava, a Aula de Fortificação e Arquitetura Militar
foi transformada na Academia Militar da Corte. Esta era apenas uma de
várias “aulas” em Portugal e no Ultramar; poucos anos antes, tinham sido
criadas várias aulas semelhantes, em Viana do Castelo (1701), e, no Brasil, em Salvador (Bahia) (1698), no Rio de Janeiro (1698), no Recife (Pernambuco) (1701) e em São Luís (Maranhão) (1705).
D. João V quis assim promover os estudos militares, assistindo
pessoalmente a actos solenes dos exames, e mandando ainda traduzir e
imprimir algumas obras de fortificação e artilharia ― como por exemplo a
Fortificação Moderna, do contemporâneo Johann Friederich
Pfeffinger (1667-1730). Mais tarde, em 1732, estabeleceria ainda
academias militares nas duas principais praças fronteiriças de Portugal:
Elvas, no Alentejo, e Almeida, nas Beiras.
O final do ano foi no entanto marcado por mais um revés para as
aspirações militares portuguesas, quando uma grande frota inglesa de
perto de cento e cinquenta embarcações, que trazia reforços para
Portugal depois da derrota de Almansa e vinha escoltada por seis naus de
guerra inglesas, foi desbaratada perto do Cabo Lizard pelas esquadras francesas de Duguay-Trouin e do contra-almirante conde de Forbin.
Casamento
Como resultado da Guerra da Sucessão Espanhola e da aliança com a
Áustria, e ainda da presença do Arquiduque Carlos em Portugal, D. João V
pediu a mão de sua irmã, a arquiduquesa Maria Ana de Áustria, filha do imperador Leopoldo I (1640-1705) e de sua terceira mulher, em casamento em 1707. De notar que a arquiduquesa era prima materna do rei de Portugal.
O Conde de Vilar Maior foi enviado por mar como embaixador extraordinário à corte austríaca. Chegando aos Países Baixos,
fez então o percurso por terra até Viena, onde chegou a 21 de Fevereiro
de 1708. Mas o embaixador apenas fez entrada pública a 6 de Junho, dia
de Corpus Domini, porque esperava coches de gala encomendados nos Países Baixos para a ocasião.[3]
Antes de fazer a entrada pública, o conde recebeu audiência particular
do imperador, da imperatriz sua mulher e da imperatriz viúva; dias
depois também lhe foi concedida audiência das arquiduquesas. A imponente
cerimónia da apresentação contou com dois coches do imperador,
conduzidos pelo marechal da corte, e mais quarenta e dois coches,
tirados a seis cavalos, pertencentes aos principais nobres da corte. O
casamento realizou-se a 9 de Julho, na Catedral de Santo Estêvão,
com o imperador a representar D. João V. A nova rainha de Portugal foi
então trazida a Lisboa a bordo da armada de catorze naus do Conde de
Vilar Maior, que no caminho tocou em Portsmouth na Inglaterra, onde houve festejos em honra do casamento do rei aliado.
Chegada a rainha a Lisboa, houve fogos de artifício no Terreiro do Paço,
e armou-se um anfiteatro, onde em três tardes sucessivas se realizaram
corridas de touros. Houve ainda preparações extraordinárias para a
bênção nupcial, a 28 de Outubro, com arcos de triunfo e enorme
magnificência, e toda a Corte sofreu uma profunda alteração:
“Capela sob D. João IV, cavalariça sob D. Afonso VI, mosteiro sob D. Pedro II, a corte de D. João V surgiu, nova, e se formaram dois partidos; o da moda nova, chefiado pelo Conde da Ericeira, homem elegante e jovial que queria que as senhoras se deixassem ver e conversassem nas antecâmaras, que jogassem e bailassem; e o da moda velha, pelo Conde de Vimioso, azedo e formalista, devoto e taciturno, o lar igual a um mosteiro, a virtude igual a clausura, a mulher igual ao diabo; pregando retiro, silêncio e recato e detestando o comércio entre senhoras e cavalheiros. No dia de São Carlos [4 de Novembro], as salas dos Tudescos, dos Embaixadores e dos Leões se abriram e inundaram de luz, enchendo-se de panos de rás, as damas entraram aos bandos, tímidas, acanhadas, pois pela primeira vez desde D. Manuel homens e mulheres se cortejaram nas salas do Paço. A rainha tocou cravo; dançou a infanta D. Francisca, gorda, corada e empoada. Desde esse dia, houve profunda modificação na moral da Corte, sedução, graça, elegância, intriga.”[4]
O resultado deste casamento, e destas festas, logo se fez sentir: a 10 de Novembro do mesmo ano o Conde da Ribeira Grande escreveu em carta a D. Luís da Cunha: “Houve um baile no dia de São Carlos em que dançaram e cantaram as Damas do Paço na presença de Damas e Fidalgos; El-Rei está teimando em estrangeirar o nosso país e não sei até onde acabará.”
O casal real teve seis filhos, entre os quais a rainha de Espanha D. Bárbara, esposa de Fernando VI de Espanha, o sucessor D. José, e D. Pedro III, marido de D. Maria I.
O saque do Rio de Janeiro
Entretanto continuava a Guerra da Sucessão Espanhola. Depois de
Almansa a participação portuguesa resumira-se a acções fronteiriças de
menor envergadura. Vital para a coroa neste período era garantir a
segurança das armadas do Brasil, grandes frotas de cinquenta a cento e
cinquenta naus, que anualmente traziam açúcar, tabaco, e o cada vez mais
importante ouro da província ultramarina, escoltadas por esquadras de
meia dúzia de naus de guerra.[5]
Em 1710 o corsário francês Jean-François Duclerc tentou, com seis navios, atacar o Rio de Janeiro, porto de embarque do ouro. Foi no entanto repelido pelas fortalezas da barra ao tentar entrar na Baía de Guanabara,
e ao tentar depois um desembarque numa praia mais afastada e logo uma
marcha sobre a cidade sofreu uma pesada derrota, sendo aprisionado.
Mas logo René Duguay-Trouin,
que já antes em 1706 com três naves tentara sem sucesso capturar
algumas naus da frota do Brasil, mas fora posto em fuga pela escolta de
seis naus da Armada Real portuguesa,[6] e que em 1707 desbaratara a frota inglesa do comboio de Portugal, deu provas do seu talento militar.
No ano seguinte, em 1711 ― ano em que a vila de São Paulo
recebeu o estatuto de cidade ―, fazendo uso de relatos vários sobre os
ventos, as correntes, e as fortificações do Rio de Janeiro,
Duguay-Trouin esperou ao largo da cidade, com uma esquadra financiada
quer pelo rei, quer por privados, pelas condições ideais para atacar a
cidade. Na madrugada de 12 de Setembro de 1711, com o vento e a corrente
a favor, e o Rio coberto de neblina matinal, avançou sobre a cidade com
uma esquadra de sete naus de guerra e seis fragatas. Graças às
condições apenas teve que suportar poucas salvas das fortalezas da
barra, que no ano anterior tinham afugentado Leclerc. Os franceses
penetraram então na baía de Guanabara, e após um bombardeamento e
desembarque lograram conquistar a cidade. Após dois meses de ocupação, o
governador do Rio de Janeiro aceitou, sob ameaça de destruição da
cidade, pagar um resgate de 610.000 cruzados.[7] A expedição de Duguay-Trouin teve assim um êxito comparável ao saque de Cartagena das Índias em 1697 pelo barão de Pointis ― e nefastas consequências para as finanças de D. João V.
Na península, os portugueses no mesmo ano reconquistaram a praça de Miranda do Douro, em Março, e viram cercadas as praças de Campo Maior e Elvas, na fronteira do Alentejo, por exércitos espanhóis. No final do ano, nasceu a infanta D. Maria Bárbara de Bragança, a futura rainha de Espanha, que anos mais tarde fez parte da chamada Troca das Princesas em 1729.
A paz: Tratado de Utrecht
Com a morte do imperador José I a 17 de Abril de 1711, o seu irmão, o arquiduque Carlos, cunhado de D. João V, subiu ao trono imperial como Carlos VI.
Isto desequilibrou-se o sistema de alianças europeu e significou o fim
da Guerra da Sucessão Espanhola, visto ser impensável o imperador da
Áustria ser também rei de Espanha.
Na cidade flamenga de Utrecht juntaram-se os ministros dos dois blocos. Portugal, representado pelo Conde de Tarouca e por D. Luís da Cunha, assinou uma paz separada com a França
a 11 de Abril, no mesmo dia em que a maioria dos outros Estados assinou
a paz geral. A paz com Espanha, no entanto, apenas viria a ser assinada
a 6 de Fevereiro de 1715. Nos artigos do tratado de paz, ſolida e perpetua com verdadeira e ſincera amizade, podemos ler:
Art.o III: ”Amniſtia para todas as peſſoas, aſſim Officiaes como ſoldados, e quaesquer outras...” / Art.o IV: ”Todos os Priſioneiros, e Refens de huma e outra parte ſeraô reſtituidos...” / Art.o V: ”As Praças, Caſtellos. . . Territorios e Campos pertencentes ás duas Coroas. . . ſeráô reſtituïdas inteiramente ſem reſerva, de ſorte que as Rayas, e Limites das duas Monarquias fiquem no meſmo eſtado que antes da preſente Guerra.” / Art.o IX: ”As Praças de Albuquerque e Puebla ſe entregaráô no meſmo eſtado em que ſe achaô. . . igualmente a respeito do Castello de Noudar, e Colonia do Sacramento.” / Art.o X: ”Os Moradores deſtas Praças, ou de quaesquer outros Lugares occupados na preſente guerra, que naô quiserem ali ficar, podéraô retirarſe das ſobreditas partes, vendendo e diſpondo dos ſeus bens de Raïz e moveis...” / Art.o XI: ”Os bens confiſcados reciprocamente por cauſa e razaô da preſente Guerra, seráô reſtituïdos aos antigos Poſſuïdores, ou a ſeus herdeiros...” [8]
Outros artigos determinaram por exemplo que o rei espanhol reconhecia
uma dívida de seiscentas mil patacas a D. João V, a ser paga ”...em
tres pagamentos iguaes e conſecutivos. . . O Primeiro ſe fará com a
chegada a Heſpanha da primeira frota, flotilha, ou galioens que
vierem...”;[9]
que as duas coroas respeitariam reciprocamente os respectivos e
importantes monopólios do tabaco, em todos os seus domínios
ultramarinos; que as duas nações voltariam a abrir o comércio, para o
estado em que este se achava antes da guerra; que voltariam a abrir os
seus portos a naus mercantes e de guerra vizinhas, no máximo de seis
naus de guerra em portos maiores, e três em portos menores, ”...e ſe
conſtragidos de tormentas, ou alguma urgente neceſſidade entrarem ſem
pedir licença, seraó obrigados a dar logo parte da sua chegada. . .
pondo grande cuidado em naô fazer dano, ou prejuizo algum ao dito Porto”,[10] etc.
Isto é, tudo voltou ao status quo ante.
No entanto, os diplomatas de D. João V falharam em negociar com
precisão o Artigo VI e várias outras passagens relevantes a este, sobre a
Colónia do Sacramento. Isto forçaria D. João V, vinte anos mais tarde, a
reagir com força militar para resolver este problema.
Quanto aos franceses, a paz pôs fim a certos litígios com a França na Amazónia, que a França ambicionava a partir da Guiana francesa, e onde os portugueses tinham fundado a futura Manaus.[11]
. No entanto, devido às distâncias e ao consequente atraso de
comunicações, o último combate entre portugueses e franceses travou-se
já depois do tratado de paz em 1713, no Oriente: a fragata Nossa Senhora da Nazareth, de 40 peças, tendo largado de Macau rumo a Goa em Dezembro de 1713, encontrou uma nau de 54 peças e uma fragata de 36 peças francesas, ao comando de Henri Bouynot, no estreito de Malaca
em Janeiro de 1714. Após um combate que durou três dias e duas noites,
os franceses afastaram-se; a nau francesa ficou tão danificada no
encontro com a fragata portuguesa que teve posteriormente que ser
abandonada por Bouynot.[12]
Vários combates semelhantes indicam que os oficiais e marinheiros da
Armada Real de D. João V nada ficavam a dever aos franceses.
Sem quaisquer ganhos após o esforço bélico, aprendeu D. João V com a
guerra a não dar um apreço muito grande às questões europeias e à
sinceridade dos acordos; daí em diante permaneceu fiel a seus interesses
atlânticos, comerciais e políticos, reafirmando a aliança com a
Grã-Bretanha. Em relação ao Brasil, que foi sem dúvida a sua principal
preocupação, e cuja população crescia exponencialmente nesta época, o
rei ampliou os quadros administrativos, militares e técnicos, tudo com
vistas a evitar o descaminho dos quintos do ouro,
o imposto que era parte fundamental da economia de Portugal. Reformou
ainda os impostos, e ampliou a cultura do tabaco e do açúcar em terras
brasílicas, sobre as quais o Duque de Cadaval lhe pôde escrever, com todo o acerto: “...pois do Brazil depende hoje absolutamente muita parte da conservação de Portugal.” [13]
Apesar de tudo isto, Portugal teve por vezes dificuldades económicas,
devidas em parte ao contrabando do ouro, em parte às prioridades
económicas de D. João V, e em parte às dificuldades do Estado da Índia.
Poder global: guerras no Oriente
No início do reinado de D. João V, enquanto se lutava na Europa e no
Novo Mundo, os portugueses, como potência mundial que então eram, também
estavam envolvidos em guerras no Oriente.[14]
Na Índia, o ano em que D. João V subiu ao trono marcou o início do colapso do Império Mogol, que tradicionalmente mantivera boas relações com Portugal; este entrou em rápida decadência após a morte de Aurangzeb em 1707. Em vez deste, aumentou o poder do Império Marata,
forte inimigo dos portugueses desde o final do século XVII. Como
resultado, durante practicamente todo o reinado de D. João V os
portugueses encontraram-se em guerra contra os maratas. O almirante da
armada marata, pelos portugueses chamado Angriá, e seus filhos e
sucessores, foram, principalmente durante as duas primeiras décadas do
século, uma frequente ameaça à navegação portuguesa (e inglesa) na costa
indiana.[15]
Outro inimigo eram os árabes de Mascate,
velha possessão portuguesa para eles perdida em 1650. No início do
século XVIII estes estavam no auge do seu poder, tendo conquistado
praças na costa da África Oriental até Zanzibar, incluindo a portuguesa Mombaça,
fugazmente reconquistada pelos portugueses em 1729. Practicamente todos
os anos os portugueses enviavam uma esquadra ― a chamada Armada do
Estreito ― de Goa ao golfo de Omã e estreito de Ormuz, para proteger o seu comércio com a Pérsia e tentar evitar que as esquadras de Omã saíssem e alcançássem o mar Arábico.[16]
Batalha de Surate
O auge da guerra que moviam os árabes de Omã aos Portugueses na Índia
atingiu-se entre 1714 e 1719. Em 1714 uma forte esquadra árabe de sete
naus alcançou o porto neutral de Surate, no golfo de Cambaia, principal porto do Império Mogol. Em vez de seguir viagem para sul, para atacar a navegação portuguesa no mar Arábico
como era seu costume, tiveram que se manter no porto para reparar duas
das naus, que tinham ficado fortemente danificadas durante a travessia.
No porto de Surate encontravam-se embarcações de várias nacionalidades,
incluindo holandesas, e também duas portuguesas de Macau, a maior das quais os árabes tomaram. Isto era uma clara violação da neutralidade do porto. O Vice-rei da Índia, Vasco Fernandes César de Meneses, futuro Conde de Sabugosa e Vice-rei do Brasil, obteve assim autorização do Grão-Mogol para atacar os árabes no próprio porto, e uma esquadra foi para lá enviada. Esta era composta pela nau Nossa Senhora da Estrella,
de 64 peças, três fragatas de 122 peças, e cinco corvetas de 73 peças.
Após uma dura batalha contra a esquadra inimiga de agora seis naves e
218 peças, contando com a de Macau que tinham tomado, os árabes foram
desbaratados.[17] Sintomático do estado de guerra no Estado da Índia, a fragata São Francisco de Assis,
de 34 peças, não se chegou a juntar à esquadra portuguesa contra a
esquadra àrabe, por a caminho ter travado um combate contra uma esquadra
do Império Marata, que a fez regressar a Goa para reparos.[18]
A batalha de Surate marcou o apogeu da expansão omanita no mar
Arábico. Sobre a esquadra portuguesa, e sobre toda a navegação no império ultramarino
de então, temos hoje o relato do missionário italiano Ippolito
Desideri, que navegou primeiro de Lisboa a Moçambique a bordo de naus
portuguesas da Carreira da Índia, depois de Moçambique a Goa, e finalmente nesta esquadra de Goa a Surate, com destino ao Tibete. O relato de toda a sua viagem no Oriente, Notizie Istoriche del Thibet, escrito de volta a Itália em 1727, foi recentemente traduzido e publicado em inglês:
”…on the 19th I left on the flagship of a large fleet of warships and merchantmen bound for Surat with other stops along the coast, all under the supreme command of Dom Lope de Almeida, a member of one of the most illustrious families of Portugal. The purpose of sending a royal armada to Surat was to attack some ships of the Muscat Arabs who in violation of the laws of nations and with an audacity not to be tolerated had seized a Portuguese vessel from Macao that was actually lying at anchor in the very port of Surat. I cannot praise Almeida’s cultivated manners and singular abilities highly enough…”[19]
Em 1719, nova batalha travou-se no golfo Pérsico,
em que a Armada do Estreito portuguesa, de três naus de 66, 64, e 60
peças e uma fragata de 40 peças derrotou uma esquadra árabe de igual
força de quatro naves e 246 peças.[20]
Esta foi a última vez que os árabes tentaram saír para o Mar Arábico em
força contra os portugueses; a próxima principal batalha entre uns e
outros não seria antes da campanha por Mombaça, na costa da África Oriental, em 1727-1729, que os portugueses venceram no mar mas perderam em terra.[21]
Quanto à Africa Oriental, é digno de menção que apenas em 1752 foi Moçambique retirado da esfera governativa do Estado da Índia. Durante todo o reinado de D. João V os governadores na Ilha de Moçambique estavam assim ainda subordinados aos vice-reis da Índia.
Política de ostentação: as embaixadas a Paris e Roma
Quando D. Manuel I em 1514 enviou a sua magnífica embaixada ao Papa,
esta incluia um rinoceronte africano, um elefante branco da Índia ― o
famoso Hanno[22] , animal de estimação de Leão X ―, e onças do Brasil. D. João V quis igualmente garantir que as suas embaixadas imortalizassem o nome de Portugal.
É necessário ter em mente que o ritual protocolar nesta época
era visto como de máxima importância. O primeiro enviado de D. João V a
Roma, em 1709, não ia por exemplo munido de estatuto de Embaixador, mas
apenas de Enviado Especial. Assim, foram-lhe dadas as seguintes
prerrogativas pelo Vaticano:
- Poderia ter um baldaquino na antecâmara, e outro na sala de audiências;
- os seus cavalos poderiam ter plumas de seda negra atadas à brida;
- ao sair no seu coche, seria precedido por um criado de libré a pé levando um parasol vermelho, como cardeais e príncipes;
- ser-lhe-ia permitida uma almofada de veludo para se ajoelhar na rua na igreja e na rua ao passar o sacramento;
- o seu lacaio principal poderia usar veludo negro à espanhola;
- seria entitulado na terceira pessoa em italiano, lei, mais respeitoso que Illustrissima para diplomatas residentes, e menos formal que Eccellenza para embaixadores;
- podia pedir uma audiência com Sua Santidade com um dia de antecedência, ou mesmo no próprio dia de manhã para a tarde;
- finalmente, seria sempre recebido por cardeais nas vestes cardinalícias regulares, e não de sobrepeliz ou roquete.[23]
Já em 1707, quando o Conde de Vilar Maior foi pedir a mão da filha do
imperador, foram encomendados sete magníficos coches nos Países Baixos,
de onde o embaixador se deslocou a Viena. Mas de todas as missões
diplomáticas de D. João V, seriam as embaixadas a Paris em 1715, depois
da Guerra da Sucessão Espanhola, e a Roma no ano seguinte, aquando da
guerra contra os turcos, as mais famosas:
- Paris, 1715: Finda a guerra, D. João V estava agora interessado em melhorar as relações com Luís XIV de França. Para atingir este objectivo, enviou o Conde da Ribeira Grande, filho de uma princesa francesa e afilhado do rei de França, a Paris à frente de uma faustosa embaixada, que fez uma entrada pública em Paris a 18 de Agosto de 1715, pouco antes da morte de Luís XIV. Com o maior aparato, num cortejo de cinco magníficos coches, cada um puxado por seis cavalos de diferentes cores, enquanto lacaios atiravam 10.000 moedas de prata e 200 moedas de ouro cunhadas para a ocasião aos parisienses nas ruas. O coche do embaixador, denominado Coche da Coroa, é um dos muitos da época que hoje pode ser visto no Museu Nacional dos Coches, na capital portuguesa.[24]
- Roma, 1716: No mesmo ano de 1715 veio um núncio apostólico a Lisboa para o baptismo do príncipe herdeiro, D. José; o coche que trazia era um presente para o rei de Portugal, e pode hoje também ser visto no Museu dos Coches. Para retribuir a visita, e por causa de acontecimentos recentes no Mediterrâneo envolvendo a República de Veneza e o Império Otomano, D. João V organizou em 1716 uma das mais faustosas embaixadas de todos os tempos a Roma, onde na altura era embaixador o futuro Marquês de Abrantes, então Marquês de Fontes. O cortejo pelas rua da Cidade Eterna de cinco extraordinários coches temáticos ― três dos quais se encontram hoje no Museu dos Coches ― e dez coches de acompanhamento marcaram o ponto alto da ostentação da magnificência do Poder Real de um monarca que dominava um vasto império.[25]
Triunfo de política externa: Batalha de Matapão
No Mediterrâneo, o sultão otomano Ahmed III (1703-1736) queria vingar-se das derrotas do irmão Mustafa II a que sucedera, vistas no Tratado de Karlowitz. Em 1715 iniciou uma guerra contra a República de Veneza para conquistar a Moreia.
Veneza logo pediu auxílio ao Papa e ao imperador. E estes, por sua vez,
pediram o auxílio dos principais reinos católicos europeus ― Espanha,
França, e Portugal.
A França, que acabara de estar em guerra contra a Áustria, não a quis
ajudar. Mas a Espanha enviou uma esquadra ao Mediterrâneo em 1716. D.
João V, ao contrário do irmão, o Infante D. Francisco,
não era apaixonado pelo mar. No entanto, talvez para não ficar atrás do
monarca espanhol, o rei fez armar uma esquadra para defender Corfu,
que se encontrava cercada pelos turcos. Esta esquadra, de cinco naus de
334 peças, e ainda uma fragata e várias embarcações auxiliares, foi
comandada pelo Conde do Rio Grande. Para infelicidade das armas portuguesas, ao chegar a Corfu já os turcos tinham levantado o cerco.[26]
Mas a recompensa pela faustosa embaixada de D. João V a Roma e pela
esquadra contra os turcos no Mediterrâneo nesse Verão de 1716 foi
imediata: em Novembro do mesmo ano, o Papa Clemente XI elevou o estatuto de arquidiocese da capital portuguesa, criando o Patriarcado de Lisboa. Os únicos outros patriarcados no Ocidente eram então ― e são ainda ― justamente Roma e Veneza.
No ano seguinte, em 1717, Clemente XI voltou a pedir o auxílio de D.
João V, que novamente enviou uma esquadra ao Mediterrâneo. Esta esquadra
― agora sete naus de 472 peças no total ― deveria juntar-se à Armata grossa de Veneza e uma pequena esquadra da Ordem de Malta.[27] Novamente capitaneada pelo Conde do Rio Grande, e tendo agora como vice-almirante o Conde de São Vicente, a esquadra foi uma autêntica embaixada flutuante de D. João V, tendo realizado grande fausto em Palermo e Messina, na Sicilia, antes de fazer o mesmo em Corfu.[28]
Em Corfu a esquadra portuguesa, fortalecida por duas pequenas naves
da Ordem de Malta de ao todo 112 peças, e uma nau veneziana de 70 peças ―
por curiosa coincidência chamada Fortuna Guerriera ― formou a arrière,
ou terço traseiro da linha de batalha da armada cristã. No entanto, os
condes portugueses recusaram ficar subordinados ao almirante da Ordem de
Malta como chefe desta esquadra dos aliados de Veneza.
Encontrada a armada turca, travou-se a Batalha de Matapão. A certa altura caiu o vento, e a arrearia
cristã viu-se sozinha a lutar contra a vanguarda de quinze naus da
armada turca, estando as restantes naus cristãs mais afastadas e fora de
alcance. E quando ao voltar o vento o almirante da Ordem deu ordem para
a esquadra se afastar do inimigo para se juntar às demais cristãs, o
Conde de São Vicente, a bordo de uma poderosa nau de 80 peças, recusou
seguir a manobra. Nisto foi seguido pelo Conde de Rio Grande, a bordo de
outra nau de 80 peças, duas outras das naus portuguesas, e ainda a
veneziana Fortuna Guerreira.
Graças à insubordinação dos condes portugueses, esta pequena força de
cinco naus viu-se assim sozinha em luta contra as quinze naus da
vanguarda da linha turca. No entanto, muito possivelmente por esta
vanguarda ter já muito pouca pólvora para as peças, ao fim de várias
horas de combate toda a vanguarda, e a própria armada turca, fez
contravolta e retirou-se do campo de batalha. Assim, aos olhos da Armata grossa veneziana e das naves da Ordem de Malta, parecia que as naus portuguesas ― ajudadas pela Fortuna Guerreira ― tinham posto o inimigo turco em fuga..[29]
Como resultado, a esquadra do Conde do Rio Grande foi um verdadeiro
triunfo de política externa de D. João V. Na viagem de regresso novas
festas, com banquetes, bailes e fogos de artifício, foram dadas em
Palermo na Sicília, onde a esquadra passou algum tempo em reparos,
enquanto se correspondia com Portugal, Roma e Veneza ― tendo o próprio
Papa escrito a agradecer o almirante português.[28]
Mais tarde, D. João V recebeu igualmente agradecimentos de Clemente XI,
e Veneza enviou um embaixador extraordinário a Lisboa com
agradecimentos. O prestígio internacional de D. João V estava no seu
auge.
Relacões internacionais, 1720-1750
Relações com a Santa Sé e a China
D. João V sempre foi, numa época em que a França era o modelo europeu
em praticamente todos os aspectos, mais virado para Roma que Paris.
Ainda durante a Guerra da Sucessão Espanhola, em 1712, tinha fundado a Academia de Portugal
em Roma, uma academia de arte destinada à formação de artistas
portugueses na cidade pontifica. Do mesmo modo, o seu artista favorito, João Frederico Ludovice, o arquitecto do Palácio Nacional de Mafra assim como por exemplo ourives da Custódia de Bemposta, fora também formado em Roma.
Com as embaixadas de 1715-1716 e as duas esquadras portuguesas contra
os turcos no Mediterrâneo em 1716-1717, as relações entre D. João V e a
Santa Sé
alcançaram o seu zénite; e isto numa fase em que a importância
internacional da Santa Sé era grande, devido à ameaça do Império
Otomano. No entanto, e apesar de ser de um modo geral fiel a Roma, D.
João V nem sempre viu com bons olhos os decretos pontíficos, tentando
simultâneamente, dentro da hierarquia católica, promover Portugal como
uma potência de primeiro plano.
Após o Tratado de Passarowitz
em 1719 que se seguiu à derrota dos turcos perante a Áustria, a
importância relativa da Santa Sé na política internacional diminuiu.
Entrava-se no século das Luzes, um termo usado pela primeira vez na França em 1733.[30]
Isto no entanto não afectou a colaboração de D. João V com o Papa,
mesmo em casos em que os interesses dos dois eram diferentes. Um exemplo
foi a forma como a Armada Real portuguesa se prestou a transportar um
legado papal à China para implementar uma política que era contrária aos
interesses de Portugal no Oriente.
A questão dos Ritos Chineses
Clemente XI (1700-1721) era um papa ortodoxo; condenou, famosamente, o jansenismo com a bula Unigenitus (1713). Dois anos mais tarde, com a bula Ex ille die (1715), devido à "Controvérsia dos ritos na China",
condenou igualmente o uso pelos missionários na China de costumes
locais ― os chamados Ritos Chineses ― para facilitar a evangelização.
Esta condenação dificultaria o trabalho dos missionários ― na sua
maioria jesuítas, e muito deles portugueses ― e colocaria por isso o Padroado português numa muito pior situação na China.
Mas D. João V queria, dentro do razoável, acomodar a Santa Sé. Assim, a nau Rainha dos Anjos, de 56 peças, a mais pequena das portuguesas presentes na Batalha de Matapão em 1717, largou de Lisboa rumo a Macau a 20 de Março de 1720. A bordo viajava Monsenhor Mezzabarba, Patriarca de Alexandria, legado papal à corte do Imperador da China. Este imperador era o grande Kangxi,
um dos mais importantes da história da China, que reinara já por mais
de meio século, e que tinha tido ampla convivência com missionários
católicos. O imperador tinha sido educado por missionários; tinha tido o
jesuíta português Tomás Pereira
como principal músico da Corte durante décadas; e encarregara mesmo um
missionário, Teodorico Pedrini, da educação música de três filhos seus,
um deles o seu sucessor, o futuro imperador Yongzheng (1722-1735).[31]
A nau portuguesa chegou a Macau a 23 de Setembro, e pouco mais de um
ano mais tarde, depois de conversas totalmente infrutíferas, largou de
Macau com o legado de regresso a Roma a 13 de Dezembro de 1721. Um
excelente exemplo de como D. João V se dispunha a colaborar com a Santa
Sé.
Como nota deve ser dito que a Rainha dos Anjos nunca chegaria a Lisboa. Depois de ter chegado ao Rio de Janeiro
a 5 de Maio de 1722, perdeu-se no porto um mês depois, devido a uma
explosão da pólvora a bordo. A sua valiosa carga, que incluía mais de
uma centena de peças de porcelana chinesa,
e ainda vários outros presentes do imperador da China para D. João V e o
papa, nunca foi encontrada, e encontra-se ainda no fundo da Baía da Guanabara.
O imperador Kangxi não apreciou a missiva papal, e decidiu fechar a
China aos missionários estrangeiros. No entanto, sabia que Mons.
Mezzabarba representava o papa e não o rei de Portugal. Como resposta,
pouco depois da Rainha dos Anjos ter largado de Macau, enviou uma
embaixada em separado a D. João V logo em Março em 1721. Esta embaixada
chegaria a Lisboa, tendo uma audiência em Dezembro, onde ofereceu ao
monarca português mais ricos presentes, incluindo sete enormes pérolas
avaliadas em 14.000 cruzados cada. A embaixada motivaria uma resposta
diplomática de D. João V. No entanto, como o imperador Kangxi faleceu no
ano seguinte, após o mais longo reinado da história da China, a
embaixada ao seu sucessor apenas largaria três anos mais tarde.
Em 1725, largou então a pequena nau de guerra Nossa Senhora da Oliveira, de 50 peças, em nova embaixada ao novo imperador da China.[32]
O embaixador era Alexandre Metelo de Sousa e Meneses, antigo secretário
da embaixada em Madrid. O embaixador esteve quatro meses no Brasil na
ida, para tratar de interesses vários da Coroa na colónia, e fez ainda
uma "missão a Batávia", com a duração de um mês, onde entregou duas cartas da Coroa ao governador-geral da Companhia Holandesa das Índias Orientais
antes de seguir viagem para a China. Esta embaixada de D. João V, mais
um exemplo da sua política internacional de ostentação e magnificiência
para promover Portugal no plano internacional, encontra-se descrita numa
monografia recente.[33]
A questão do cardinalato de Bichi
Houve, no entanto, um aspecto que marcou profundamente as relações
entre Lisboa e Roma neste período: a nunciatura de Vincenzo Bichi, núncio apostólico
em Lisboa nomeado em Setembro de 1709, que chegou a Lisboa em Outubro
do ano seguinte. Durante mais de dez anos este seria o protagonista de
uma feroz luta de interesses entre Lisboa e Roma.[34]
Bichi, anteriormente núncio na Suíça
desde 1703, foi fortemente criticado pelo clero português pelo seu
escandaloso comportamento em Lisboa, que passava por abusos vários a
avultada venda de indultos. Essas queixas com o tempo levaram D. João V a
queixar-se à Santa Sé. Bichi foi chamado ao Vaticano
para se justificar, e depois ser severamente avisado pôde regressar a
Lisboa. Mas o seu comportamente não melhorou, passando mesmo a ignorar
ordens pontíficas.
Entretanto deu-se a embaixada a Roma do Marquês de Fontes e as
jornadas ao Mediterrâneo das esquadras do Conde do Rio Grande. A
arquidiocese de Lisboa tinha sido elevada a patriarcado depois da
primeira. Depois da Batalha de Matapão, pareceu-lhe agora justo a D.
João V que quando o indesejado Bichi fosse substituído, lhe fosse dada a
dignidade de um cardinalato, como era costume em Roma dar a núncios regressados de Madrid, Paris, e Viena. Isto mesmo tinha sucedido com o anterior núncio em Lisboa ― o futuro Inocêncio XIII.
D. João V queria agora que esta práctica se tornasse fixa.
Infelizmente, devido à má conduta de Bichi em Lisboa, parecia pouco
provável que a dignidade lhe fosse concedida. D. João V no entanto
insistiu, e comunicou à Santa Sé em 1719 que não permitiria Bichi deixar
Lisboa sem antes receber garantias de que lhe seria oferecido o
cardinalato. Mais uma vez vemos assim D. João V afirmar Portugal como
uma potência principal, querendo equiparar Portugal com a Áustria, a
Espanha, e a França.
Em Setembro de 1720, Clemente XI chamou Bichi a Roma e nomeou o
napolitano Giuseppe Firrao novo núncio em Lisboa. D. João V, no entanto,
manteve-se firme: não autorizou nem Bichi a deixar Lisboa, nem Firrao a
entrar. E no início de 1721 morreu Clemente XI.
Depois da morte de Clemente XI, D. João V viu com bons olhos a eleição de Inocêncio XIII
em 1721. Era um homem que o monarca conhecia bem pessoalmente, visto o
novo Papa ter vivido doze anos em Portugal, como núncio apostólico em
Lisboa de 1697 a 1710. No entanto, em Maio de 1721 Inocêncio XIII
confirmou Firrao como núncio, sem no entanto ceder quanto à questão do
cardinalato. O monarca português recusou reconhecer a nomeação de
Firrao, e continuou a exigir o cardinalato para Bichi, ameaçando mesmo
cortar as relações diplomáticas. Isto numa altura em que por exemplo,
como se viu, um nau de guerra portuguesa funcionava como transporte
diplomático à China ao serviço da Santa Sé.
Inocêncio XIII morreria pouco depois, em 1724. O novo Papa, Bento XIII ― o único papa com ascendência real portuguesa, visto ser descendente de D. Dinis ― via-se pressionado por um lado pelo cardeal português José Pereira de Lacerda, que tentava usar a sua influência na Cúria em favor do seu rei, e pelo lado contrário por um grupo de cardeais do Sacro Colégio
liderados pelo embaixador francês, o cardeal de Polignac, que
argumentavam que não seria correcto premiar o mau comportamento e
desobediência de Bichi com a púrpura.
Finalmente D. João V, que despendia fabulosas somas com a cúria
romana, e com igrejas, monumentos e cerimónias religiosas, realizou em
1728 as ameaças que tinha feito alguns anos antes: encerrou a nunciatura
em Lisboa, ordenou a todos os seus súbditos em Roma que deixassem a
cidade, e proibiu todos os portugueses, eclesiáticos e leigos, de manter
relações directas com a Santa Sé. Isto motivou Bento XIII a pedir a
mediação de Filipe V de Espanha na questão, mas esta mediação foi categoricamente recusada por D. João V. Por fim, no outono de 1730 o novo papa Clemente XII, eleito poucos meses antes, cedeu totalmente aos desejos do D. João V, comprometendo-se a promover Bichi ao cardinalato.[35]
Bichi seria feito cardeal de S. Pietro in Montorio a 24 de Setembro
de 1731, e pôde tomar possessão da dignidade com magnífica ostentação
graças a uma dádiva de 25.000 cruzados de D. João V ― que assim
conseguira, numa época em que prestígio era tudo, ver a nunciatura em
Lisboa ser promovida a uma das mais prestigiosas do mundo católico, a
par de Madrid, Paris, e Viena.
Relações com a Espanha e a Grã-Bretanha
Durante todo o reinado de D. João V Portugal manteve uma relação
pouco estável com a Espanha por um lado, e para o contrabalançar uma
firme aliança com a Grã-Bretanha por outro. Isto tinha fundamentalmente
que ver com as diferentes naturezas dos três impérios.
Um incidente em África
Durante todo o reinado de D. João V, o mais fiel aliado de Portugal
foi a Grã-Bretanha. Em 1723 passou-se um incidente que, por ser
exceptional, revela muito o motivo desta aliança.
A 4 de novembro de 1722, o vice-rei do Brasil escreveu ao rei, informando Lisboa sobre uma fragata holandesa que incomodava a navegação portuguesa na Costa do Ouro. Ao mesmo tempo, o governador de Luanda, em Angola, escreveu ao rei a informar que os ingleses estariam a construir um forte em Cabinda, na foz do Rio Congo, região que os portugueses tinham descoberto com a expedição de Diogo Cão na década de 1480, e cujos reis locais, depois de evangelizados, sempre tinham sido amigos dos portugueses.
Cabinda sempre tinha sido considerada pelos portugueses parte de
Angola; um forte inglês na região era assim intolerável para Lisboa. O
rei discutiu a situação, considerada grave, com o Conselho Ultramarino,
e foi decido enviar uma das próximas naus da Armada do Brasil para
investigar, e tomar acção se necessário. Essa nau poderia depois
examinar o caso da fragata holandesa na Costa do Ouro.
No dia 26 de Maio de 1723 largaram então para o Brasil as naus Nossa Senhora Madre de Deus (60 peças) e Nossa Senhora da Atalaia (52 peças), como escolta de dezasseis naus mercantes. Depois de chegar a salvamento a Salvador (Bahia),
a mais pequena das naus cruzou novamente o Atlântico, dirigindo-se
então a Angola, como estipulado pelas ordens régias. Chegou a Luanda no
dia 12 de Setembro, e largou novamente com rumo norte a 6 de Outubro.[36]
Duas semanas depois chegou a Cabinda, e verificou que efectivamente aí se achavam ingleses: duas corvetas ― sloops of war,
com menos de 18 peças cada ―, uma nau de mercadorias, e um forte de 30
peças acabado de ser construído. Nos termos das ordens que levava de D.
João V, a Nossa Senhora da Atalaia exigiu que os ingleses
entregassem o forte ao governo de Sua Majestade portuguesa. Estes
recusaram, e a nau portuguesa abriu fogo. Com apenas 52 peças, era uma
nau das mais pequenas; no entanto, era mais que suficiente para lidar
com duas pequenas corvetas, cujas tripulações logo as abandonaram e se
refugiaram no forte. Por dois dias a nau portuguesa e o forte inglês
cruzaram fogo, até que os ingleses aceitaram render o forte e a nau de
transporte em troca de poderem regressar à Europa nas corvetas.[37]
Este incidente marca o único confronto entre forças portuguesas e
inglesas durante todo o longo reinado de D. João V; não há notícia do
monarca português ter recebido protestos de Londres. O incidente é
importante porque sendo a excepção, prova a regra: os interesses
ultramarinos das duas potências nesta época eram distintos: os ingleses
concentravam-se essencialmente nas Caraíbas e na América do Norte; os portugueses na América do Sul, África, e na Índia ― onde os interesses dos ingleses estavam ainda inteiramente nas mãos da Companhia das Índias Orientais.
Os interesses das duas coroas não entravam assim em conflicto, o que
explica a longevidade da aliança entre Portugal e a Grã-Bretanha neste
período.
Quanto à Nossa Senhora da Atalaia, esta regressou a Luanda com
as novas, e voltou depois a largar para a Costa do Ouro em Dezembro, no
cumprimento das ordens régias. Depois de uma curta paragem nas
possessões portuguesas da Ilha do Príncipe, no Golfo da Guiné, e no forte de Ajudá, na Costa dos Escravos, chegou ao então há muito holandês Castelo da Mina,
na Costa do Ouro, em Janeiro de 1724. Aqui descobriu que a fragata
holandesa que tinha incomodado a navegação portuguesa era afinal um
barco de piratas de 30 peças, que a nau portuguesa logo afundou a tiro
de canhão.[38]
A Nossa Senhora da Atalaia regressou depois ao Brasil, onde
chegou no início de Abril de 1724, para depois voltar a Portugal, depois
de ano e meio e mais de catorze mil milhas náuticas de cruzeiro. Desde
que o governador de Luanda e o Vice-Rei do Brasil tinham escrito a D.
João V, até os problemas não mais existirem, apenas um ano passara ― um
bom exemplo da dimensão global de Portugal nesta época, e de como ela
dependia da Armada.
A Troca das Princesas
Ao contrário das muito estáveis relações com a Grã-Bretanha, as
relações com a Espanha sempre sofreram altos e baixos ao longo do
reinado de D. João V. Quando subiu ao trono estava-se em plena guerra;
mas mesmo depois da paz, a situação nunca foi estável.
Alguns anos após a paz de Utrecht, as relações entre os dois reinos ibéricos melhoraram sensivelmente quando D. Luís da Cunha,
grande diplomata que estivera presente nas negociações do tratado de
paz, foi nomeado embaixador em Madrid em 1719. Estava-se também no
período áureo do prestígio de D. João V, graças à Batalha de Matapão. A cidade de Colónia do Sacramento fronteira a Buenos Aires,
evacuada pelos portugueses em 1705, tinha sido devolvida dez anos
depois, e nada fazia prever novos conflictos. Mas pouco depois fundaram
os portugueses na mesma região a cidade de Montevidéu, actual capital do Uruguai, em 1723. As reacções dos espanhóis de Buenos Aires foram imediatas, fazendo adivinhar futuras polémicas.
Desde 1723, a jovem infanta portuguesa D. Maria Bárbara, filha de D. João V, estava prometida ao ainda mais jovem Príncipe das Astúrias, o infante Fernando. Em 1725 a diplomacia espanhola viu então no Príncipe do Brasil, o infante D. José, o noivo ideal para a infanta Maria Ana Vitória, filha de Filipe V.
A aliança entre as duas casas reais foi assim transformada em consórcio
duplo, e criaram-se portanto condições excepcionais para a unidade
peninsular. O duplo matrimónio dos príncipes herdeiros com princesas do
reino vizinho veio a verificar-se após a chamada Troca das Princesas,
também conhecida como Jornada do Caia, que ocorreu no rio Caia na fronteira do Alentejo, a 19 de Janeiro de 1729.
A jornada em si foi caracterizada por todo o aparato típico das
grandes cortes absolutistas da época. Das dezenas de coches e berlindas
usados nesta ocasião ― apenas para a Jornada do Caia foram encomendadas
em Paris 24 berlindas[39] ―, sobreviveu até os nossos dias no Museu Nacional dos Coches um coche fabricado em Portugal, o Coche da Mesa, assim chamado por conter no interior uma mesa amovível.
A campanha do Rio da Prata
Desde o início do reinado de D. João V, o principal ponto de
discórdia entre Portugal e a Espanha não estava situado na fronteira
ibérica, mas sim no distante Rio da Prata: era a Colónia do Sacramento. Sempre desde que os portugueses tinham fundado esta cidade em frente a Buenos Aires em 1680, os espanhóis desta cidade tinham querido remover os portugueses da região.
A 22 de Novembro de 1723, os portugueses fundaram ainda Montevidéu,
que possui o melhor porto profundo no Rio da Prata. A fundação desta
nova cidade logo causou novos problemas. Uma das questões era a própria
legalidade da fundação: o Tratado de Utrecht estipulara sobre ”o Territorio e Colonia do Sacramento, ſita na margem ſeptentrional do Rio da Prata” que o monarca espanhol faria uma “desistência nos termos mais fortes”, ”para que o dito Territorio e Colonia fiquem comprehendidos nos Dominios da Coroa de Portugal”, mas nada dizia sobre novas fundações na região.[40]
Na interpretação dos espanhóis de Buenos Aires, isto significava que os
portugueses apenas tinham direito à Colónia do Sacramento, e que a
fundação de Montevidéu era ilegal. A reacção foi imediata: a 22 de
Janeiro de 1724, os espanhóis de Buenos Aires ocuparam a recém-fundada
localidade.
Os verdadeiros problemas viriam na década seguinte, quando os portugueses intensificaram a colonização do Rio Grande do Sul
em 1733. Forças de Buenos Aires vieram então em 1734 pôr cerco à
Colónia do Sacramento, que apenas se salvou graças a reforços enviados
do Rio de Janeiro.
Montevidéu continuava ocupada pelos espanhóis, que para lá fariam
passar um exército considerável. As relações entre Portugal e a Espanha
deterioraram rapidamente, e logo em Fevereiro de 1735 deu-se o
"incidente das embaixadas": a guarda espanhola entrou na embaixada
portuguesa em Madrid e aprisionou dezanove empregados da embaixada ― a
que D. João V logo ripostou com a prisão de dezanove funcionários da
embaixada espanhola em Lisboa. Cortaram-se as relações diplomáticas, e
em Lisboa preparou-se a guerra.
D. João V decidiu então enviar uma forte esquadra ao Rio da Prata
para fazer valer os interesses de Portugal na região. Em 1736, largaram
assim ao todo seis naus de guerra, com 390 peças no total, para a
América do Sul. Encontrariam no Mar da Prata uma esquadra espanhola de
cinco pequenas naus e três fragatas, com 332 peças no total ― uma força
manifestamente inferior. Alguns combates foram travados, em que nenhum
dos lados perdeu naves; mas os espanhóis não conseguiram impedir que a
esquadra portuguesa, ao comando de Luís de Abreu Prego, iniciasse um bloqueio a Montevidéu,
bloqueando assim o exército espanhol em terra. Durante um ano, de
Agosto de 1736 a Agosto de 1737, a esquadra portuguesa bloqueou o
exército espanhol em Montevidéu, sem que a esquadra espanhola no Mar da
Prata tentasse fazer alguma tentativa de desafiar os portugueses, até
que chegou uma nau de guerra do Rio de Janeiro com notícias de que em Paris se tinha assinado um armistício em Maio de 1737.[41]
Assim foi devolvida Montevidéu a Portugal, sem que durante um ano a
esquadra espanhola na zona tivesse ousado desafiar a portuguesa. Por
ironia, a única nave perdida durante toda esta campanha foi uma fragata
espanhola de 36 peças, por encalhe.
Enquanto tudo isto se passava, D. João V tinha invocado a aliança com
a Grã-Bretanha logo em 1735, quando depois do incidente das embaixadas
se adivinhava uma possível guerra com Espanha. Como resultado da aliança
anglo-lusa, chegou a Lisboa no verão de 1736 uma poderosíssima armada
de vinte e seis naus de guerra ― equivalente practicamente a toda a
Armada Real espanhola ― às ordens do próprio Admiral of the Fleet Sir John Norris. A maior parte desta armada permaneceu em Lisboa até o verão seguinte, após o armistício de Paris.[42]
Assim se explica porque pôde D. João V enviar a esquadra ao Rio da
Prata sem ter que se preocupar com a defesa das àguas da metrópole, e
assim se explica porque Espanha rapidamente assinou um armistício com
Portugal. E assim se explica, talvez, porque Portugal a partir da
segunda metade do reinado de D. João V começou a sofrer uma certa
dependência da Grã-Bretanha, que apenas se tornaria mais manifesta com o
passar das décadas.
O Tratado de Madrid
Durante o reinado de D. João V a população do Brasil multiplicou
várias vezes. Ao mesmo tempo, as fronteiras terrestres do território,
após as primeiras experiências pioneiras dos bandeirantes no século XVII, foram alargadas para Ocidente, para além dos limites do Tratado de Tordesilhas de 1494. Os conflitos com a Espanha eram vários; para além da questão do Rio da Prata, existiam também litígios na Amazónia, onde os portugueses em 1669 tinham erguido o Forte de São José da Barra do Rio Negro, na actual Manaus.
À medida que Portugal e a Espanha cada vez mais populavam o interior
dos seus domínios na América, tornava-se imperioso firmar novo tratado
sobre as fronteiras entre as duas coroas no Novo Mundo; e em 1746 as
negociações foram iniciadas. Nesta época já D. João V sofria de saúde, e
os principais responsáveis pelas negociações foram o Visconde de Vila Nova de Cerveira, embaixador extraordinário a Madrid, e principalmente Alexandre de Gusmão, este último um hábil diplomata que tinha nascido no próprio Brasil; era ainda seu irmão o célebre inventor Bartolomeu de Gusmão.
Assinado a 13 de Janeiro de 1750, o Tratado de Madrid obteve para Portugal o reconhecimento europeu da realidade das fronteiras do Brasil, seguindo o princípio de uti possidetis.
As linhas rectas do século XV de Tordesilhas deram assim lugar aos
contornos da ocupação efectiva, e Portugal manteve assim o domínio da
bacia fluvial do Amazonas, aumentando muito o tamanho do Brasil. O tratado definiu, grosso modo, as fronteiras do Brasil moderno.
Segundo o tratado, Portugal entregaria ainda a Colónia do Sacramento a Espanha, recebendo em troca o território dos Sete Povos das Missões.
No entanto, esta troca foi contestada no local: os portugueses não
entregaram Sacramento, e a mesma contestação nas missões levou à Guerra Guaranítica de 1754-1756, já no reinado de D. José I.
Relacões internacionais na Índia
Na Índia, a última década do reinado de D. João V viu primeiro a perda da Provícia do Norte em 1739-1741, e depois as Novas Conquistas em Goa em 1744-1746.
A perda da Provincia do Norte
Algumas décadas após a morte de Aurangzeb em 1707, para infelicidade dos portugueses na Índia, o Império Mogol, que desde Akbar se mostrara tolerante à presença dos portugueses ao longo da costa, encontrava-se em avançado processo de colapso.[43]
O Império Marata não tinha conseguido ser uma séria ameaça no mar Arábico,
onde a Armada Real portuguesa ao tempo de D. João V voltara ser, como
fora no século XVI, a principal força. O almirante dos maratas ― Kanhoji
Angrey, ou Angriá, como lhe chamavam os portugueses ―, na Índia
hoje visto como o primeiro grande almirante indiano, era essencialmente
um corsário semi-independente do peshwa ou “grande ministro”
marata; e a armada dos maratas era essencialmente composta por pequenas
embarcações de um ou dois mastros apenas, que graças ao seu menor calado
podiam fugir das maiores naves portuguesas nos baixos da costa indiana.
Em 1738, dezasseis destas pequenas embarcações lograram tomar a pequena
fragata portuguesa São Miguel, de 24 peças; esta foi a maior presa alguma vez tomada pela armada marata aos portugueses.[44]
No entanto, o Império Marata era tal como o Império Mogol um império
terrestre. O que lhe faltava no mar, tinha-o em terra, onde as imensas
forças terrestres dos maratas eram temíveis. De 1720 a 1740 o peshwa
marata era Bajirao I, o maior chefe militar da história dos maratas.
Este ameaçou agora as possessões portuguesas conhecidas desde Quinhentos
como a Província do Norte: a faixa da costa desde Bombaim ― esta oferecida ao ingleses aquando do casamento de D. Catarina de Bragança com Carlos II de Inglaterra em 1662 ― a Damão. Toda esta faixa costeira, com praças como Baçaim e Chaul, estivera inteiramente nas mãos dos portugueses desde Quinhentos.
Assim, nos últimos dias de 1738 Bajirao I, que no ano anterior tinha saqueado Deli,
a própria capital dos Grão-Mogores, invadiu a Província do Norte. Em
Janeiro conquistou facilmente três vilas menos importantes, e a 17 de
Fevereiro de 1739 pôs cerco a Baçaim.[45]
Ao mesmo tempo que invadia a Província do Norte, um segundo exército marata desceu dos Gates Orientais e invadiu o território de Goa,
a própria capital dos portugueses na Ásia. Tal como contra os mogores,
Bajirao I queria desferir um golpe o mais violento possível contra os
seus inimigos. Simultâneamente, pedia aos Bounsolós ou régulos vizinhos
que o auxiliassem.
Era então Vice-Rei da Índia o Conde de Sandomil.
Este tinha já recentemente enviado tropas a Baçaim, para reforçar a
guarnição, e Goa encontrava-se assim à espera de reforços do Reino. Bardez perdeu-se, à excepção da fortaleza da Aguada e da fortaleza dos Reis Magos. O distrito de Salcete também se perdeu, ficando os portugueses cercados no forte de Rachol. A 8 de Março, o Vice-Rei mandou recolher todas as mulheres e crianças europeias à fortaleza de Mormugão,
e dois dias depois propôs abrir negociações aos maratas. Os termos
destes eram simples: abandonariam as conquistas em Goa, se os
portugueses abandonassem a Província do Norte. O tratado de paz foi
firmado a 2 de Maio, e a 12 de Maio Baçaim rendeu-se. Da guarnição de
mil e duzentos homens tinham morrido oitocentos; aos sobreviventes foi
permitido sairem da fortaleza com as bandeiras desfraldadas, de armas ao
ombro e a toque de tambor. No entanto, o tratado não foi integralmente
cumprido pelas duas partes. Os portugueses conservaram Damão e Chaul, e
os maratas várias terras em Goa.
Quando em Portugal se soube da invasão decidiu D. João V enviar na Armada da Índia
desse ano uma esquadra de quatro naus e duas fragats, às ordens de Luís
de Abreu Prego, com uma força de desembarque de dois mil homens, para
reforçar as praças da Índia. Esta Armada da Índia largou a 12 de Maio de
1740; a bordo ia também o Conde da Ericeira, justamente feito Marquês de Louriçal
e nomeado novo Vice-rei. Mas quando este chegou a Goa em Fevereiro de
1741 já o Conde de Sandomil, ao abrigo de novo tratado entretanto
firmado em Setembro de 1740, tinha acabado de entregar Chaul, evacuada
em Janeiro de 1741.[46]
Assim se perdeu toda a Província do Norte, que durante cerca de
duzentos anos fora portuguesa, excepto Damão, que permaneceria
portuguesa até 1961. Com os reforços do Marquês de Louriçal
conquistaram-se algumas terras em redor de Goa aos Bounsolós.
Como nota, a praça portuguesa de Mazagão, última praça portuguesa em Marrocos, foi nesta época também atacada pelo sultão
de Marrocos, mas os portugueses sempre tiveram êxito em defender a
praça de Mazagão. Ao todo rechaçaram os portugueses sete ataques dos
invasores nestes anos: em Janeiro de 1738; Outubro de 1738; Janeiro de
1739; Setembro de 1741; Janeiro de 1743; Novembro de 1743; e por fim
Maio de 1745, o último ataque marroquino a Mazagão durante o reinado de
D. João V.
As novas conquistas
Em Setembro de 1744 chegou a Goa novo Vice-Rei, o Marquês de Castelo Novo, que um quarto de século antes tinha sido governador da Capitania de São Paulo e Minas de Ouro
no Brasil. Este decidiu em 1746 iniciar uma invasão de grande
envergadura contra os Bounsolós a norte de Goa, para lhes conquistar
definitivamente as terras entre os Gates e as terras portuguesas de Goa.
Ainda antes da monção,
em abril, conquistou Alorna, Bicholim, e Sanquelim, a primeira por
assalto, as outras practicamente sem luta. Com o crescer da monção
interrompeu-se a campanha militar, apenas para ser renovada depois das
chuvas. Em novembro, tomou-se o forte de Tiracol,
hoje no extremo norte de Goa, e em Dezembro algumas localidades menores
ainda mais a norte. Mais tarde, em 1748, o Marquês de Castelo Novo
garantiu com novas vitórias estas terras para Portugal.[47]
Desde então estas terras são chamadas, em Goa e na historiografia, as Novas Conquistas, em oposição às Velhas Conquistas do século XVI. Como recompensa, o Marquês de Castelo Novo foi agraciado com o título de Marquês de Alorna em 1748 por D. João V.
Sociedade
Panorama cultural
Projectos arquitectónicos
No panorama cultural, vivia-se em toda a Europa o final do Barroco.
D. João V, fiel à sua política de opulência, gastou somas consideráveis
em projectos de construção, principalmente em Lisboa, que pretendia,
por assim dizer, transformar numa nova Roma. Um dos primeiros e mais
belos projectos, e um dos poucos que sobreviveram o Terramoto de 1755, é a Igreja do Menino Deus, de rara planta octogonal, construída em 1711.
Em cumprimento de um voto esse mesmo ano a 26 de Setembro, dois meses
antes do nascimento do seu primeiro filho a 4 de Dezembro ― a infanta
D. Bárbara, a futura rainha de Espanha ― D. João V inicou o projecto de
construção de um vasto edifício, digno de homenagem ao herdeiro de um
igualmente vasto império. Esse edifício seria o Palácio Nacional de Mafra, o maior monumento barroco português, da autoria de João Frederico Ludovice. O conjunto é conhecido principalmente pela sua biblioteca, terminada no reinado seguinte, e pelo seu carrilhão, o maior do mundo em quantidade de sinos, encomendado em Antuérpia e Liège por D. João V. A construção do palácio-convento faz parte importante do romance Memorial do Convento, de José Saramago.
As obras tiveram início a 17 de Novembro de 1717, uma semana depois da
esquadra do Conde do Rio Grande ter regressado da Batalha de Matapão
contra os turcos.
D. João V tinha uma grande paixão por livros. Por esse motivo, na
década de 1720 o principal projecto do rei foi a construção da Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra,
iniciada também em 1717 e concluída em 1728. Este projecto é assim
ligeiramente anterior à semelhante, ainda que ainda mais grandiosa Hofbibliothek,
ou Biblioteca da Corte em Viena, iniciada em 1722 pelo cunhado de D.
João V, o imperador Carlos VI. Depois de concluída a biblioteca, ordenou
D. João V a construção da Torre da Universidade, terminada em 1733. Ao
mesmo tempo que ordenou a construção da biblioteca universitária, D.
João V elevou também a verba de que a Universidade dispunha para a
compra de livros, de 40$000 réis a 100$000 réis anuais.
Nas décadas de 1730 e 1740 construiu-se então, para abastecer de água a capital portuguesa, o grandioso Aqueduto das Águas Livres, que trouxe água de Belas à capital. Um dos arquitectos responsáveis, Manuel da Maia, escreveu no projecto que o resultado que se queria era um aqueduto "forte, mas não magnífico, e ostentoso"[48] ― o que sem dúvida foi alcançado, visto a estrutura, poucos anos depois de estar acabada, ter aguentado o Terramoto de 1755.
Entre muitos outros, o derradeiro projecto do rei seria a extravagante Capela de São João Baptista, uma das mais ricas do mundo cristão. Projectada por Nicola Salvi ― arquitecto da Fonte de Trevi ― e Luigi Vanvitelli― arquitecto do Reggia di Caserta ― e construído em Sant'Antonio dei Portoghesi
(Santo António dos Portugueses), em Roma, de 1742 a 1744, foi sagrada e
abençoada pelo papa a 15 de Dezembro de 1744, que nela ainda celebrou
Missa a 6 de Maio de 1747, para depois ser desmontada, levada para
Lisboa, e ser montada na Igreja de São Roque.
Tudo nesta capela é preciosíssimo: a frente do altar é revestida de ametista; as colunas são revestidas de lápis-lazúli; as paredes são revestidas de ágata e pórfiro; as molduras das portas etc. são de jaspe verde, etc. ― enquanto os imagens não são pinturas, mas finos mosaicos. Merece destaque o mosaico de uma esfera armilar
no chão em frente ao altar. D. João V seguiu de perto o projecto,
interferindo várias vezes nos desenhos, que incluíram não apenas a
capela, mas ainda uma grande colecção de objectos de culto em ouro e
prata, que representam o auge da ourivesaria barroca. Estes objectos,
assim como vestes de culto, pinturas, etc., encontram-se hoje expostos
no Museu de Arte Sacra de São Roque.
Enquanto se construía esta capela intensificava-se o povoamento do
Brasil, cuja população aumentava de forma exponencial. Já em 1719 tinha
por esse motivo sido criada a Diocese de Belém do Pará, e D. João V insistiu agora que fossem criadas duas noves dioceses no Brasil, o que veio a suceder com a criação da Diocese de São Paulo, até então uma prelatura da Diocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, e da Diocese de Mariana,
ambas a 6 de Dezembro de 1745. Portugal afirmava-se cada vez mais como
um dos principais estados católicos; e a edificação da Capela de São
João Baptista, com toda a sua magnificiência, depois das várias outras
construções de D. João V, terá certamente contribuído para a concessão
pelo mesmo papa Clemente XII do título honorífico de Fidelissimus ou Sua Majestade Fidelíssima,
extensível aos seus sucessores, em 1748. Portugal recebia assim as
mesmas honras que Espanha e França, cujos monarcas usavam os títulos de Sua Majestade Católica e Sua Majestade Cristianíssima.
D. João V conseguira, também neste aspecto, ver equiparado Portugal com
as principais potências católicas do seu tempo, o objectivo que em
todos os aspectos sempre guiou a sua política.
Entre os projectos hoje menos conhecidos do monarca conta-se ainda o Miradouro de São Pedro de Alcântara, que oferece uma das vistas mais belas da capital portuguesa. Hoje de aspecto romântico Oitocentista, este miradouro, conhecido de todos os lisboetas, foi construído na década de 1740 por iniciativa de D. João V.
Produção literária
Como interessado que estava em afirmar Portugal como grande nação, D.
João V usou também a produção literária para o atingir. Assim, o seu
reinado foi marcado por uma grande produção literária sobre temas
relacionados com a história, a geografia, e a língua portuguesa. Aqui, o
exemplo máximo será talvez o Vocabulario Portuguez e Latino, o primeiro dicionário da língua portuguesa, cujos dez volumes, da autoria de Raphael Bluteau (1638-1734), foram publicados entre 1712 e 1721. Outras obras menores no género, de outros autores, são por exemplo as Regras da Lingua Portugueza (1725), a Orthographia, ou arte de escrever, e pronunciar com acerto a Lingua Portugueza (1734), e outra Orthographia da Lingua Portuguesa (1735), esta última de D. Luís Caetano de Lima (1671-1757).
D. João V procurou justamente incentivar tais obras literárias sobre Portugal e assuntos portugueses; e em 1720, fundou a Academia Real da História Portuguesa para o efeito, com imprensa própria e numerosos gravadores franceses e flamengos.[49]
Durante os próximos vinte anos, a Academia publicaria vasto número de
obras, incluindo por exemplo algumas das crónicas manuscritas de reis
medievais portugueses, de cronistas como Fernão Lopes, Rui de Pina ou Duarte Galvão, como por exemplo as crónicas de D. Afonso Henriques (1726), D. Dinis (1729), ou D. Pedro I (1735).
A academia acrescentaria ainda outras histórias ainda não escritas
anteriormente, colmatando assim lacunas na historiografia portuguesa,
como uma história de D. Sebastião
composta por Diogo Barbosa Machado (1682-1772) em três tomos
(1736-1747). Este autor compilou ainda uma rica biblioteca pessoal de
alguns milhares de volumes, que mais tarde ofereceria ao rei D. José I, depois do Terramoto de 1755 ter destruído a Biblioteca Real no Paço da Ribeira; esta biblioteca seria mais tarde levada para o Brasil aquando da transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1808, e constitui hoje a maior parte do fundo primitivo da Biblioteca Parque Estadual.
Os académicos da academia enriqueceram ainda a cultura portuguesa de
então com obras sobre outros estados e nações, como uma história da Ordem dos Templários, uma outra da Ordem de Malta, ou ainda a Geografia Historica de Todos os Estados Soberanos de Europa,
composta por D. Luís Caetano de Lima em dois tomos (1734 e 1736). No
entanto, como o próprio nome da academia reflectia, a prioridade era
naturalmente Portugal.
A obra magna da academia foi a Historia Genealogica da Casa Real Portugueza, de D. António Caetano de Sousa
(1674-1759). Esta, uma das mais importante obras do reinado de D. João
V, é a culminação Setecentista de uma riquíssima tradição portuguesa de
histórias genealógicas,[50] anterior mesmo, por exemplo, ao Conde de Barcelos em meados do século XIV, e aos seus Livro de Linhagens do Conde D. Pedro e Crónica Geral de Espanha de 1344.
Os 13 volumes de texto desta grande história de Portugal, com 14.203
páginas, e 6 volumes de provas documentais, com 4.580 páginas, foram
publicados entre 1735 e 1749.
Muitas outras obras marcadamente portuguesas foram ainda publicadas
durante o reinado de D. João V, em parte impulsionadas pela academia. Um
bom exemplo é a História Trágico-Marítima, de Bernardo Gomes de Brito
(1688-1759) ― uma obra que dificilmente poderia ter sido escrita noutro
país que não Portugal. Os seus dois tomos foram publicados em 1735 e
1736. Outra foi a Descripçam Corografica do Reyno de Portugal (1739), que contém uma exacta relação de todas as províncias e concelhos do reino. No final do reinado, Luís António Verney (1713-1792) escreveu a obra O Verdadeiro Método de Estudar,
um seminal estudo crítico e ensaio filosófico sobre o ensino em
Portugal, igualmente em dois tomos, publicado em 1746, em tudo muito
superior à Nova Escola para Aprender a Ler, e Escrever (1722) de Manuel de Andrade de Figueiredo (1670-1735).
Como bibliófilo que era, D. João V para além de custear por exemplo a publicação das obras da Academia, como os dez tomos do Vocabulario Portuguez e Latino e os dezanove tomos da História Genealogica da Casa Real Portugueza,
favorecia ainda autores de poucos meios, possibilitando a publicação de
obras que sem a intervenção do monarca possivelmente ficariam por
imprimir. E quando alguma obra lhe era indicada como excelente e já
rara, não hesitava em a mandar reimprimir ― como por exemplo o Tratado dos Descobrimentos Antigos e Modernos (1735), de António Galvão (1490-1557), uma obra que não tinha sido impressa desde 1563.
Um outro exemplo da bibliofilia do rei viu-se quando D. João V no
início da década de 1740 ordenou ao embaixador em Roma que formasse uma
colecção de todas as obras que pudesse descobrir nas bibliotecas da
cúria romana que dissessem respeito à história de Portugal, ao mesmo
tempo que ordenava a Sebastião José de Carvalho e Melo,
então ministro plenipotenciário em Londres, que reunisse uma colecção
de tudo quanto pertencesse aos ritos, leis, e costumes dos judeus,
incluindo bíblias hebraicas, em qualquer das línguas vivas ― o que o futuro Marquês de Pombal fez, compilando uma valiosa colecção que chegaria a Lisboa em 1743.
Sobre D. João V e a sua rica livraria escreveu D. António Caetano de Sousa:
“Assim tem uma numerosa e admiravel livraria, que se veem as edições mais raras, grande numero de manuscriptos, instrumentos mathematicos, admiraveis relogios, e muitas outras cousas raras que ocupam muitas casas e gabinetes.”
Outros estudiosos e escritores portugueses notáveis do reinado foram Jacob de Castro Sarmento (1691-1762), António Ribeiro Sanches (1699-1783), e Francisco Xavier de Oliveira, o Cavaleiro de Oliveira, (1702-1783), estes no exílio (ver infra).
Produção artística e científica
Portugal viveu uma grande riqueza artística durante o reinado de D.
João V. Parte desta riqueza artística era no entanto, por assim dizer,
totalmente importada, e paga em ouro do Brasil. Um exemplo é a magnífica
Custódia da Bemposta, outrora na capela do Palácio da Bemposta, hoje no Museu Nacional de Arte Antiga, ambos em Lisboa. A custódia foi desenhada por um ourives alemão formado em Roma ― João Frederico Ludovice,
o arquitecto de Mafra ― contractado por D. João V e pago em ouro do
Brasil; foi executada em prata dourada com esse mesmo ouro, e foi ainda
decorada com pedras preciosas provenientes também do Brasil ou compradas
com o ouro das Minas. Isto é, é uma obra de arte de certa forma
inteiramente estrangeira ― e um exemplo entre muitos.
Esta informação está errada, pois se verificarem no website do MNAA, a
Custódia da Bemposta foi feita em 1777, e por Mateus Vicente de
Oliveira. O Palácio da Bemposta era, durante o reinado de D. João V,
propriedade do seu irmão, o Infante D. Francisco. Após a morte deste em
1742, passou para o novo titular da Casa do Infantado, o futuro Rei
Consorte D. Pedro III, filho de D. João V. Este Rei foi quem mandou
fazer esta custódia, já muito depois da morte de D. João V (27 anos).
No entanto, graças às numerosíssimas comissões de D. João V, da casa
real, e da alta nobreza portuguesa, as artes conheceram um
desenvolvimento notável, e o barroco joanino obteve grande riqueza ―
para além da arquitectura, também por exemplo na pintura, na ourivesaria, ou no mobiliário. E certos estilos marcadamente nacionais foram também desenvolvidos, nomeadamente a arte do azulejo, e particularmente a da talha dourada.
Ao mesmo tempo, a convivência com culturas estrangeiras, principalmente
na Índia, permitiu influências estrangeiras, e o desenvolvimento do
estilo indo-português.
Alguns artistas notáveis foram Vieira Lusitano
(1699-1783), pintor; José de Almeida (1700-1769), escultor, e o seu
irmão Félix Vicente de Almeida, entalhador. No Brasil, um conhecido
mestre-de-obras foi Manuel Francisco Lisboa em Ouro Preto, pai de António Francisco Lisboa, o famoso Aleijadinho,
activo no reinado seguinte. Ainda no Brasil, uma colectânea de arte do
reinado de D. João V (e não só) pode ser observada por exemplo no Museu de Arte Sacra de São Paulo e museus congéneres.
D. João V tomava grande agrado pela música, tendo o rei ainda em 1713
fundado um seminário de música, que funcionou primeiramente no paço dos
arcebispos, e posteriormente no convento de São Francisco. A partir de
1730 D. João V introduziu a ópera
italiana na Corte; a data mais antiga conhecida é de 1733, ao cargo do
violinista italiano Alessandro Paghetti. Em 1739 inaugurou-se então um teatro de ópera no Palácio de Belém, que o rei comprara ao Conde de Aveiras
em 1726. Existia ainda um teatro de ópera na Rua dos Condes, mais perto
do palácio real. A importância que D. João V dava à música pode ser
vista por exemplo no Mestre de Capela que contratou, que era também
mestre de música da infanta D. Bárbara: o napolitano Domenico Scarlatti,
o melhor cravista da sua geração; Scarlatti permaneceria em Lisboa de
1719 a 1729 como mestre de música, para depois da Troca das Princesas em
1729 seguir a infanta portuguesa para a corte de Madrid. No panorama
nacional, os mais importantes compositores portugueses do reinado foram Francisco António de Almeida (1702-1755), Carlos Seixas (1704-1742), e António Teixeira (1707-1774).
Quanto às ciências, para além da historiografia nacional, a que mais
privilegiada foi pelo monarca foi a medicina, quer com traduções de
obras estrangeiras ― como a Cirurgia Anatomica, & completa por Perguntas e Respostas (1715), de um original francês ―, quer com novas fundações, como quando fundou uma escola de cirurgia no Hospital Real de Todos os Santos em Lisboa em 1731, e quando aprovou os estatutos de uma academia cirúrgica no Porto em 1746. Outras ciências naturais, tais como a física e química, foram no entanto mais neglicenciadas.
De um modo geral, as ciências em Portugal não atingiram um
desenvolvimento assinalável durante o reinado de D. João V. Para isto
terá também sem dúvida contribuído o clima de censura da Inquisição
(ver infra). E mesmo a medicina sofreu com as actividades da
Inquisição, visto muitos médicos serem judeus (ver infra). Neste
panorama de estagnação científica encontramos contudo uma clara
excepção: a engenharia. De todas as ciências, a que melhores resultados
apresentou durante o reinado de D. João V foi sem dúvida a engenharia,
uma arte então essencialmente militar, tal como era ensinada nas
academias militares, mas também com ampla aplicação civil em tempo de
paz. O reinado de D. João V produziu assim notáveis engenheiros, tais
como Manuel de Azevedo Fortes (1660-1749), Engenheiro-mor do reino em 1719 e autor de por exemplo O Engenheiro Portuguez, em dois tomos (1728), Manuel da Maia (1677-1768), arquitecto do Aqueduto das Águas Livres, um dos mais notáveis feitos de engenharia do século XVIII na Europa, ou ainda Eugénio dos Santos (1711-1760), responsável pela reconstrução do Terreiro do Paço
depois do Terramoto em 1755. Para além destes engenheiros, e num campo
totalmente diverso, é ainda justo mencionar a figura do cientista e
inventor Bartolomeu de Gusmão (1685-1724), inventor da passarola.
A nobreza
O reinado de D. João V foi relativamente estável quanto à nobreza. Ao
todo existiam cerca de cinquenta casas nobres tituladas, todas ainda
pertencentes à mesma élite que podemos observar por exemplo no Livro do Armeiro-Mor
de 1509, e que todas ainda conservavam os seus velhos poderes e
prerrogativas. Graças ao ouro do Brasil foi ainda possível ao rei
recompensar a mais alta nobreza, de modo que esta sempre se mostrou fiel
ao monarca. A sociedade portuguesa sob D. João V era em todos os
aspectos uma sociedade típica do Antigo Regime.
Contenção nobiliárquica
Um aspecto extraordinário do governo de D. João V, em que Portugal se
destaca de todos os principais reinos europeus, foi no entanto a
contenção quanto à distribuição de títulos nobiliárquico pelo monarca, contrariamente à distribuição de simples foros de fidalgo da Casa Real.
Em todos os reinos europeus nesta era assistiu-se a uma enorme
inflação nobiliárquica: os monarcas aumentaram significativamente os
números da nobreza titulada, conferindo imensas vezes títulos como
recompensa. Na vizinha Espanha, por exemplo, passara-se de 144 casas
tituladas em 1621 a 528 em 1700, e a tendência continuou durante a época
de D. João V: em 1787 existiam 654 casas tituladas ― cinco vezes mais
títulos que cento e cinquenta anos antes.[51]
Na Grã-Bretanha passara-se o mesmo: de 55 títulos em 1603, passara-se a
173 casas tituladas em 1700; e em 1800 existiam 267 casas tituladas ―
cinco vezes mais títulos que duzentos anos antes.[37]
Em Portugal, no entanto, nada disto se observou. Em 1640, aquando da Restauração, tinham existido 56 casas tituladas. Como resultado da aclamação de D. João IV,
alguns títulos de apoiantes do domínio espanhol foram revogados, e
novos foram dados a apoiantes da indepêndencia portuguesa. No entanto,
finda a Guerra da Restauração
em 1668, em 1670 existiam apenas ainda 50 títulos em Portugal. Em 1700,
o número passara a 51. Em 1730, a meio do longo reinado de D. João V,
esse número era ainda de 51; e em 1760, no início do reinado de D. José
I, tinha caído para 48. Ainda em 1790 o número de casas tituladas em
Portugal era apenas 54 ― o mesmo que cento e cinquenta anos antes.[52]
D. João V, tal como o pai, D. Pedro II, e o filho, D. José I, apenas
raramente conferia títulos de nobreza; e ao mesmo ritmo que conferia
alguns poucos, outros títulos antigos existentes extinguiam-se,
normalmente por falta de sucessão. Esta contenção por parte dos monarcas
é ainda mais marcante se se contemplar as comendas das Ordens Militares.
Antes da Restauração existiam mais de quatrocentos comendadores das
várias Ordens. À morte de D. João V esse número tinha sido reduzido a
pouco mais de metade.[53]
A contenção de D. João V torna-se ainda mais óbvia se analisarmos os poucos títulos que conferiu:
- Duque de Lafões ― 1718 ― um primo ilegítimo de D. João V
- Marquês de Penalva ― 1750
- Marquês de Castelo Novo ― 1744 ― quando foi nomeado Vice-rei da Índia
- Marquês de Alorna ― 1748 ― recompensa pelas Novas Conquistas na Índia
- Marquês de Louriçal ― 1740 ― quando foi nomeado Vice-rei da Índia
- Marquês de Abrantes ― 1718 ― recompensa pela embaixada a Roma
- Marquês de Angeja ― 1714 ― quando foi nomeado Vice-rei do Brasil
- Conde de Sandomil ― 1732 ― quando foi nomeado Vice-rei da Índia
- Conde de Sabugosa ― 1729 ― enquanto era Vice-rei do Brasil
- Conde de Alva ― 1729
- Conde do Lavradio ― 1725
- Conde de Povolide ― 1709
Isto é, em 43 anos de reinado, e excluindo o primo, D. João V apenas
conferiu títulos a dez homens. No entanto, todos os agraciados com um
marquesado eram já condes. E em apenas quatro casos não existiam motivos
extraordinários para conferir o título: uma nomeação como vice-rei, ou
uma missão diplomática (Abrantes) ou militar (Alorna) vitoriosa. Excepto
estes casos extraordinários, vemos assim como D. João V apenas conferia
um título de nobreza uma vez por década.
Esta extraordinária contenção nobiliárquica, completamente oposta ao
que se verificava no resto da Europa, significava que existiam poucos
meios de se distinguir na sociedade. Assim, as dignidades existentes, e
possíveis de atingir, eram fortemente concorridas, com importantes
consequências sociais: os foros de fidalgo da Casa Real; os hábitos das
Ordens Militares; e o estatuto de familiar do Santo Ofício da Inquisição.
A Igreja e a Inquisição
Assim como Roma para D. João V sempre foi, em matérias de política
internacional, o verdadeiro fiel da balança europeia, assim continuava
Portugal durante o seu reinado a ser um país em que a Coroa e a Igreja Católica,
não obstante as disputas referidas supra, formavam um bloco homogéneo.
Um exemplo disto é o facto de o rei, depois da morte do antigo diplomata
e Secretário de Estado Diogo de Mendonça Corte-Real em 1736, ter escolhido para o cargo um cardeal da Igreja, D. João da Mota e Silva, que exerceu o cargo por mais de uma década. Merece ainda destaque o longo período do cardeal D. Tomás de Almeida como Patriarca de Lisboa de 1716 a 1754.
Limpeza de sangue
O reino de Portugal era oficialmente apenas católico, não existindo
lugar para outras crenças. No entanto, se bem que o número de protestantes ― considerados hereges ― em Portugal fosse ínfimo, o número de cristãos-novos era considerável, ainda que variável de região para região. E alguns destes cristãos-novos eram criptojudeus, isto é, practicavam ainda em segredo o judaísmo.
Por esse motivo, os velhos estatutos do século XVI de "limpeza de sangue",
que exigiam ausência de antepassados judeus ― ou muçulmanos ― para se
poder ocupar uma grande variedade de cargos no reino, existiam também
ainda durante o reinado de D. João V. Para se poder obter uma longa
lista de promoções, ou por exemplo ser feito cavaleiro de uma das três Ordens Militares, seria necessário provar essa “limpeza de sangue”. Esta era documentada através de uma Habilitação de Genere et Moribus.
No entanto, a Inquisição neste período, se bem que ainda perseguisse
judeus, era também um mecanismo de prestígio na sociedade. Numa
sociedade em que títulos nobiliárquicos eram impossíveis de obter para
quem não pertencesse a uma extraordinariamente restricta élite de uma
vintena de famílias, o prestígio passava pelos simples foros da Casa
Real e pelas Ordens Militares ― e pela “limpeza de sangue”.
A Inquisição em Portugal nesta época funcionava assim também como uma
simples emissora de certidões de “limpeza de sangue”. Realizava
habilitações de genere, e passava aos cidadãos que as requeressem ― e
pagassem ― certidões de, por assim dizer, “melhor raça”. E esta era uma
parte não pouco importante das suas funções.
Existia ainda a categoria de familiar do Santo Ofício,
que também exigia “limpeza de sangue”. Os familiares eram agentes
locais da Inquisição, de família respeitável de comprovada
ancestralidade, que auxiliavam o tribunal, fazendo denúncias a nível
local. No entanto, nesta época a dignidade era muitas vezes uma simples
questão de prestígio a nível local ― se bem que em cidades e vilas com
maior número de cristãos-novos existissem normalmente mais familiares.
Mas estudos recentes para os concelhos das terras da Casa de Bragança no
Alentejo ― vilas de Alter do Chão, Arraiolos, Borba, Évoramonte, Monforte, Monsaraz, Portel, Sousel, e Vila Viçosa
― sugerem que o número de familiares não seria elevado; e curiosamente,
mostram que ao longo do reinado de D. João V o seu número parece ter
aumentado com o tempo precisamente à medida que a importância da
Inquisição diminuia: de 10 familiares ao todo nas nove vilas na década
de 1710, o número aumentou para 15 na de 1720, 24 na de 1730, e 28 na
última década do reinado de D. João V.[54]
Esta têndencia sugere fortemente que ― como foi recentemente também visto em Minas Gerais
no Brasil ― era de facto o prestígio o que mais levava os homens a
procurar a dignidade de familiar, e não as actividades do tribunal.[55]
Não obstante tudo isto, a verdade é que a Inquisição perseguiu os judeus portugueses durante o reinado de D. João V, incluindo alguns notáveis, executando alguns e motivando a emigração de outros, tais como:
- Jacob de Castro Sarmento (1691-1762), médico e filósofo natural, emigrado para Londres como resultado de denúncias justamente no Alentejo.
- António Ribeiro Sanches, médico e filósofo, emigrado por denúncia de um primo. Viveu em São Petersburgo e Paris.
- António José da Silva (1705-1739), o Judeu, dramaturgo, condenado e executado pela Inquisição.
Censura literária
Para além da perseguição aos criptojudeus e da emissão de certidões
de "limpeza de sangue", o tribunal do Santo Ofício tinha também uma
importante actividade censória. Existia um índice oficial ― o Index Librorum Prohibitorum ― de obras que eram vistas como opostas à doutrina da Igreja Católica, e qualquer obra, antes de ser impressa, teria obrigatoriamente que passar pela censura da Inquisição, e receber as necessárias licenças do Santo Ofício.
Apenas umas poucas instituições eram julgadas possuir tão elevada
estatura moral que estavam isentas da censura do Santo Ofício, e
dependiam apenas dos seus próprios censores. Uma destas instituições era
a Academia Real da História Portuguesa,
que possuía uma mesa própria de quatro censores; um deles era por
exemplo D. Diogo Fernandes de Almeida (1698-1752), escolhido pela
Academia para escrever principalmente história eclesiástica, nomeado
censor em 1737.
Assim vemos um fenómeno de certo modo paradoxal: D. João V por um
lado dotou a Universidade de Coimbra com uma bela biblioteca
universitária, aumentou a sua verba para aquisição de livros, ordenou
aos embaixadores em Roma e Londres que lhe enviassem livros, e fundou
mesmo a Academia Real da História, tudo para fomentar o eruditismo no
reino, mas por outro lado via com bons olhos a existência de uma
instituição que de certo modo impedia esse mesmo eruditismo, quando as
áreas estudadas eram consideradas incompatíveis com a doutrina cristã.
No entanto, isto não nos deve surpreender demasiado, nem se deve
exagerar o efeito da censura da Inquisição. Todos os estados europeus à
época de D. João V tinham alguma forma de censura nos seus reinos. A
principal diferença estava nas áreas que eram censuradas: enquanto no
norte protestante existia maior liberdade científica, em todo o sul
católico essa liberdade era menor.
Ficou recentemente demonstrado, graças a pesquisa histórica em
arquivos do Vaticano recentemente abertos, que contrariamente ao
imaginário popular, a Inquisição católica sul-europeia era relativamente
suave na maioria dos casos que iam a tribunal, e mais suave que as
igrejas protestantes norte-europeias quanto à perseguição de membros
menos ortodoxos da sociedade, nomeadamente as bruxas no século XVII.[56]
Mas em verdade o Tribunal do Santo Ofício em Portugal continuou as suas
actividades para além dessa centúria, e perseguiu também outras formas
de pensamento pouco ortodoxo, levando a que figuras como o Cavaleiro de Oliveira
acima mencionado tenham escolhido o exílio. Isto prejudicou sem dúvida
alguma a livre transmissão de ideias na sociedade, e terá atrasado o
desenvolvimento científico e social do país. Um sintoma é o facto de Luís António Verney
acima mencionado ainda em 1746 ter sentido necessidade de publicar a
sua obra, talvez considerada demasiado progressiva, sob pseudónimo.
Manufacturas e pragmáticas contra o luxo
Para além da sua política de ostentação, e da ter mantido relações
com várias freiras, D. João V é hoje principalmente lembrado pelas suas
construções. No entanto, o rei tentou também fomentar a industrialização
do reino, ou melhor dito, as manufacturas:
“Durante o reinado de D.João V, além de se dar sequência aos planos económicos que vinham de longe, ampliaram-se e robusteceram-se com novas disposições que a experiência foi aconselhando” [referência no original]. Assim se refere Fortunato de Almeida à política de desenvolvimento interno do Rei Magnânimo, a quem, como afirma, “alguns só conhecem dissipações de ostentação e vícios pessoais” [referência no original]. Contrariando essa visão, o autor refere que D. João V ”facilmente compreendeu quanto convinha apoiar o desenvolvimento económico” [referência no original] e terá sido nessa perspectiva que dinamizou as manufacturas. Entre estas, salienta-se a fundação de uma fábrica de papel na Lousã. Esta iniciativa enquadra-se na política de industrialização que remonta a D. Pedro II, política a que D. João V deu continuidade."[57]
O rei sempre mostrou interesse pela fundação de manufacturas e outras
empresas que pudessem fortalecer a economia do reino. Logo no início do
reinado fundou por exemplo a Companhia de Comércio de Macau (1710);
exemplos de manufacturas relevantes são a fábrica de papel da Lousã (1716), a fábrica de vidros da Coina (1722, transferida para a Marinha Grande em 1748), as fábricas de pólvora de Alcântara e Barcarena
(1729), ou a fábrica de sedas de Lisboa (1734). Com a fundação de
manufacturas como estas procurava D. João V substituir importações
estrangeiras com produção nacional em sectores vitais da economia.
A fundação da fábrica de sedas prende-se ainda com as Leis Pragmáticas:
toda uma legislação contra o luxo no reino, em que se tentava limitar o
uso exagerado de materiais de luxo importados, e assim evitar a saída
de ouro para o estrangeiro. Nesta era, este tipo de leis tivera início
com D. Pedro II, o pai de D. João V, e leis de 1677, 1686, e 1698. Do
mesmo modo, várias vezes durante o seu longo reinado ― a primeira das
quais já em 1708, e a última em 1749 ― legislou D. João V sobre a
matéria. Toda uma legislação extremamente detalhada foi desenvolvida,
definindo que grupos sociais ― de fidalgos a escravos ― podiam usar que
materiais, tais como sedas e rendas nos trajes, ouros e pratas, vidros e
cristais, etc. nos coches e liteiras, no mobiliário, etc.
Toda esta legislação tinha essencialmente dois objectivos:
diferenciar socialmente os súbditos do rei, de maneira a facilitar a
identificação social das pessoas (e evitar por exemplo que burgueses
exibissem o se julgava ser prerrogativas da fidalguia); e limitar afinal
as importações, ao mesmo tempo que a fundação de manufacturas procurava
satisfazer as necessidades do reino.
Pragmáticas contra o luxo foram no século XVIII vistas em
practicamente toda a Europa; um caso extremo da Dinamarca de 1783 tentou
mesmo legislar que vinhos poderiam ser bebidos em que ocasiões.[58]
No entanto, não havia naturalmente maneira de fiscalizar todo um reino
para controlar tais leis, e na maior parte dos casos pouco ou nenhum
efeito tiveram. No caso português, o uso por exemplo da cor vermelha na
libré, prerrogativa da casa real, era facilmente detectável e
severamente punido; mas no caso de detalhes como cintos e lenços as
transgressões eram practicamente impossíveis de detectar ― e os
consumidores continuaram, independentemente da igualdade de qualidade
que muitas das manufacturas portuguesas apresentavam, a dar preferência
aos artigos importados. Assim, a política de fomento de manufacturas e
substituição de importações de D. João V, de uma forma geral, não surtiu
efeito.
Emigração para o Brasil
Um outro factor digno de menção sobre a sociedade joanina, pois
marcou todo o reinado de D. João V, foi a fortíssima emigração para o
Brasil que se fez sentir, devido à atração do ouro. Foi nesta época que
Portugal efectivamente iniciou a povoação do Brasil, cuja população
possivelmente terá quadruplicado durante o reinado de D. João V, a
partir de uma população de talvez trezentas mil pessoas.
Todos os anos quatro, cinco, seis mil ou mais portugueses, principalmente do Minho,
emigravam para o Brasil. Numa tentativa de controlar este êxodo a coroa
chegou a legislar: três leis, em 1709, 1711, e novamente em 1720,
tentaram regular a migração minhota para o Brasil, sem grande efeito. Em
relação à lei editada em 1720, as autoridades afirmavam: "Tendo sido
o mais povoado, o Minho hoje é um estado no qual não há pessoas
suficientes para cultivar a terra ou prover para os habitantes."[59]
De modo inverso, em 1721 o Conde de Assumar, futuro Marquês de Alorna
na Índia, escreveu da sua capitania no Brasil que muitas jovens
portuguesas eram enviadas para conventos em Portugal, e que melhor seria
se ficassem e casassem no Brasil. Finalmente, em 1732, D. João V
proibiu a saída de mulheres portuguesas para o reino sem a sua
autorização expressa ― um alvará que, contribuindo para o povoamento do
Brasil, não aleviou no entanto a emigração portuguesa. Como se escrevia
dois anos mais tarde, a propósito da festividade do Triunfo Eucarístico em Villa Rica em 1733, "Viu-se em breve tempo transplantado meio Portugal a este empório."[60]
Saúde e morte do rei
D. João V sempre teve saúde delicada. Ainda em 1709 foi sangrado
devido a caroços no pescoço. Em 1711 convalesceu de uma queixa de
flatos. Em 1716 foi restabelecer-se em Vila Viçosa
de doença de cariz melancólico. Foi essa a primeira de duas ocasiões em
que a rainha sua esposa foi regente do reino em sua ausência.
No dia 10 de Maio de 1742, com apenas 52 anos de idade, teve um forte ataque, que uma testemunha descreveu da seguinte maneira: "um estupor o privou dos sentidos e ficou teso de toda a parte esquerda, com a boca à banda." Este foi o primeiro ataque de paralisia que teve. O monarca melhorou com o passar dos dias, indo aos banhos nas Caldas da Rainha
e ao Santuário da Nazaré. Foi essa a segunda vez que a rainha foi
regente do reino. D. João V voltou passado pouco tempo ao governo, mas
já como um homem diminuído e menos energético.
O rei faria nos últimos anos de vida ao todo mais doze jornadas às
Caldas, para convalescer e descansar: Julho-Agosto de 1742, Maio de
1743, Setembro de 1743, Abril-Maio de 1744, Julho de 1744, Outubro de
1744, Maio de 1745, Outubro de 1745, Setembro-Outubro de 1746, Abril de
1747, Setembro de 1747, e Setembro de 1748. Mas gradualmente adoeceu
cada vez mais. Em Julho de 1750 piorou então tanto que foi sacramentado.
Chamaram-se frades, recitaram-se salmos e jaculatórias, e o
Cardeal-Patriarca veio administrar-lhe o sacramento da extrema unção. O
rei faleceu a 31 de Julho de 1750, após mais de quarenta anos de
governo. Ao morrer, o rei tinha a seu lado a rainha, o príncipe D. José,
os infantes D. Pedro e D. António, o futuro Cardeal da Cunha, e os médicos da corte. Jaz no Panteão dos Braganças, ao lado da esposa, no mosteiro de São Vicente de Fora em Lisboa.
Legado
Na última década do reinado de D. João V a produção de ouro no Brasil
alcançou o ápice. Várias toneladas de ouro chegavam todos os anos a
Lisboa. Mas apesar do aparente estado de prosperidade dos cidadãos
portugueses durante o reinado de D. João V, o ouro que foi obtido na
colónia não foi aproveitado de forma a fomentar um estado de facto
próspero. As tentativas de fomentar o comércio e a manufactura
do reino foram ainda assim poucas e insuficientes. Como resultado, a
capacidade de produção de Portugal, já de si inferior aos grandes
centros de artesanato, manufactura, e comércio norte-europeus, não foi
capaz de acompanhar o crescimento destes. Assim, à morte de D. João V
Portugal estava ainda mais atrasado em relação aos estados
norte-europeus que quando D. João V subiu ao trono.
Isto, no entanto, era um fenómeno compartilhado por toda a Europa do
sul, e dificilmente atribuível a D. João V; o tema foi magistralmente
estudado por Max Weber na obra fundamental que é A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.
D. João V tentou, ao longo de todo o seu reinado, afirmar Portugal
como uma potência de primeira grandeza, e usou os métodos típicos de
alguém nascido no sul da Europa no último quartel do século XVII. Tudo o
que fez no campo político tem que ver com esta vontade de ver Portugal
equiparado com as grandes potências ― aproveitando a estável aliança com
a Grã-Bretanha. No entanto, fez também tentativas ― que se mostraram
totalmente insuficientes ― para melhorar as manufacturas. Mas se bem que
o rei poderia sem dúvida ter feito mais nesse sentido, os problemas
existentes eram, tal como em todo o sul da Europa, estruturais e muito
profundos. Veja-se que nem mesmo as imensas reformas do Marquês de Pombal no reinado seguinte, assim com as de Carlos III de Espanha na mesma época, conseguiram aproximar os países ibéricos dos norte-europeus.
A longa paz, salvo casos pontuais, a partir do segundo quartel do
século, fez D. João V neglicenciar a Armada Real, que à data da sua
morte apenas tinha dois terços dos efectivos que tivera durante a Guerra
da Sucessão Espanhola.[61]
Assim, Portugal colocou-se numa posição cada vez mais dependente da
Grã-Bretanha, como já se vira em 1736. No final do reinado, D. Luís da Cunha, o veterano diplomata, escreveu de Paris o seu "Testamento Político",
uma carta ao príncipe herdeiro, em que, entre muitas outras reformas ―
sobre por exemplo policiamento e iluminação nas ruas de Lisboa, ou mudar
a Corte para o Brasil ―, aconselhava justamente o futuro rei a
fortalecer o exército e a Armada, de modo a diminuir a depêndencia da
Grã-Bretanha. O Terramoto de 1755 logo traria outras prioridades.
Hoje, o legado de D. João V é, para os historiadores, a extensa obra
literária que fomentou, e para o público geral os edifícios e obras de
arte que mandou criar, muitas de grande beleza.
Curiosamente, o bronze dos sinos do carrilhão de Mafra e demais sinos
da basílica, ao todo 110 sinos, chegaria para armar uma nau de guerra
de peças de bronze. Poucas dúvidas existem de que se o seu irmão, o
infante D. Francisco, tivesse reinado em lugar de D. João V, isto seria o
que teríamos visto: o conselho de D. Luís da Cunha de fortalecer as
armas, o exército e a Armada levado a cabo.[62]
O irmão do rei teria preferido usar o ouro do Brasil ― ou neste caso o
bronze ― para fabricar canhões, e comprar mosquetes. D. João V preferiu
encomendar sinos, e estátuas.
Assim, o longo reinado de D. João V serve também para ilustrar quão
fundamental era a personalidade do rei absoluto para a política do
Estado durante o Antigo Regime.
Títulos, estilos, e honrarias
Estilo real de tratamento de João V de Portugal |
|
Brasão de armas do Reino de Portugal (1640-1910) | |
Estilo real | Sua Majestade Fidelíssima |
---|---|
Tratamento directo | Vossa Majestade Fidelíssima |
Estilo alternativo | Senhor |
N.B. O estilo de Majestade Fidelíssima só foi concedido a D. João V em 1748, pelo Papa Bento XIV. |
Títulos e estilos
- 22 de Outubro de 1689 – 1 de Dezembro de 1696: Sua Alteza, O Sereníssimo Infante João de Portugal
- 1 de Dezembro de 1696 – 9 de Dezembro de 1706: Sua Alteza Real, O Príncipe do Brasil, Duque de Bragança, etc.
- 9 de Dezembro de 1706 – 23 de Dezembro de 1748: Sua Majestade, O Rei de Portugal e dos Algarves
- 23 de Dezembro de 1748 – 31 de Julho de 1750: Sua Majestade Fidelíssima, O Rei de Portugal e dos Algarves
O estilo oficial de D. João V enquanto Rei de Portugal:
Pela Graça de Deus, João V, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc.
Pela Graça de Deus, João V, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc.
Honrarias
Enquanto monarca de Portugal, D. João V foi Grão-Mestre das seguintes Ordens:
- Ordem dos Cavaleiros de Nosso Senhor Jesus Cristo
- Ordem de São Bento de Avis
- Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem de Sant'Iago da Espada
- Antiga e Muito Nobre Ordem da Torre e Espada
Programa 26
DOM JOSÉ I - O REFORMADOR
José I de Portugal
José I | |
---|---|
Reinado | 31 de julho de 1750 a 24 de fevereiro de 1777 |
Aclamação | 8 de setembro de 1750 |
Predecessor | João V |
Sucessores | Maria I e Pedro III |
Esposa | Mariana Vitória da Espanha |
Descendência | |
Maria I de Portugal Maria Ana Francisca de Portugal Maria Doroteia de Portugal Benedita de Portugal | |
Nome completo | |
José Francisco António Inácio Norberto Agostinho | |
Casa | Bragança |
Pai | João V de Portugal |
Mãe | Maria Ana da Áustria |
Nascimento | 6 de julho de 1714 Paço da Ribeira, Lisboa, Portugal |
Morte | 24 de fevereiro de 1777 (62 anos) Palácio de Sintra, Sintra, Portugal |
Enterro | Panteão da Dinastia de Bragança, Igreja de São Vicente de Fora, Lisboa, Portugal |
Religião | Catolicismo |
José I (Lisboa, 6 de julho de 1714 – Sintra, 24 de fevereiro de 1777), apelidado de "o Reformador", foi o Rei de Portugal e Algarves de 1750 até sua morte. Era o terceiro filho do rei João V e sua esposa a rainha Maria Ana da Áustria.
Reinado
O reinado de José I é sobretudo marcado pelas políticas do seu secretário de Estado, o Marquês de Pombal, que reorganizou as leis, a economia e a sociedade portuguesa, transformando Portugal num país moderno.
Quando subiu ao trono, José I tinha à sua disposição os mesmos meios de acção governativa que os seus antecessores do século XVII, apesar do progresso económico realizado no país, na primeira metade do século XVIII.
Esta inadaptação das estruturas administrativas, jurídicas e políticas do país, juntamente com as condições económicas deficientes herdadas dos últimos anos do reinado de João V, vai obrigar o monarca a escolher os seus colaboradores entre aqueles que eram conhecidos pela sua oposição à política seguida no reinado anterior.
Diogo de Mendonça Corte-Real, Pedro da Mota e Silva e Sebastião José de Carvalho e Melo passaram a ser as personalidades em evidência, assistindo-se de 1750 a 1755 à consolidação política do poder central e ao reforço da posição do marquês de Pombal, com a consequente perda de importância dos outros ministros.
A 1 de novembro de 1755, José I e a sua família sobrevivem à destruição do Paço Real no Terremoto de Lisboa por se encontrarem na altura a passear em Santa Maria de Belém. Depois desta data, José I ganhou uma fobia a edifícios de pedra e cal, vivendo o resto da sua vida num complexo luxuoso de tendas no Alto da Ajuda em Lisboa.
Outro acontecimento notável do seu reinado foi a tentativa de regicídio que sofreu a 3 de setembro de 1758 e o subsequente processo dos Távoras. Os Marqueses de Távora, o Duque de Aveiro e familiares próximos, acusados da sua organização, foram executados ou colocados na prisão, enquanto que a Companhia de Jesus foi declarada ilegal e os jesuítas expulsos de Portugal e das colónias.
Uma segunda fase, de 1756 a 1764, caracteriza-se pela guerra com a Espanha e aFrança, pelo esmagamento da oposição interna - expulsão dos Jesuítas, reforma daInquisição e execução de alguns nobres acusados de atentarem contra a vida do rei, entre os quais o duque de Aveiro e o marquês de Távora -, e pela criação de grandes companhias monopolistas, como a do Grão-Pará.
Uma terceira fase, até 1772 é marcada por uma grande crise económica e, até final do reinado, assiste-se à política de fomento industrial e ultramarino e à queda económica das companhias monopolistas brasileiras.
Todo o reinado é caracterizado pela criação de instituições, especialmente no campo económico e educativo, no sentido de adaptar o País às grandes transformações que se tinham operado. Funda-se a Real Junta do Comércio, o Erário Régio, a Real Mesa Censória; reforma-se o ensino superior, cria-se o ensino secundário (Colégio dos Nobres, Aula do Comércio) e o primário (mestres régios); reorganiza-se o exército. Em matéria de política externa, José conservou a política de neutralidade adoptada por seu pai. De notar ainda, o corte de relações com a Santa Sé, que durou 10 anos.
Sucedeu-lhe a filha, a futura rainha Maria I de Portugal (Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana de Bragança); Lisboa, 17 de dezembro de 1734 — Rio de Janeiro, 20 de Março de 1816) que, antes de assumir o trono, foi Princesa do Brasil, Princesa da Beira e duquesa de Bragança. A continuidade dinástica da Casa de Bragança ficou assegurada com o seu casamento com o irmão do Rei e tio da princesa, o futuro rei Pedro III de Portugal. O casamento foi realizado no Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, em Lisboa, a 6 de julho de 1760. Dado o casal já ter filhos quando Maria ascendeu ao trono, passou a ser o rei Pedro III, sendo ainda o 19.º duque de Bragança, 16º duque de Guimarães e 14.º duque de Barcelos, 12.º marquês de Vila Viçosa, 20º conde de Barcelos, 16.º conde de Guimarães, de Ourém, de Faria, e de Neiva, 22.º conde de Arraiolos. Tiveram quatro filhos e três filhas.
Jaz no Panteão dos Braganças, no mosteiro de São Vicente de Fora em Lisboa.
Títulos, estilos, e honrarias
Estilo real de tratamento de José I de Portugal | |
Estilo real | Sua Majestade Fidelíssima |
---|---|
Tratamento directo | Vossa Majestade Fidelíssima |
Estilo alternativo | Senhor |
Títulos e estilos
- 6 de Junho 1714 – 29 de outubro de 1714: "Sua Alteza", o Sereníssimo Infante José de Portugal"
- 29 de Outubro de 1714 – 31 de julho de 1750: "Sua Alteza Real, o Príncipe do Brasil"
- 31 de Julho de 1750 – 24 de fevereiro de 1777: "Sua Majestade Fidelíssima, o Rei"
O estilo oficial de D. José I enquanto Rei de Portugal: "Pela Graça de Deus, José I, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc."
Honrarias
Enquanto monarca de Portugal, D. José I foi Grão-Mestre das seguintes Ordens:
- Ordem dos Cavaleiros de Nosso Senhor Jesus Cristo
- Ordem de São Bento de Avis
- Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem de Sant'Iago da Espada
- Antiga e Muito Nobre Ordem da Torre e Espada
Descendência
Nome | Retrato | Longevidade | Notas |
---|---|---|---|
Havidos de Mariana Vitória de Bourbon (31 de março de 1718 – 15 de janeiro de 1781; casados a 19 de janeiro de 1729) | |||
Maria I de Portugal | 17 de dezembro de 1734 – 20 de março de 1816 | Rainha de Portugal, a título próprio, de 1777 a 1816. Casou-se com o Infante D. Pedro, seu tio. Do casamento nasceram 4 filhos (um deles nado-morto) e 3 filhas. | |
Maria Ana Francisca, Infanta de Portugal | 7 de outubro de 1736 – 16 de maio de 1813 | Seguiu com a restante família real para o Brasil, onde veio a falecer. | |
Maria Francisca Doroteia, Infanta de Portugal | 21 de setembro de 1739 – 14 de janeiro de 1771 | Foi-lhe proposto casar com Luís Filipe II, Duque de Orleães (mais tarde conhecido comoPhilippe Égalité), mas recusou-se. | |
Maria Francisca Benedita, Infanta de Portugal | 25 de julho de 1746 – 18 de agosto de 1829 | Casou-se com o sobrinho, D. José, Príncipe da Beira, em 1777. Não houve descendência. Ficou conhecida como A Princesa-Viúva por ter enviuvado precocemente e nunca ter tido voltado a casar. |
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