QUATRO ESPOSAS: AS RAINHAS DE FELIPE II DE ESPANHA
Aqui se revela um interessante episódio histórico que se cruza com a história de Portugal, não só por Felipe II ter sido o monarca comum ás duas nações, mas porque algumas das suas esposas e rainhas foram Portuguesas. Fique a conhecer a história das 4 esposas de Felipe II de Espanha, primeiro de Portugal.
Felipe II da Espanha (1527-1598) foi um dos maiores monarcas europeus do século XVI. Filho do imperador Carlos V com a infanta portuguesa Isabel de Avis, Felipe comandou um vasto império transatlântico que se estendia até a América do Sul. Sua influência no cenário político quinhentista, porém, aumentou consideravelmente graças a uma antiga estratégia já adotada por outros monarcas séculos antes de seu nascimento, em 21 de maio de 1527: casamentos. Entre os anos de 1543 e 1480, Felipe foi casado quatro vezes, com mulheres provenientes de países distintos, como Portugal, Inglaterra, França e Áustria. Por meio de tais alianças, ele aumentou o poder dos Habsburgo espanhóis, ora mantendo a paz com uma potência rival (como no caso da França), ora conquistando apoio para as suas campanhas militares no continente. Suas esposas, contudo, compartilharam mais do que o mesmo homem: Maria Manuela de Avis, Maria I Tudor, Isabel de Valois e Ana de Áustria tiveram em comum um destino trágico e foram vítimas de sua condição biológica. Embora, na maioria das vezes, fiquem à sombra do marido, suas vidas são bastante interessantes e revelam muito da condição feminina na realeza do século XVI.
Texto: Português
Fonte: Rainhas Trágicas
Parte I:
MARIA MANUELA DE PORTUGAL E MARIA I DA INGLATERRA
Maria Manuela de Portugal (1527-1545)
Nascida no mesmo que seu marido, em 18 de outubro de 1527, Maria Manuela de Avis era filha do rei D. João III de Portugal e, portanto, duas vezes prima do rei, já que sua mãe, Catarina da Áustria, era irmã de Carlos V, assim como a esposa do imperador, Isabel de Avis, era irmã do rei D. João[1]. O duplo casamento entre os pais dos noivos pode ser visto como uma forma de reforçar a aliança entre os reinos ibéricos, perpetuado através da dupla união entre os príncipes Felipe e Joana (filhos dos reis da Espanha), respectivamente com Maria e Manuel (filhos dos reis de Portugal). Em última análise, essas relações de consanguinidade contribuíram para a chamada União Ibérica, em 1580. Aos 15 anos, em 1542, Felipe, então príncipe das Astúrias e herdeiro do trono, foi prometido à infanta Maria Manuela, tendo se casado com ela um ano depois. O jovem casal, inclusive, visitou sua avó no castelo de Tordesilhas, a rainha Joana I de Castela, que ficou muito contente em ver seus netos casado. Porém, o matrimônio não trouxe felicidade para ambos. Felipe logo começou a se interessar por outras mulheres e tratava publicamente sua esposa com frieza. Na opinião do seu biógrafo, Henry Kamen, “a frieza de Felipe para com sua esposa era de se esperar em um casamento arranjado entre duas pessoas muito jovens” (2003, p. 43). Carlos V, por sua vez, atribuía esse comportamento à falta de maturidade do filho.
Com efeito, essas informações desagradaram bastante os pais de Maria Manuela. Em janeiro de 1544, o imperador ficou sabendo que “o príncipe está algo distante da princesa, e em Portugal estão bastante ressentidos com isso” (apud KAMEN, 2003, p. 43). Em uniões como essa, realizadas por questões políticas, felicidade era algo com que uma princesa não poderia contar. Mas, à medida que foram se conhecendo melhor, é possível que tivesse surgido alguma afeição entre eles. No outono de 1544 foi relatado que o casal “se dava muito bem”. Em 8 de julho de 1545, Maria deu à luz ao primeiro filho, o Infante Carlos. Em 1560, Felipe reconheceria Carlos como herdeiro da coroa espanhola. O jovem, porém, era fisicamente deformado e tinha problemas mentais, devido, provavelmente, às relações consanguíneas entre as casas reais portuguesa e espanhola. Apesar disso, ela se constituía num bom partido no jogo da política matrimonial europeia. Na década de 1560, casamentos entre ele e outras princesas reais chegaram a ser cogitados, como com as filhas do rei Henrique II da França, Isabel e Margarida de Valois; com Mary Stuart, rainha reinante da Escócia; e Ana da Áustria, filha do imperador Maximiliano II. Nenhuma delas, contudo, chegaria a se casar com ele, possivelmente por causa do pai, que com o tempo passou a lhe nutrir ressentimento.
O relacionamento entre Felipe II e seu primogênito se tornou bastante conturbado. O rei dava sinais de querer deserdar Carlos, que entrou em rebelião contra ele. Em 1568, o príncipe foi aprisionado e morreu seis meses depois. Acredita-se que teria sido envenenado por ordem de Felipe. Verdade ou não, o fato é que o jovem se constituía num estorno para seu pai. Ele não chegou a conhecer sua mãe, que morreu quatro dias depois do seu nascimento, devido a uma grave hemorragia decorrente das complicações do parto. Na época, Francisco de los Cobos informou ao imperador Carlos V que “o príncipe [Felipe] sentiu a perda [da esposa] profundamente, o que demonstra que ele a amava, embora algumas pessoas tenham uma opinião diferente de suas reações externas” (apud KAMEN, 2003, p. 43). Segundo Cobos, o comportamento aparentemente do príncipe das Astúrias dava a impressão de que ele estava feliz por ficar solteiro novamente, livre de uma princesa que ele não amava e quem tratava com indiferença. Aos 18 anos de idade, Felipe, viúvo e já com um filho, além de herdeiro do maior império da época, voltava a ser o partido mais cobiçado da Europa. Contudo, demoraria quase 10 anos até que ele tomasse uma nova consorte, em 1554. Dessa vez, a escolhida foi uma outra prima, Maria I Tudor, rainha reinante da Inglaterra.
Maria I da Inglaterra (1516-1558)
Primeira mulher a governar a Inglaterra, Maria I passou por várias provações em sua vida até conquistar o trono, herança que sua mãe, Catarina de Aragão, tanto lutou para preservar. Tendo sido declarada bastarda após a anulação do casamento dos pais pela igreja reformada de Henrique VIII, em 1553 Maria liderou tropas e marchou contra o duque de Northumberland para reivindicar seu direito à coroa. Tendo sido bem-sucedida, ela se tornou rainha reinante, como sua avó, Isabel de Castela. Com efeito, se para a Inglaterra era novidade uma mulher no poder, assim também era o cargo de rei consorte. Maria I, por sua vez, decidiu recorrer ao auxílio do seu primo, Carlos V, para quem ela um dia esteve prometida. O filho do imperador, Felipe, viúvo, parecia um excelente partido para a rainha, embora fosse 11 anos mais novo do que ela. Porém, havia outro problema em questão: qual seria exatamente a extensão dos poderes do rei consorte? O parlamento temia que Felipe viesse a governar no lugar da esposa, promovendo assim os interesses da Espanha em detrimentos dos ingleses. Sendo assim, foi redigida uma proposta de casamento em 7 de dezembro de 1553, que definia o papel do futuro marido da soberana. O príncipe poderia usufruir da posição e do título de Maria e ajuda-la na administração do reino enquanto o casamento durasse. Porém:
O príncipe deverá deixar a cargo da rainha a utilização de todos os ofícios, terras e rendimentos dos seus domínios; deverão ser utilizados por quem lá nascer. Todas as questões serão tratadas em inglês […]. Poderá celebrar-se outro contrato, em que o príncipe jurará que não promoverá um estrangeiro a qualquer posto em Inglaterra […]. Se não restarem filhos, e a rainha falecer antes dele, ele não reclamara qualquer direito sobre o reino, mas permitirá que a sucessão a quem pertencer por lei e direito […]. Inglaterra não se verá envolvida na guerra entre o imperador e o rei francês (apud LOADES, 2010, p. 209).
Em outras palavras, os termos do acordo reduziam Felipe à função de ajudante da esposa, cabendo a ela o exercício pleno do poder. Como a Inglaterra se afigurava num posto interessante, a partir do qual Felipe poderia combater seus pretendentes rivais na disputa pela sucessão holandesa, ele aceitou a proposta. O tratado foi concluído em janeiro do ano seguinte. A união com o príncipe espanhol, porém, não era bem aceita pelos súditos, especialmente pelos protestantes que ainda permaneciam na Inglaterra, por temerem que o reino acabasse se tornando um Estado satélite da Espanha.
No dia 25 de julho, aconteceu o casamento de Maria I e Felipe da Espanha, na Catedral de Winchester. Três meses depois, a rainha começou a sentir sinais de uma possível gravidez. Em sua felicidade, ela talvez tenha prestado pouca atenção ao tratamento cortês que seu marido concedia à cunhada. Seu estado de espírito foi quebrado apenas pelas dissenções entre católicos e protestantes que voltaram a acontecer no reino. No decorrer do ano de 1555, o relacionamento entre Maria e Felipe estava ficando bastante tenso. Cansado da posição figurativa que o parlamento havia lhe concedido, o rei desejava retornar para a Espanha. No entanto, foi convencido por seu pai a permanecer na Inglaterra até que seu filho e herdeiro nascesse, pois então sua posição estaria mais forte. Mas, à medida que o verão avançava e o tão esperado sucessor das coroas inglesa e espanhola não chegava, ficou claro que a rainha, longe de grávida, estava na verdade doente. Aos 38 anos de idade, a possibilidade de Maria conceber era muito menor. Se morresse sem um herdeiro, o trono passaria para as mãos de sua meia-irmã, Elizabeth.
Não obstante, para tristeza da rainha, seu marido regressou novamente ao continente, para assumir as responsabilidades que Carlos V estava descartando gradualmente. Em 1516, o imperador renunciou às suas múltiplas coroas, passando o reino da Espanha para seu filho, que ascendeu como Felipe II, e o Sacro-Império para seu irmão, Fernando I. Maria se tornava agora rainha consorte da Espanha. Ela enviou várias cartas ao cônjuge, reclamando sua presença. Mas, a menos que o rei recebesse uma posição mais honorífica, poderia nunca mais retornar. No final do ano, Felipe pediu o apoio naval inglês na sua campanha contra a França, o que ia contra os termos do contrato de casamento estabelecidos anteriormente. Talvez movida pelo desejo de agradar o rei, a rainha concordou com o pedido e em março de 1557 Felipe retornou para a Inglaterra, partindo novamente quatro meses depois. No inverno, a rainha acreditava estar novamente grávida. Contudo, assim como da primeira vez, esta segunda gestação também era falsa. Em 1558, Maria não só estava desiludida, como também os custos da campanha militar travada por seu marido haviam sido muito altos para o tesouro e custaram ao reino a perda de Calais, última possessão inglesa na França.
Diante de tantas catástrofes, o único conforto que a rainha encontrou foi na religião. Em agosto de 1558, ela começou a ficar doente. Em outubro, seu estado de saúde piorou consideravelmente. Segundo o despacho do embaixador espanhol, conde de Feria, ao rei Felipe II, em 9 de novembro, não havia qualquer esperança de que “a senhora nossa rainha” sobrevivesse, “antes pelo contrário, cada hora que passa penso que me virão informar de sua morte, tão rapidamente se deteriora a sua saúde de um dia para o outro” (apud LOADES, 2010, p. 221). No dia 17, a rainha não resistiu e faleceu aos 42 anos de idade. Deixava Felipe, aos 31 anos, livre para contrair matrimônio pela terceira vez. As possibilidades do monarca, naquele período, eram muitas: poderiam negociar casamento com alguma princesa Valois e assim por termo aos desentendimentos com a França. Seus olhos, porém, estavam fixados na sua cunhada, Elizabeth, a nova rainha reinante da Inglaterra.
CONTINUA…
Referências Biliográficas:
KAMEN, Henry. Filipe da Espanha. Tradução de Vera Mello Joscelyne. – Rio de Janeiro: Record, 2003.
LEWIS, Jones Johnson. Four Marriages of King Philip II of Spain. 2016 . Acesso em 03 de agosto de 2016.
LOADES, David. As Rainhas Tudor – o poder no feminino em Inglaterra (séculos XV-XVII). Tradução de Paulo Mendes. – Portugal: Caleidoscópio, 2010.
_. Mary Tudor. – Gloucestershire: Amberley Publishing, 2011.
MUTSCHLECHNER, Martin. Philip II: marriages and offspring. – Acesso em 03 de agosto de 2016.
Notas:
[1] Os reis da Espanha e de Portugal compartilhavam os mesmos avós, Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão.
Parte II
ISABEL DE VALOIS E ANA DE ÁUSTRIA
Em 17 de novembro de 1558, falecia Maria I Tudor, rainha reinante da Inglaterra e rainha consorte da Espanha. Seu casamento com Felipe II, longe de simbolizar uma união entre as duas coroas conforme o exemplo dado por Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão, mostrou-se um desastre diplomático. Viúvo pela segunda vez e, portanto, novamente livre para se casar, Felipe logo demonstrou interesse em contrair matrimônio com sua cunhada, Elizabeth, que sucedeu a irmã no trono. Ao longo de seus quatro anos de casamento com Maria, o rei intercedeu diversas vezes em favor da princesa, nos momentos em que a cólera da rainha estava voltada contra a jovem. É possível que Felipe, sentido que sua esposa não seria capaz de gerar um herdeiro para as duas coroas, estivesse propenso a demonstrar simpatia pela cunhada, já que ela seria a próxima na linha sucessória. Quando Maria faleceu, o embaixador espanhol foi então instruído a fazer a corte à nova soberana, assegurando que uma bula papal seria expedida, autorizando aquele casamento com vínculo de parentesco. Horrorizada, Elizabeth I teria afirmado que o corpo de sua irmã mal esfriara na sepultura e seu cunhado já lhe fazia uma proposta como aquela. Em decorrência da negativa, Felipe foi impelido a procurar por outras opções e acabou se voltando para o país inimigo, a França.
Isabel de Valois (1545-1568)
As casas reais da Espanha e da França eram rivais tradicionais. No século XVI, as tensões entre os reinos ficaram bastante acirradas, devido às campanhas expansionistas empreendidas pelo rei francês Francisco I contra o imperador Carlos V, e vice-versa. Durante a década de 1550, Felipe II travou uma série de conflitos militares contra os Valois por causa do seu direito aos países baixos espanhóis. Como a Inglaterra se recusou a lhe prestar apoio, já que a rainha Maria I estava morta, Felipe procurou apaziguar os desentendimentos através da velha política matrimonial. Seu filho e herdeiro, Carlos, então com 14 anos em 1559, contrairia matrimônio com uma das filhas da rainha mãe, Catarina de Médici, Isabel ou Margarida. Como esta última ainda era uma criança, então Isabel, que também tinha 14 anos, foi escolhida. Entretanto, antes que as negociações fossem concluídas, Felipe, recém-enviuvado, decidiu ele mesmo desposar a princesa. Tendo apenas um filho, de saúde mental e física comprometida, o rei precisava assegurar a sucessão. Assim, em 22 de junho de 1559 foi celebrado em Paris o casamento por procuração. Seis meses depois, Isabel pisava em território espanhol, não como princesa das Astúrias, e sim como rainha da Espanha.
O casamento entre Isabel de Valois e Felipe II da Espanha foi um dos triunfos políticos da coroa francesa. Segundo o biógrafo do rei, Henry Kamen, a nova rainha afetou profundamente a vida pessoal e política de Felipe:
Isabel era uma adolescente de cabelos negros e olhos brilhantes, com imensa vivacidade e energia, que mais que compensava sua falta de beleza natural. Ela trouxe de volta para Felipe a energia de sua juventude. Ele lhe dedicava muito tempo e chegava mesmo a discutir seu trabalho com ela. Apesar disso, há alguma dúvida se eles tinham um relacionamento emocional profundo. Todos os relatos otimistas sobre amor emanaram de uma única fonte: os embaixadores franceses que estavam ansiosos para demonstrar a seu governo que o casamento era um sucesso (KAMEN, 2003, 205).
Existem alguns relatos que Felipe matinha relacionamentos extraconjugais enquanto era casado com Isabel, assim como manteve em seus casamentos anteriores. Contudo, a vida doméstica do casal parecia ser bastante harmoniosa aos olhos do observador, o que dava embasamento para as afirmações dos embaixadores franceses de que o rei amava sua rainha. A verdade, entretanto, era que Isabel se ressentia muito das infidelidades do marido e chegou a ficar gravemente doente por causa disso.
Em 1564 Isabel de Valois, aos 18 anos, engravidou pela primeira vez, tendo abortado com apenas três meses de gestação. Em 1565, ela sofreu novo aborto, em consequência de uma febre, contraída após a rainha ter visto Eufrásia de Guzmán das janelas do palácio em Madri, grávida de Felipe. Isabel ficou doente por semanas e o rei se compadeceu bastante do estado da esposa. A afeição entre ambos foi então crescendo. Ainda naquele ano, o embaixador francês Saint-Sulpice observou que Felipe demonstrava por Isabel “verdadeira amizade e perfeita boa vontade, o que a faz tão satisfeita e feliz como jamais poderia ser”. O monarca, inclusive, chegava a compartilhar segredos políticos e ideias com sua consorte, algo que ele não fazia na companhia de outros homens de seu círculo. Parece que essa reaproximação e demonstração de afeto surtiram efeitos positivos no relacionamento do casal, pois no final de 1565 a rainha estava novamente grávida. Segundo o embaixador francês, “durante a noite de trabalho de parto e durante o próprio parto, ele [Felipe] nunca deixou de segurar uma de suas mãos, confortando-a e encorajando-a da melhor maneira que sabia ou podia”. Em 16 de agosto de 1566 nasceu Isabel Clara Eugênia. O desapontamento por não ser um menino foi logo esquecido diante da graciosidade e perfeição do bebê. A infanta Isabel seria uma das filhas favoritas de Felipe II.
Contudo, por maior que fosse a alegria que o rei pudesse sentir com a sua filha, o reino ainda precisava de um segundo herdeiro. Em outubro de 1567 nasceu outra menina, batizada de Catalina Michaela. A pressão para que a rainha gerasse um menino era grande. Poucas semanas depois do nascimento de Michaela, Isabel de Valois engravidou mais uma vez. Sua saúde, porém, deteriorou-se muito. Faleceu com apenas 23 anos, em 3 de outubro de 1568, durante o parto prematuro de um bebê do sexo masculino. O rei Ficou bastante arrasado com a perda de sua esposa. A morte da rainha deixou um grande vazio na corte. Suaentourage foi desfeita, assim como foram adotadas medidas econômicas para saldar os seus gastos. Felipe teve que reconhecer que sua mulher era muito consumista, “comprava de forma extravagante e seus gastos com festas e passeios eram impressionantes”, além de encomendar “quantidades infinitas de pratas e joias dos artistas da corte” (KAMEN, 2003, p. 208). Diz-se também que Isabel jamais usava o mesmo vestido duas vezes. Esse comportamento não era algo que o rei estava desposto a tolerar numa próxima consorte. Com a morte de Dom Carlos, Felipe II precisava de um novo herdeiro e urgia a necessidade de um novo casamento, aquele que seria o último de sua carreira marital. Dessa vez, ele decidiu procurar por uma noiva no seio de sua própria família, os Habsburgo.
Ana da Áustria (1549-1580)
Graças ao casamento de Joana I de Castela com o arquiduque Felipe de Habsburgo, em 1496, as casas reais espanhola e austríaca ficaram unidas, tendo ambas sido governadas de 1519 a 1556 por um mesmo soberano, o imperador Carlos I e V. Antes de morrer, Carlos havia desmembrado seu vasto império, dando a coroa da Espanha para seu filho Felipe e a do Sacro-império para seu irmão, Fernando. Em 1569, os Habsburgo dominavam vastos territórios na Europa e além, de modo que um casamento entre os dois ramos da família reforçaria os laços de parentesco preexistentes. Dessa forma, Felipe solicitou a seu primo, o imperador Maximiliano II, a mão de sua filha Ana em matrimônio. Assim como Isabel de Valois, Ana também havia sido cogitada como noiva de Dom Carlos e, da mesma forma que sua predecessora, acabou se casando com o pai dele. Não obstante, a arquiduquesa era filha da infanta Maria, irmã de Felipe, o que fazia dela também sobrinha do rei da Espanha. Essas relações consanguíneas, bastante comuns entre os Habsburgo, tiveram consequências bastante sérias nos seus descendentes, muitos dos quais nasceram com problemas físicos e/ou mentais. O próprio infante Dom Carlos é um exemplo disso. Acredita-se que esse tenha sido um fator primordial para o falecimento de diversos príncipes em tenra idade.
Com efeito, Felipe tinha 22 anos a mais que sua nova rainha consorte, nascida em 1 de novembro de 1549, de modo que tinha idade para ser pai dela. Encantado com a beleza de Ana da Áustria, o rei teria ficado profundamente apaixonado por ela:
Petit e elegante, com uma pele incrivelmente branca, olhos profundamente azuis e cabelo louro esvoaçante, Ana não poderia ser mais diferente que Isabel de Valois. Felipe expressou “minha grande alegria e contentamento, Deus me deu toda a felicidade que eu podia desejar nesta terra”, e falou do “grande amor que existe entre nós”. Um diplomata observou que “o rei a ama profundamente” (KAMEN, 2003, p. 204).
Ana da Áustria também se mostrou mais fecunda que Isabel de Valois, tendo engravidado imediatamente após o casamento. O nascimento do primeiro filho, Fernando, aconteceu em 4 de dezembro de 1571 e foi celebrado com júbilo pela corte. De acordo com Henry Kamen, aquele foi um ano feliz para a monarquia espanhola, que finalmente tinha um novo herdeiro homem para o trono. Ao longo de 10 anos de casamento, a rainha Ana deu à luz a cinco crianças, quatro dos quais, meninos. Ela havia triunfado justamente onde sua antecessora havia falhado. Porém, as consequências daquele casamento entre tio e sobrinha logo se fariam presentes na prole real.
A união de Felipe II com Ana da Áustria havia trazido ao rei uma felicidade que ele jamais experimentara com suas outras esposas. Esse estado de tranquilidade só foi perturbado pelas mortes de dois de seus filhos e, por fim, de sua amada esposa: em 1577, faleceu o herdeiro Fernando, aos 6 anos. O segundo filho, Carlos, morreu em 1575, dois anos após seu nascimento, em Calapagar. Nesse mesmo ano, Ana deu à luz a Diego, que foi proclamado herdeiro do trono (embora tenha falecido sete anos mais tarde). Em 1578, nasceu Felipe, que sucederia ao pai como Felipe III. No ano de 1580, a rainha entrou novamente em trabalho de parto, mas dessa vez ela não sobreviveria para ver sua filha Maria dar seus primeiros passos[1]. A morte, que havia ceifado a vida de Maria Manuela de Portugal e Isabel de Valois, também levou a de Ana, nas mesmas circunstâncias que suas antecessoras. É verdade que Felipe tentou se casar pela quinta vez com a irmã de sua quarta esposa, Elisabeth, viúva do rei Carlos IX da França. Esta, porém, recusou a proposta do rei da Espanha. Dessa forma, findava-se a carreira matrimonial de Felipe II. Ele viveu até 1598, tendo exaurido seu tesouro em diversas campanhas militares, especialmente com a Armada Espanhola, que foi derrotada pela Inglaterra em 1588, sob o comando daquela que um dia ele havia cogitado como sua esposa, Elizabeth I.
Referências Bibliográficas:
KAMEN, Henry. Filipe da Espanha. Tradução de Vera Mello Joscelyne. – Rio de Janeiro: Record, 2003.
LEWIS, Jones Johnson. Four Marriages of King Philip II of Spain. 2016 . Acesso em 15 de agosto de 2016.
LOADES, David. As Rainhas Tudor – o poder no feminino em Inglaterra (séculos XV-XVII). Tradução de Paulo Mendes. – Portugal: Caleidoscópio, 2010.
MUTSCHLECHNER, Martin. Philip II: marriages and offspring. – Acesso em 15 de agosto de 2016.
SOLNON, Jean-François. Catarina de Médicis. Tradução de Inês Castro. – Lisboa: Bertrand, 2004.
Notas:
[1] A infanta Maria morreria três anos depois, em 1583.
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