Séries de TV
REQUIEM POR GRANADA
Requiem for Granada foi uma série de televisão co-produzido por Espanha e Itália (Televisão Espanhola - RAI), de oito episódios. Foi dirigida pelo espanhol Vicente Escrivá e entre seus protagonistas destacam-se Horst Buchholz, Manuel Bandera, Olegar Fedoro e Delia Boccardo. O guião foi obra do próprio Vicente Escrivá em colaboração com Manolo Matji.
A série foi uma das produções mais ambiciosas da televisão pública espanhola na época.
Argumento:
Em um acampamento beduíno, e através de um flashback, Mohamed XII (Boabdil para os cristãos) último rei do Reino nazari de Granada, conta a sua história desde a infância até a derrota pelos Reis Católicos. Através de personagens como Isabel de Solis, seu avô Ismai'l, seu tio El Zagal ou, acima de tudo, seu pai Muley Hacén, explica como ele perdeu o último reduto muçulmano do Al-Andalus frente à pujante cultura cristã que no mesmo ano (1492) iria iniciar a conquista do continente Americano.
Cinema
EM BUSCA DA TERRA PROMETIDA - IN THE BEGINNING
Uma grande produção do género de Os 10 Mandamentos, In The Beginning é o relato de histórias Bíblicas dos livros de Génesis e Êxodo, mas é principalmente a história épica da devoção de Abraão.
Excelente filme com bons efeitos especiais, onde o principal é o argumento. As histórias são bem contadas e bem ligadas entre elas. O filme foi realizado para TV e gravado em Budapeste, Hungria e Marrocos.
Género: Bíblico - Aventuras
Actores: Martin Landau; Jacqueline Bisset; Billy Campbell; Geraldine Chaplin; Steven Berkoff, etc...
Realizador: Kevin Connor
Ano: 2000
Origem: USA
Áudio: Português (Brasil)
Personagens Históricos - Cinema
LUÍS VAZ DE CAMÕES : ERROS MEUS, MÁ FORTUNA, AMOR ARDENTE
Não podia deixar de neste blog fazer uma humilde homenagem ao maior poeta Português que o mundo conheceu. A grandeza da sua poesia só é comparável à grandeza da sua alma e do então Império Luso que se estendia um pouco por todo mundo. Adivinha-se essa grandeza de ideais nos seus poemas. Mas se alguma coisa me agrada em Camões, é a capacidade que teve de captar e transcrever em versos, a enorme alma Lusitana. Este nosso pensar e sentir que ainda hoje se revela tão actual. No estudar de seus versos, vislumbramos a sociedade e a mentalidade daquele período aureo da nossa história que foi o quinhentista.
Da vida de Camões sabe-se pouco. Apenas episódios soltos que nos permitem imaginar a sua alma e os costumes da época. Uma vida trágica e épica que parecia anunciar as portas da tragédia vindoura em que Portugal se achava em vésperas da tragédia de Alcácer-Quibir.
Aqui fica esta pequena homenagem, resumida ao filme Português de Leitão de Barros, produzido por António Lopes Ribeiro, acerca da vida e obra de Camões; Segue-se um excelente documentário acerca do poeta; Completam ainda esta homenagem, uma ampla informação escrita e histórica acerca da sua vida.
Se ainda não o conhece, aqui tem revelado Camões, um poeta imortal e universal. O maior que o nosso povo viu.
CINEMA CAMÕES - ERROS MEUS, MÁ FORTUNA, AMOR ARDENTE
Camões é um filmeportuguês, realizado por José Leitão de Barros, que relata a vida e os feitos do grande poeta Luís de Camões. Concorreu à primeira edição do Festival de cinema de Cannes em 1946. O filme é uma das obras primas do nosso cinema e contém um elenco de luxo, com alguns dos melhores actores nacionais da época e que ficariam na nossa memória por muitos anos.
Um excelente documentário da RTP 2, retirado do programa "Grandes Escritores Portugueses", acerca da História, vida e obra de Luís Vaz de Camões.
Luís de Camões
Luís Vaz de Camões
O retrato de Camões por Fernão Gomes,
em cópia de Luís de Resende. Este é considerado o mais autêntico
retrato do poeta, cujo original, que se perdeu, foi pintado ainda em sua
vida.
Luís Vaz de Camões (Lisboa[?], ca., 1524 — Lisboa, 10 de junho de 1579 ou 1580)[nota 1] foi um poeta nacional de Portugal, considerado uma das maiores figuras da literatura lusófona e um dos grandes poetas do Ocidente.[1]
Pouco se sabe com certeza sobre a sua vida. Aparentemente nasceu em Lisboa,
de uma família da pequena nobreza. Sobre a sua infância tudo é
conjetura mas, ainda jovem, terá recebido uma sólida educação nos moldes
clássicos, dominando o latim e conhecendo a literatura e a história antigas e modernas. Pode ter estudado na Universidade de Coimbra, mas a sua passagem pela escola não é documentada. Frequentou a corte de D. João III,
iniciou a sua carreira como poeta lírico e envolveu-se, como narra a
tradição, em amores com damas da nobreza e possivelmente plebeias, além
de levar uma vida boémia e turbulenta. Diz-se que, por conta de um amor
frustrado, autoexilou-se em África,
alistado como militar, onde perdeu um olho em batalha. Voltando a
Portugal, feriu um servo do Paço e foi preso. Perdoado, partiu para o
Oriente. Passando lá vários anos, enfrentou uma série de adversidades,
foi preso várias vezes, combateu ao lado das forças portuguesas e
escreveu a sua obra mais conhecida, a epopeia nacionalista Os Lusíadas. De volta à pátria, publicou Os Lusíadas e recebeu uma pequena pensão do rei D. Sebastião pelos serviços prestados à Coroa, mas nos seus anos finais parece ter enfrentado dificuldades para se manter.
Logo após a sua morte a sua obra lírica foi reunida na coletânea Rimas, tendo deixado também três obras de teatro cómico.
Enquanto viveu queixou-se várias vezes de alegadas injustiças que
sofrera, e da escassa atenção que a sua obra recebia, mas pouco depois
de falecer a sua poesia começou a ser reconhecida como valiosa e de alto
padrão estético por vários nomes importantes da literatura europeia,
ganhando prestígio sempre crescente entre o público e os conhecedores e
influenciando gerações de poetas em vários países. Camões foi um
renovador da língua portuguesa
e fixou-lhe um duradouro cânone; tornou-se um dos mais fortes símbolos
de identidade da sua pátria e é uma referência para toda a comunidade
lusófona internacional. Hoje a sua fama está solidamente estabelecida e é
considerado um dos grandes vultos literários da tradição ocidental,
sendo traduzido para várias línguas e tornando-se objeto de uma vasta
quantidade de estudos críticos.
Vida
Origens e juventude
Boa parte das informações sobre a biografia de Camões suscita dúvidas
e, provavelmente, muito do que sobre ele circula não é mais do que o
típico folclore que se forma em torno de uma figura célebre. São
documentadas apenas umas poucas datas que balizam a sua trajetória.[2] A Casa ancestral dos Camões tinha as suas origens na Galiza, não longe do Cabo Finisterra. Por via paterna, Luís de Camões seria descendente de Vasco Pires de Camões, trovador galego, guerreiro e fidalgo,
que se mudou para Portugal em 1370 e recebeu do rei grandes benefícios
em cargos, honras e terras, e cujas poesias, de índole nacionalista,
contribuíram para afastar a influência bretã e italiana e conformar um
estilo trovadoresco nacional.[3][4] O seu filho Antão Vaz de Camões serviu no Mar Vermelho e casou-se com Dona Guiomar da Gama, aparentada com Vasco da Gama. Deste casamento nasceram Simão Vaz de Camões, que serviu na Marinha Real e fez comércio na Guiné e na Índia, e outro irmão, Bento, que seguiu a carreira das Letras e do sacerdócio, ingressando no Mosteiro de Santa Cruz dos Agostinhos,
que era uma prestigiada escola para muitos jovens fidalgos portugueses.
Simão casou com Dona Ana de Sá e Macedo, também de família fidalga,
oriunda de Santarém. Seu filho único, Luís Vaz de Camões, segundo Jayne, Fernandes e alguns outros autores, terá nascido em Lisboa, em 1524. Três anos depois, estando a cidade ameaçada pela peste, a família mudou-se, acompanhando a corte, para Coimbra.[3][5] Entretanto, outras cidades reivindicam a honra de ser o seu berço: Coimbra, Santarém e Alenquer. Apesar de os primeiros biógrafos de Camões, Severim de Faria e Manoel Correa, terem inicialmente dado o seu ano de nascimento como 1517,[6] registos das Listas da Casa da Índia, mais tarde consultados por Manuel de Faria e Sousa, parecem estabelecer que Camões nasceu efectivamente em Lisboa, em 1524.[7][8][9] Os argumentos para tirar a sua naturalidade de Lisboa são fracos; mas esta tampouco está completamente fora de dúvida,[10][11] e por isso a crítica mais recente considera seu local e data de nascimento incertos.[5][12]
Sobre a sua infância permanece a incógnita. Aos doze ou treze anos
teria sido protegido e educado pelo seu tio Bento que o encaminhou para
Coimbra para estudar. Diz a tradição que foi um estudante
indisciplinado, mas ávido pelo conhecimento, interessando-se pela história, cosmografia e literatura clássica e moderna. Contundo, o seu nome não consta dos registos da Universidade de Coimbra,
mas é certo, a partir do seu elaborado estilo e da profusão de citações
eruditas que aparecem nas suas obras que, de alguma forma, recebeu uma
sólida educação. É possível que o próprio tio o tenha instruído, sendo a
esta altura chanceler da Universidade e prior do Mosteiro de Santa
Cruz, ou tenha estudado no colégio do mosteiro. Com cerca de vinte anos
ter-se-ia transferido para Lisboa, antes de concluir os estudos. A sua
família era pobre, mas sendo fidalga, pôde ser admitido e estabelecer
contactos intelectuais frutíferos na corte de D. João III, iniciando-se na poesia.[12][13][14]
Foi aventado que ganhava a vida como precetor de Francisco, filho do Conde de Linhares, D. António de Noronha, mas hoje em dia isso parece pouco plausível.[14]
Conta-se também que levava uma vida boémia, frequentando tavernas e
envolvendo-se em arruaças e relações amorosas tumultuosas. Várias damas
aparecem citadas pelo nome em biografias tardias do poeta como tendo
sido objeto de seus amores, mas embora não se negue que deva ter amado, e
até mais de uma mulher, aquelas identificações nominais são atualmente
consideradas adições apócrifas à sua lenda. Entre elas, por exemplo,
falou-se de uma paixão pela Infanta Dona Maria,
irmã do rei, audácia que lhe teria valido um tempo na prisão, e
Catarina de Ataíde, que, sendo outro amor frustrado, segundo versões
teria causado o seu autoexílio, primeiro no Ribatejo, e depois alistando-se como soldado em Ceuta.
Os motivos para a viagem são duvidosos, mas a sua estada ali é aceite
como facto, permanecendo dois anos e perdendo o olho direito em batalha
naval no Estreito de Gibraltar. De regresso a Lisboa, não tardou em retomar a vida boémia.[15][16][17]
Data de 1550 um documento que o dá como alistado para viajar à Índia: "Luís
de Camões, filho de Simão Vaz e Ana de Sá, moradores em Lisboa, na
Mouraria; escudeiro, de 25 anos, barbirruivo, trouxe por fiador a seu
pai; vai na nau de S. Pedro dos Burgaleses... entre os homens de armas". Afinal não embarcou de imediato. Numa procissão de Corpus Christi
altercou com um certo Gonçalo Borges, empregado do Paço, e feriu-o com a
espada. Condenado à prisão, foi perdoado pelo agravado em carta de
perdão. Foi libertado por ordem régia em 7 de março de 1553, que diz: "é um mancebo e pobre e me vai este ano servir à Índia". Manuel de Faria e Sousa encontrou nos registos da Armada da Índia, para esse ano de 1553, sob o título "Gente de guerra", o seguinte assento: "Fernando
Casado, filho de Manuel Casado e de Branca Queimada, moradores em
Lisboa, escudeiro; foi em seu lugar Luís de Camões, filho de Simão Vaz e
Ana de Sá, escudeiro; e recebeu 2400 como os demais".[18]
Camões na prisão de Goa, em pintura anónima de 1556.
Camões na gruta de Macau, em gravura de Desenne, 1817.
Oriente
Viajou na nau São Bento, da frota de Fernão Álvares Cabral, que largou do Tejo em 24 de março de 1553. Durante a viagem passou pelas regiões onde Vasco da Gama navegara, enfrentou uma tempestade no Cabo da Boa Esperança onde se perderam as três outras naus da frota, e aportou em Goa em 1554. Logo se alistou no serviço do vice-rei D. Afonso de Noronha e combateu na expedição contra o rei de Chembé (ou "da Pimenta").[19] Em 1555, sucedendo a Noronha D. Pedro Mascarenhas,
este ordenou a Manuel de Vasconcelos que fosse combater os mouros no
Mar Vermelho. Camões acompanhou-o, mas a esquadra não encontrou o
inimigo e foi invernar a Ormuz, no Golfo Pérsico.[20]
Provavelmente nesta época já iniciara a escrita de Os Lusíadas. Ao retornar a Goa em 1556, encontrou no governo D. Francisco Barreto, para quem compôs o Auto de Filodemo,
o que sugere que Barreto lhe fosse favorável. Os primeiros biógrafos,
contudo, divergem sobre as relações de Camões com o governante. Na mesma
época teria surgido a público uma sátira anónima criticando a imoralidade e a corrupção reinantes, que foi atribuída a Camões. Sendo as sátiras condenadas pelas Ordenações Manuelinas,
terá sido preso por isso. Mas colocou-se a hipótese de a prisão ter
ocorrido graças a dívidas contraídas. É possível que permanecesse na
prisão até 1561, ou antes disso tenha sido novamente condenado, pois,
assumindo o governo D. Francisco Coutinho, foi por ele liberto, empregado e protegido. Deve ter sido nomeado para a função de Provedor-mor dos Defuntos e Ausentes para Macau em 1562, desempenhando-a de facto de 1563 até 1564 ou 1565. Nesta época, Macau era um entreposto comercial ainda em formação, sendo um lugar quase deserto.[21][22] Diz a tradição que ali teria escrito parte d’Os Lusíadas numa gruta, que mais tarde recebeu o seu nome.[20]
Na viagem de volta a Goa, naufragou, conforme diz a tradição, junto à foz do rio Mekong, salvando-se apenas ele e o manuscrito d’Os Lusíadas, evento que lhe inspirou as célebres redondilhasSobre os rios que vão,
consideradas por António Sérgio a coluna vertebral da lírica camoniana,
sendo reiteradamente citadas na literatura crítica. O trauma do
naufrágio, conforme disse Leal de Matos, repercutiu mais profundamente
numa redefinição do projeto d’Os Lusíadas, sendo perceptível a partir do Canto VII, sendo acusada já por Diogo do Couto,
seu amigo, que em parte acompanhou a escrita. Provavelmente o seu
resgate demorou meses a ocorrer, e não há registo de como isso ocorreu,
mas foi levado a Malaca,
onde recebeu nova ordem de prisão por apropriação indébita dos bens dos
defuntos a ele confiados. Não se sabe a data exata de seu retorno a
Goa, onde pode ter continuado preso ainda algum tempo. Couto refere que
no naufrágio morreu Dinamene, uma donzela chinesa pela qual Camões se terá apaixonado, mas Ribeiro e outros afirmam que a história deve ser rejeitada.[23] O vice-rei seguinte, D. Antão de Noronha, era um amigo de longa data de Camões, tendo-o encontrado em Marrocos. Certos biógrafos afirmam que lhe foi prometido um posto oficial na feitoria de Chaul, mas não chegou a tomar posse. Severim de Faria
disse que os anos finais passados em Goa foram entretidos com a poesia e
com as atividades militares, onde sempre demonstrou bravura, prontidão e
lealdade à Coroa.[24]
É difícil determinar como terá sido o seu quotidiano no Oriente, além
do que se pode extrapolar a partir de sua condição de militar. Parece
certo que viveu sempre modestamente e pode ter compartilhado casa com
amigos, "numa dessas repúblicas em que era costume associarem-se os reinóis",
como citou Ramalho. Alguns desses amigos devem ter possuído cultura e
assim a companhia ilustrada não devia estar ausente naquelas paragens.
Ribeiro, Saraiva e Moura admitem que ele pode ter encontrado, entre
outras figuras, com Fernão Mendes Pinto, Fernão Vaz Dourado, Fernão Álvares do Oriente, Garcia de Orta
e o já citado Diogo do Couto, criando-se oportunidades de debates
literários e assuntos afins. Pode ter frequentado também preleções em
algum dos colégios ou estabelecimentos religiosos de Goa.[25] Ribeiro acrescenta que
"Esta rapaziada que vivia em Goa, longe da Pátria e da família,
no intervalo das campanhas contra o Turco (que ocorriam no verão) e
muitos com pouco que fazer (no inverno), para além das preleções acima
mencionadas e das leituras compulsivas (das quais muito dos clássicos:
Ovídio, Horácio, Virgílio), das mulheres e guitarradas, convivendo entre
si independentemente das diferenças sociais, devia reinar, divertir-se
quanto baste, mesmo quando fazia poesia, sobretudo sátiras, com forte e
negativo impacto social na época, susceptível de pena de prisão
(Ordenações Manuelinas, Título LXXIX), e por isso com o pique da
aventura e do risco. Exemplo disso é a Sátira do Torneio, uma zombaria a que se refere Faria e Sousa e que, ao contrário da Os Disbarates da Índia,
não temos notícia de uma contestação erudita da autoria camoniana e que
pode estar na origem de uma das prisões do nosso vate." [26]
É possível ainda que em tais reuniões, onde compareciam homens ao
mesmo tempo de armas e de letras, e que buscavam, além do sucesso
militar e a fortuna material, também a fama e a glória nascidas da
cultura, como era uma das grandes aspirações do Humanismo do seu tempo, estivesse presente a ideia de uma academia, reproduzindo no Oriente, dentro das limitações do contexto local, o modelo das academias renascentistas como a fundada em Florença por Marsilio Ficino e seu círculo, onde eram cultivados os ideais neoplatónicos.[27]
Regresso a Portugal
Camões lendo Os Lusíadas a D. Sebastião, em litografia de 1893.
A convite, ou aproveitando a oportunidade de vencer parte da
distância que o separava da pátria, não se sabe ao certo, em dezembro de
1567 Camões embarcou na nau de Pedro Barreto para Sofala, na ilha de Moçambique,
onde este havia sido designado governador, e lá esperaria por um
transporte para Lisboa em data futura. Os primeiros biógrafos dizem que
Pedro Barreto era traiçoeiro, fazendo promessas vãs a Camões, de tal
modo que, passados dois anos, Diogo do Couto o encontrou em precária
condição,[28][29] conforme se lê no registo que deixou:
"Em Moçambique achamos aquele Príncipe dos Poetas de seu tempo,
meu matalote e amigo Luís de Camões, tão pobre que comia de amigos, e,
para se embarcar para o reino, lhe ajuntamos toda a roupa que houve
mister, e não faltou quem lhe desse de comer. E aquele inverno que
esteve em Moçambique, acabando de aperfeiçoar as suas Lusíadas para as
imprimir, foi escrevendo muito em um livro, que intitulava Parnaso de
Luís de Camões, livro de muita erudição, doutrina e filosofia, o qual
lhe juntaram (roubaram). E nunca pude saber, no reino dele, por muito
que inquiri. E foi furto notável.[30][31]
Ao tentar seguir de volta com Couto foi embargado em duzentos
cruzados por Barreto, por conta dos gastos que tivera com o poeta. Os
seus amigos, porém, reuniram a quantia e Camões foi liberado,[32] chegando a Cascais a bordo da nau Santa Clara em 7 de abril de 1570.[28][29]
Depois de tantas peripécias, finalizou Os Lusíadas, tendo-os apresentado em récita para o rei D. Sebastião. O rei, ainda um adolescente, determinou que o trabalho fosse publicado em 1572, concedendo também uma pequena pensão a "Luís de Camões, cavaleiro fidalgo de minha Casa",
em paga pelos serviços prestados na Índia. O valor desta pensão não
excedeu os quinze mil réis anuais, o que se não era grande coisa, também
não era tão pouca como se tem sugerido, considerando que as damas de
honra do Paço recebiam cerca de dez mil réis. Para um soldado veterano, a
soma deve ter sido considerada suficiente e honrosa na época. Mas a
pensão só deveria se manter por três anos, e embora a outorga fosse
renovável, parece que foi paga de forma irregular, fazendo com que o
poeta passasse por dificuldades materiais.[33][34]
Viveu seus anos finais num quarto de uma casa próxima da Igreja de Santa Ana, num estado, segundo narra a tradição, da mais indigna pobreza, "sem um trapo para se cobrir". Le Gentil considerou essa visão um exagero romântico, pois ainda podia manter o escravo Jau,
que trouxera do oriente, e documentos oficiais atestam que dispunha de
alguns meios de vida. Depois de ver-se amargurado pela derrota
portuguesa na Batalha de Alcácer-Quibir, onde desapareceu D. Sebastião, levando Portugal a perder sua independência para Espanha, adoeceu, segundo Le Gentil, de peste. Foi transportado para o hospital,[35] e faleceu em 10 de junho de 1580, sendo enterrado, segundo Faria e Sousa, numa campa rasa na Igreja de Santa Ana, ou no cemitério dos pobres do mesmo hospital, segundo Teófilo Braga.[36][37] A sua mãe, tendo-lhe sobrevivido, passou a receber a sua pensão em herança. Os recibos, encontrados na Torre do Tombo, documentam a data da morte do poeta,[5] embora tenha sido preservado um epitáfio escrito por D. Gonçalo Coutinho, onde consta, erroneamente, como tendo falecido em 1579.[38] Depois do terramoto de 1755,
que destruiu a maior parte de Lisboa, foram feitas tentativas para se
reencontrar os despojos de Camões, todas frustradas. A ossada que foi
depositada em 1880 numa tumba no Mosteiro dos Jerónimos é, com toda a probabilidade, de outra pessoa.[39]
Aparência, carácter, amores e iconografia
Os testemunhos dos seus contemporâneos descrevem-no como um homem de
porte mediano, com um cabelo loiro arruivado, cego do olho direito,
hábil em todos os exercícios físicos e com uma disposição temperamental,
custando-lhe pouco engajar-se em brigas. Diz-se que tinha grande valor
como soldado, exibindo coragem, combatividade, senso de honra e vontade
de servir, bom companheiro nas horas de folga, liberal, alegre e
espirituoso quando os golpes da fortuna não lhe abatiam o espírito e
entristeciam. Tinha consciência do seu mérito como homem, como soldado e
como poeta.[40]
Todos os esforços feitos no sentido de se descobrir a identidade definitiva da sua musa
foram vãos e várias propostas contraditórias foram apresentadas sobre
supostas mulheres presentes na sua vida. O próprio Camões sugeriu, num
dos seus poemas, que houve várias musas a inspirá-lo, ao dizer "em várias flamas variamente ardia".[41]
Nomes de damas supostas como suas amadas só constam primitivamente nos
seus poemas, e podem pois ser figuras ideais; nenhuma menção a quaisquer
damas identificáveis pelo nome é dada nas primeiras biografias do
poeta, as de Pedro de Mariz e a de Severim de Faria, que apenas recolheram boatos sobre "uns amores no Paço da Rainha". A citação de Catarina de Ataíde só surgiu na edição das Rimas
de Faria e Sousa, em meados do século XVII, e a da Infanta, na de José
Maria Rodrigues, que só foi publicada no início do século XX. A
decantada Dinamene também parece ser uma imagem poética antes do que uma pessoa real.[42]
Ribeiro propôs várias alternativas para explicá-la: o nome talvez fosse
um criptónimo de Dona Joana Meneses (D.I.na = D.Ioana + Mene), um de
seus possíveis amores, que morrera a caminho das Índias e fora sepultada
no mar, filha de Violante, condessa de Linhares, a quem também teria amado ainda em Portugal, e apontou a ocorrência do nome Dinamene
em poemas escritos provavelmente em torno da chegada à Índia, antes de
ter passado à China, onde se diz que teria encontrado a moça. Também
referiu a opinião de pesquisadores que alegam a menção de Couto, a única
referência primitiva à chinesa fora da própria obra camoniana, ter sido
falsificada, sendo introduzida a posteriori, com a possibilidade
de que se trate ainda de um erro de ortografia, uma corruptela de
"dignamente". Na versão final do manuscrito de Couto, o nome nem teria
sido citado, ainda que a comprovação seja difícil com o desaparecimento
do manuscrito.[23]
O retrato pintado em Goa, 1581.
Provavelmente executado entre 1573 e 1575, o chamado "retrato pintado
a vermelho", ilustrado na abertura do artigo, é considerado por Vasco Graça Moura como "o
único e precioso documento fidedigno de que dispomos para conhecer as
feições do épico, retratado em vida por um pintor profissional"[43] . O que se conhece desse retrato é uma cópia, feita a pedido do 3º duque de Lafões,
executada por Luís José Pereira de Resende entre 1819 e 1844, a partir
do original que foi encontrado num saco de seda verde nos escombros do
incêndio do palácio dos Condes da Ericeira, Marqueses de Louriçal, e que entretanto desapareceu. É uma "fidelíssima cópia" que,
"pelas dimensões restritas do desenho, a textura da sanguínea,
criando manchas de distribuição dos valores, o rigor dos contornos e a
definição dos planos contrastados, o neutro reticulado que harmoniza o
fundo e faz ressaltar o busto do retratado, o tipo da barra envolvente
nos limites da qual corre em baixo a esclarecedora assinatura, enfim, o
aparato simbólico da imagem, captada em pose de ilustração gráfica de
livro, se devia destinar à abertura de uma gravura a buril sobre chapa
cúprica, para ilustração de uma das primeiras edições de Os Lusíadas".[44]
Camões viveu na fase final do Renascimento europeu, um período marcado por muitas mudanças na cultura e sociedade, que assinalam o final da Idade Média e o início da Idade Moderna e a transição do feudalismo para o capitalismo. Chamou-se "renascimento" em virtude da redescoberta e revalorização das referências culturais da Antiguidade Clássica, que nortearam as mudanças deste período em direção a um ideal humanista e naturalista
que afirmava a dignidade do homem, colocando-o no centro do universo,
tornando-o o investigador por excelência da natureza, e privilegiando a razão e a ciência como árbitros da vida manifesta.[61][62][63]
Nesse período foram inventados diversos instrumentos científicos e
foram descobertas diversas leis naturais e entidades físicas antes
desconhecidas; o próprio conhecimento da face do planeta modificou-se
depois dos descobrimentos das grandes navegações. O espírito de especulação intelectual e pesquisa científica estava em alta, fazendo com que a Física, a Matemática, a Medicina, a Astronomia, a Filosofia, a Engenharia, a Filologia
e vários outros ramos do saber atingissem um nível de complexidade,
eficiência e exatidão sem precedentes, o que levou a uma conceção
otimista da história da humanidade como uma expansão contínua e sempre para melhor.[62][64] De certa forma, a Renascença foi uma tentativa original e eclética de harmonização do Neoplatonismopagão com a religião cristã, do eros com a charitas, junto com influências orientais, judaicas e árabes, e onde o estudo da magia, da astrologia e do ocultismo não estavam ausentes.[65] Foi também a época em que se começaram a criar fortes Estados nacionais, o comércio e as cidades se expandiram e a burguesia
se tornou uma força de grande importância social e económica,
contrastando com o relativo declínio da influência da religião nos
assuntos do mundo.[66]
No século XVI, época em que Camões viveu, a influência do
Renascimento italiano expandiu-se por toda a Europa. Porém, várias das
suas características mais típicas estavam a entrar em declínio, em
particular por causa de uma série de disputas políticas e guerras que
alteraram o mapa político europeu, perdendo a Itália o seu lugar como potência, e da cisão do Catolicismo, com o surgimento da Reforma Protestante. Na reação católica, lançou-se a Contra-Reforma, reativou-se a Inquisição e reacendeu-se a censura eclesiástica. Ao mesmo tempo, as doutrinas de Maquiavel se tornavam largamente difundidas, dissociando a ética
da prática do poder. O resultado foi a reafirmação do poder da religião
sobre o mundo profano e a formação de uma atmosfera espiritual,
política, social e intelectual agitada, com fortes doses de pessimismo,
repercutindo desfavoravelmente sobre a antiga liberdade de que gozavam
os artistas. Apesar disso, as aquisições intelectuais e artísticas da
Alta Renascença que ainda estavam frescas e resplandeciam diante dos
olhos não poderiam ser esquecidas de pronto, mesmo que o seu substrato
filosófico já não pudesse permanecer válido diante dos novos factos
políticos, religiosos e sociais. A nova arte que se fez, ainda que
inspirada na fonte do classicismo, traduziu-o em formas inquietas,
ansiosas, distorcidas, ambivalentes, apegadas a preciosismos
intelectualistas, características que refletiam os dilemas do século e
definem o estilo geral dessa fase como maneirista.[67][68]
Desde meados do século XV que Portugal se afirmara como uma grande
potência naval e comercial, desenvolviam-se as suas artes e fervia o
entusiasmo pelas conquistas marítimas. O reinado de D. João II foi marcado pela formação de um sentimento de orgulho nacional, e no tempo de D. Manuel I,
como dizem Spina & Bechara, o orgulho havia cedido ao delírio, à
pura euforia da dominação do mundo. No início do século XVI Garcia de Resende
lamentava-se de que não houvesse quem pudesse celebrar dignamente
tantas façanhas, afirmando que havia material épico superior ao dos romanos e troianos. Preenchendo esta lacuna, João de Barros escreveu a sua novela de cavalaria, A Crónica do Imperador Clarimundo (1520), em formato de épico. Pouco depois apareceu António Ferreira,
instalando-se como mentor da geração classicista e desafiando os seus
contemporâneos a cantarem as glórias de Portugal em alto estilo. Quando
Camões surgiu, o terreno estava preparado para a apoteose da pátria, uma
pátria que havia lutado encarniçadamente para conquistar a sua
soberania, primeiro dos mouros e depois de Castela,
havia desenvolvido um espírito aventureiro que a levara pelos oceanos
afora, expandindo as fronteiras conhecidas do mundo e abrindo novas
rotas de comércio e exploração, vencendo exércitos inimigos e as forças
hostis da natureza.[69]
Mas nesta altura, porém, a crise política e cultural já se anunciava,
materializando-se logo após a sua morte, quando o país perdeu a sua
soberania para Espanha.[70]
Visão geral
Andries Pauwels: Busto de Camões, século XVII.
A produção de Camões divide-se em três géneros: o lírico, o épico e o
teatral. A sua obra lírica foi desde logo apreciada como uma alta
conquista. Demonstrou o seu virtuosismo especialmente nas canções e elegias, mas as suas redondilhas não lhes ficam atrás. De facto, foi um mestre nesta forma, dando uma nova vida à arte da glosa,
instilando nela espontaneidade e simplicidade, uma delicada ironia e um
fraseado vivaz, levando a poesia cortesã ao seu nível mais elevado, e
mostrando que também sabia expressar com perfeição a alegria e a
descontração. A sua produção épica está sintetizada n’Os Lusíadas,
uma alentada glorificação dos feitos portugueses, não apenas das suas
vitórias militares, mas também a conquista sobre os elementos e o espaço
físico, com recorrente uso de alegorias clássicas. A ideia de um épico
nacional existia no seio português desde o século XV, quando se
iniciaram as navegações, mas coube a Camões, no século seguinte,
materializá-la. Nas suas obras dramáticas procurou fundir elementos
nacionalistas e clássicos.[41]
Provavelmente se tivesse permanecido em Portugal, como um poeta
cortesão, jamais teria atingido a maestria da sua arte. As experiências
que acumulou como soldado e navegador enriqueceram sobremaneira a sua
visão de mundo e excitaram o seu talento. Através delas conseguiu
livrar-se das limitações formais da poesia cortesã e as dificuldades por
que passou, a profunda angústia do exílio, a saudade da pátria,
impregnaram indelevelmente o seu espírito e comunicaram-se à sua obra, e
dali influenciaram de maneira marcante as gerações seguintes de
escritores portugueses. Os seus melhores poemas brilham exatamente pelo
que há de genuíno no sofrimento expresso e na honestidade dessa
expressão, e este é um dos motivos principais que colocam a sua poesia
em um patamar tão alto.[41]
As suas fontes foram inúmeras. Dominava o latim e o espanhol, e demonstrou possuir um sólido conhecimento da mitologia greco-romana, da história antiga e moderna da Europa, dos cronistas portugueses e da literatura clássica, destacando-se autores como Ovídio, Xenofonte, Lucano, Valério Flaco, Horácio, mas especialmente Homero e Virgílio,
de quem tomou vários elementos estruturais e estilísticos de empréstimo
e às vezes até trechos em transcrição quase literal. De acordo com as
citações que fez, também parece ter tido um bom conhecimento de obras de
Ptolomeu, Diógenes Laércio, Plínio, o Velho, Estrabão e Pompónio, entre outros historiadores e cientistas antigos. Entre os modernos, estava a par da produção italiana de Francesco Petrarca, Ludovico Ariosto, Torquato Tasso, Giovanni Boccaccio e Jacopo Sannazaro, e da literatura castelhana.[71][72]
Para aqueles que consideram o Renascimento um período histórico
homogéneo, informado pelos ideais clássicos e que se estende até o fim
do século XVI, Camões é pura e simplesmente um renascentista, mas de
modo geral reconhece-se que o século XVI foi amplamente dominado por uma
derivação estilística chamada Maneirismo, que em vários pontos é uma escola anticlássica e de várias formas prefigura o Barroco.
Assim, para vários autores, é mais adequado descrever o estilo
camoniano como maneirista, distinguindo-o do classicismo renascentista
típico. Isso se justifica pela presença de vários recursos de linguagem e
de uma abordagem dos seus temas que não estão concordes às doutrinas de
equilíbrio, economia, tranquilidade, harmonia, unidade e invariável
idealismo que são os eixos fundamentais do classicismo renascentista.
Camões, depois de uma fase inicial tipicamente clássica, transitou por
outros caminhos e a inquietude e o drama se tornaram seus companheiros.
Por todo Os Lusíadas são visíveis os sinais de uma crise política
e espiritual, permanece no ar a perspectiva do declínio do império e do
carácter dos portugueses, censurados por maus costumes e pela falta de
apreço pelas artes, alternando-se a trechos em que faz a sua apologia
entusiasmada. Também são típicos do Maneirismo, e se tornariam ainda
mais do Barroco, o gosto pelo contraste, pelo arroubo emocional, pelo
conflito, pelo paradoxo, pela propaganda religiosa, pelo uso de figuras de linguagem complexas e preciosismos, até pelo grotesco e pelo monstruoso, muitos deles traços comuns na obra camoniana.[68][70][73][74]
O carácter maneirista da sua obra é assinalado também pelas
ambiguidades geradas pela ruptura com o passado e pela concomitante
adesão a ele, manifesta a primeira na visualização de uma nova era e no
emprego de novas fórmulas poéticas oriundas de Itália, e a segunda, no
uso de arcaísmos típicos da Idade Média. Ao lado do uso de modelos formais renascentistas e classicistas, cultivou os géneros medievais do vilancete, da cantiga e da trova.
Para Joaquim dos Santos, o carácter contraditório da sua poesia
encontra-se no contraste entre duas premissas opostas: o idealismo e a
experiência prática. Conjugou valores típicos do racionalismo humanista com outros derivados da cavalaria, das cruzadas e do feudalismo,
alinhou a constante propaganda da fé católica com a mitologia antiga,
responsável no plano estético por toda a ação que materializa a
realização final, descartando a aurea mediocritas cara aos clássicos para advogar a primazia do exercício das armas e da conquista gloriosa.[75]
Os Lusíadas
Capa da edição de 1572 dos Lusíadas.
Os Lusíadas é considerada a epopeia
portuguesa por excelência. O próprio título já sugere as suas intenções
nacionalistas, sendo derivado da antiga denominação romana de Portugal,
Lusitânia. É um dos mais importantes épicos da época moderna devido à sua grandeza e universalidade. A epopeia narra a história de Vasco da Gama e dos heróis portugueses que navegaram em torno do Cabo da Boa Esperança e abriram uma nova rota para a Índia.
É uma epopeia humanista, mesmo nas suas contradições, na associação da
mitologia pagã à visão cristã, nos sentimentos opostos sobre a guerra e o
império, no gosto do repouso e no desejo de aventura, na apreciação do
prazer sensual e nas exigências de uma vida ética, na percepção da
grandeza e no pressentimento do declínio, no heroísmo pago com o
sofrimento e luta.[76][77] O poema abre com os célebres versos:
As armas e os barões assinalados
Que, da ocidental praia lusitana,
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo reino, que tanto sublimaram.
.....
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte
— Os Lusíadas, Canto I
Os dez cantos do poema somam 1 102 estrofes num total de 8 816 versos
decassílabos, empregando a oitava rima (abababcc). Depois de uma
introdução, uma invocação e uma dedicatória ao rei D. Sebastião, inicia a
ação, que funde mitos e factos históricos. Vasco da Gama, navegando
pela costa da África, é observado pela assembleia dos deuses clássicos,
que discutem o destino da expedição, a qual é protegida por Vénus e atacada por Baco.
Descansando por alguns dias em Melinde, a pedido do rei local Vasco da
Gama narra toda a história portuguesa, desde as suas origens até à
viagem que empreendem. Os cantos III, IV e V contêm algumas das melhores
passagens de todo o épico: o episódio de Inês de Castro, que se torna um símbolo de amor e morte, a Batalha de Aljubarrota, a visão de D. Manuel I, a descrição do fogo-de-santelmo, a história do gigante Adamastor. De volta ao navio, o poeta aproveita as horas de folga para narrar a história dos Doze de Inglaterra, enquanto Baco convoca os deuses marítimos para que destruam a frota portuguesa. Vénus intervém e os navios conseguem alcançar Calecute, na Índia. Lá, Paulo da Gama
recebe os representantes do rei e explica o significado dos estandartes
que adornam a nau capitânia. Na viagem de volta os marinheiros
desfrutam da ilha para eles criada por Vénus, recompensando-os as ninfas com seus favores. Uma delas canta o futuro glorioso de Portugal e a cena encerra com uma descrição do universo feita por Tétis e Vasco da Gama. Em seguida, a viagem prossegue para casa.[41]
Tétis descreve a Máquina do Mundo ao Gama, ilustração da edição de 1639 de Faria e Sousa.
N’Os Lusíadas
Camões atinge uma notável harmonia entre erudição clássica e
experiência prática, desenvolvida com habilidade técnica consumada,
descrevendo as peripécias portuguesas com momentos de grave ponderação
mesclados com outros de delicada sensibilidade e humanismo. As grandes
descrições das batalhas, da manifestação das forças naturais, dos
encontros sensuais, transcendem a alegoria e a alusão classicista que
permeiam todo o trabalho e se apresentam como um discurso fluente e
sempre de alto nível estético, não apenas pelo seu carácter narrativo
especialmente bem conseguido, mas também pelo superior domínio de todos
os recursos da língua e da arte da versificação, com um conhecimento de
uma ampla gama de estilos, usados em eficiente combinação. A obra é
também uma séria advertência para os reis cristãos abandonarem as
pequenas rivalidades e se unirem contra a expansão muçulmana.[41]
A estrutura da obra é por si digna de interesse, pois, segundo Jorge de Sena, nada é arbitrário n’Os Lusíadas. Entre os argumentos que apresentou foi o emprego da secção áurea,
uma relação definida entre as partes e o todo, organizando o conjunto
através de proporções ideais que enfatizam passagens especialmente
significativas. Sena demonstrou que ao aplicar-se a secção áurea a toda a
obra recai-se, precisamente, no verso que descreve a chegada dos
portugueses à Índia. Aplicando-se a secção em separado às duas partes
resultantes, na primeira parte surge o episódio que relata a morte de
Inês de Castro e, na segunda, a estrofe que narra o empenho de Cupido para unir os portugueses e as ninfas, o que para Sena reforça a importância do amor em toda a composição.[78] Dois outros elementos dão a' Os Lusíadas
a sua modernidade e distanciam-no do classicismo: a introdução da
dúvida, da contradição e do questionamento, em desacordo com a certeza
afirmativa que caracteriza o épico clássico, e a primazia da retórica sobre a ação, substituindo o mundo dos factos pelo das palavras, as quais não resgatam totalmente a realidade e evoluem para a metalinguagem, com o mesmo efeito disruptivo sobre a epopeia tradicional.[79]
Segundo Costa Pimpão, não há qualquer evidência de que Camões
pretendesse escrever o seu épico antes de ter viajado à Índia, embora
temas heróicos já estivessem presentes na sua produção anterior. É
possível que tenha retirado alguma inspiração de fragmentos das Décadas da Ásia, de João de Barros, e da História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses, de Fernão Lopes de Castanheda. Sobre a mitologia clássica
estava com certeza bem informado antes disso, igualmente quanto à
literatura épica antiga. Aparentemente, o poema começou a tomar forma já
em 1554. Storck considera que a determinação de escrevê-lo nasceu
durante a própria viagem marítima. Entre 1568 e 1569 foi visto em
Moçambique pelo historiador Diogo do Couto, seu amigo, ainda a trabalhar na obra, que só veio à luz em Lisboa, em 1572.[71]
O sucesso da publicação d’Os Lusíadas supostamente obrigara a uma segunda edição no mesmo ano da edição princeps.
As duas diferem em inúmeros detalhes e foi longamente debatido qual
delas seria de facto a original. Tampouco é claro a quem se devem as
emendas do segundo texto. Atualmente reconhece-se como original a edição
que mostra a marca do editor, um pelicano,
com o pescoço voltado para a esquerda, e que é chamada edição A,
realizada sob a supervisão do autor. Entretanto, a edição B foi por
muito tempo tomada como a princeps, com consequências desastrosas
para a análise crítica posterior da obra. Aparentemente a edição B foi
produzida mais tarde, em torno de 1584 ou 1585, de maneira clandestina,
levando a data fictícia de 1572 para contornar as delongas da censura da
época, se fosse publicada como uma nova edição, e corrigir os graves
defeitos de uma outra edição de 1584, a chamada edição Piscos.[80]
Contudo, Maria Helena Paiva levantou a hipótese de que as edições A e B
sejam apenas variantes de uma mesma edição, que foi sendo corrigida
após a composição tipográfica, mas enquanto a impressão já estava em
andamento. De acordo com a pesquisadora, "a necessidade de tirar o
máximo partido da prensa levava a que, concluída a impressão de uma
forma, que constava de vários fólios, fosse tirada uma primeira prova,
que era corrigida enquanto a prensa continuava, agora com o texto
corrigido. Havia, por isso, fólios impressos não corrigidos e fólios
impressos corrigidos, que eram agrupados indistintamente no mesmo
exemplar", fazendo com que não existissem dois exemplares rigorosamente iguais no sistema de imprensa daquela época.[81]
Rimas
Capa da primeira edição das Rimas, de 1595.
A obra lírica de Camões, dispersa em manuscritos,[82] foi reunida e publicada postumamente em 1595 com o título de Rimas.
Ao longo do século XVII, o crescente prestígio do seu épico contribuiu
para elevar ainda mais o apreço por estas outras poesias. A coletânea
compreende redondilhas, odes, glosas, cantigas, voltas ou variações, sextilhas, sonetos, elegias, éclogas
e outras estâncias pequenas. A sua poesia lírica procede de várias
fontes distintas: os sonetos seguem em geral o estilo italiano derivado
de Petrarca, as canções tomaram o modelo de Petrarca e de Pietro Bembo. Nas odes verifica-se a influência da poesia trovadoresca
de cavalaria e da poesia clássica, mas com um estilo mais refinado; nas
sextilhas aparece clara a influência provençal; nas redondilhas
expandiu a forma, aprofundou o lirismo e introduziu uma temática,
trabalhada em antíteses e paradoxos, desconhecida na antiga tradição das
cantigas de amigo,
e as elegias são bastante classicistas. As suas estâncias seguem um
estilo epistolar, com temas moralizantes. A écoglas são peças perfeitas
do género pastoral, derivado de Virgílio e dos italianos.[83][84][85] Em muitos pontos de sua lírica também foi detectada a influência da poesia espanhola de Garcilaso de la Vega, Jorge de Montemor, Juan Boscán, Gregorio Silvestre e vários outros nomes, conforme apontou seu comentador Faria e Sousa.[86]
A despeito dos cuidados do primeiro editor das Rimas, Fernão
Rodrigues Lobo Soropita, na edição de 1595 foram incluídos vários poemas
apócrifos. Muitos poemas foram sendo descobertos ao longo dos séculos
seguintes e a ele atribuídos, mas nem sempre com uma análise crítica
cuidadosa. O resultado foi que, por exemplo, enquanto nas Rimas
originais havia 65 sonetos, na edição de 1861 de Juromenha havia 352; na
edição de 1953 de Aguiar e Silva ainda eram listadas 166 peças.[41][87][88]
Além disso, muitas edições modernizaram ou "embelezaram" o texto
original, prática acentuada em particular depois da edição de 1685 de
Faria e Sousa, fazendo nascer e enraizar uma tradição própria sobre esta
lição adulterada que causou enormes dificuldades para o estudo crítico.
Estudos mais científicos só começaram a ser empreendidos no final do
século XIX, com a contribuição de Wilhelm Storck e Carolina Michaelis de Vasconcelos,
que descartaram diversas composições apócrifas. No início do século XX
os trabalhos continuaram com José Maria Rodrigues e Afonso Lopes Vieira,
que publicaram em 1932 as Rimas numa edição que chamaram de
"crítica", embora não merecesse o nome: adotou largas partes da lição de
Faria e Sousa, mas os editores alegaram ter usado as edições originais,
de 1595 e 1598. Por outro lado, levantaram definitivamente a questão da
fraude textual que vinha se perpetuando há muito tempo e havia
adulterado os poemas a ponto de se tornarem irreconhecíveis.[87] Um exemplo basta:
Edição de 1595: "Aqui, ó Ninfas minhas, vos pintei / Todo de
amores um jardim suave; / Das aves, pedras, águas vos contei, / Sem me
ficar bonina, fera ou ave.".
Edição de 1685: "Aqui, fremosas ninfas, vos pintei / Todo de
amores um jardim suave; / De águas, de pedras, de árvores contei, / De
flores, de almas, feras, de uma, outra ave."[89]
Parece ser impossível chegar-se, neste expurgo, a um resultado
definitivo. Entretanto, sobrevive material autêntico em quantidade
suficiente para garantir a sua posição como o melhor lírico português e o
maior poeta da Renascença em Portugal.[41]
Capa da edição de 1615 do Filodemo.
Comédias
O conteúdo geral de suas obras para o palco combina, da mesma forma que n’Os Lusíadas, o nacionalismo e a inspiração clássica. A sua produção neste campo resume-se a três obras, todas no género da comédia e no formato de auto: El-Rei Seleuco, Filodemo e Anfitriões. A atribuição do El-Rei Seleuco a Camões, porém, é controversa. A sua existência não era conhecida até 1654, quando apareceu publicada na primeira parte das Rimas
na edição de Craesbeeck, que não deu detalhes sobre a sua origem e teve
poucos cuidados na edição do texto. A peça também diverge em vários
aspetos das outras duas que sobreviveram, tais como em sua extensão, bem
mais curta (um ato), na existência de um prólogo em prosa, e no tratamento menos profundo e menos erudito do tema amoroso. O tema, da complicada paixão de Antíoco, filho do rei Seleuco I Nicator, por sua madrasta, a rainha Estratonice, foi tirado de um facto histórico da Antiguidade transmitido por Plutarco e repetido por Petrarca e pelo cancioneiro popular espanhol, trabalhando-o ao estilo de Gil Vicente.[90][91] Anfitriões, publicado em 1587, é uma adaptação do Amphitryon de Plauto, onde acentua o carácter cómico do mito de Anfitrião, destacando a omnipotência do amor, que subjuga até os imortais, também seguindo a tradição vicentina. A peça foi escrita em redondilhas menores e faz uso do bilinguismo, empregando o castelhano
nas falas do personagem Sósia, um escravo, para assinalar seu baixo
nível social em passagens que chegam ao grotesco, um recurso que aparece
nas outras peças também. O Filodemo, composto na Índia e
dedicado ao vice-rei D. Francisco Barreto, é uma comédia de moralidade
em cinco atos, de acordo com a divisão clássica, sendo das três a que se
manteve mais viva no interesse da crítica pela multiplicidade de
experiências humanas que descreve e pela agudeza da observação
psicológica. O tema versa sobre os amores de um criado, Filodemo, pela
filha, Dionisa, do fidalgo em casa de quem serve, com traços
autobiográficos.[41][92][93]
Camões via a comédia como um género secundário, de interesse apenas
como um divertimento de circunstância, mas conseguiu resultados
significativos transferindo a comicidade dos personagens para a ação e
refinando a trama, pelo que apontou um caminho para a renovação da
comédia portuguesa. Entretanto, sua sugestão não foi seguida pelos
cultivadores do género que o sucederam.[41]
Núcleos temáticos da obra camoniana
A conquista, o herói português e o papel da arte
Para Ivan Teixeira, embora Os Lusíadas não tenha sido escrito
por encomenda do Estado, ajustou-se perfeitamente a uma necessidade
cultural da empreitada expansionista. Camões acreditava no discurso
dominante em Portugal na sua época, de que os portugueses tinham uma
missão civilizadora a cumprir no mundo. No texto essa missão é
explicitada, mas a ideologia não tolda a sua arte.[94]
Ao contrário, é a Poesia que dá amplitude à História, uma amplitude que
Camões imaginava ser o dever do poeta revelar aos seus contemporâneos,
apoiando-se na glória do passado e do presente para subir num voo alto e
perscrutar com o olho do espírito as perspetivas ainda mais grandiosas
no distante horizonte do futuro, trazendo através da Arte de volta para o
mundo a visão recebida, a fim de que a Arte infundisse na História um
sentido novo, garantisse o significado superior dessa História na
imortalidade de uma Arte que lhe faz jus, reacendendo com isso o ardor
do português por conquistas ainda maiores. Como sugeriu Alcyr Pécora, é
como se sem a epopeia o Bem da proeza não se pudesse cumprir
integralmente. As armas apenas não bastam para a grandeza, é necessário
que as artes a cantem, e se o herói não estima a arte, limita-se a sua
virtude, e perde a capacidade de atingir o sublime.[70][95]
Camões, sem modéstia, colocou-se como a voz desse canto necessário à
grandeza de Portugal, mas consternado acusava a ingratidão e as
injustiças que sofria:
Selo português comemorando os 400 anos de seu nascimento, em 1924, onde se mostra o poeta salvando Os Lusíadas no naufrágio.
Olhai que há tanto tempo que, cantando
O vosso Tejo e os vossos lusitanos,
A Fortuna me traz peregrinando,
Novos trabalhos vendo e novos danos:
.....
A troco dos descansos que esperava,
Das capelas de louro que me honrassem,
Trabalhos nunca usados me inventaram,
Com que em tão duro estado me deitaram
.....
Vede, Ninfas, que engenhos de senhores
O vosso Tejo cria valerosos,
Que assim sabem prezar, com tais favores,
A quem os faz, cantando, gloriosos!"
— Os Lusíadas, Canto VII
Porém, mesmo à sua própria custa, fica evidente que seu intento não foi apenas glorificar os portugueses, mas sim divinizá-los, seja celebrando os seus feitos positivos, seja corrigindo o seu mau comportamento.[96][97]Os Lusíadas é, assim, não só história e apologia, não só "engenho e arte",
mas uma crítica de costumes, um ditado ético, um complexo e por vezes
contraditório programa político, e uma promessa de futuro melhor, um
futuro que jamais foi sonhado para qualquer povo. No poema, grandes
figuras da Antiguidade aparecem ofuscadas diante do que realizaram e
realizariam os varões de Portugal. Os portugueses tornar-se-ão divinos
não só pela fortaleza de ânimo, pela coragem física diante do inimigo,
mas pelo exercício das mais altas virtudes. Para Camões os lusos estavam
destinados a substituir a fama dos Antigos porque as suas proezas os
excediam.[96][98] Nem a veneração à Antiguidade que o poeta nutria foi capaz de sobrepujar a sua conceção dos portugueses como heróis sublimes:
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a Musa antígua canta,
Que outro valor mais alto se alevanta
— Os Lusíadas, Canto I
Mas aqui transparece um dos paradoxos da ideologia política de Camões, ou talvez a sua prudência e sabedoria, pois enquanto que Os Lusíadas são por um lado um louvor ao espírito de conquista, a profética condenação, pela voz do Velho do Restelo, da "vã cobiça" dos portugueses, do seu desejo pela "glória de mandar", e "desta vaidade a quem chamamos fama", provavelmente ecoa uma corrente de pensamento de sua época que era contrária às premissas da navegação, deixando "às
portas o inimigo, por ires buscar outro de tão longe, por que se
despovoe o Reino antigo, se enfraqueça e se vá deitando a longe". Sua aparição encerra advertindo os portugueses contra a húbris, os "altos desejos", lembrando como Faetonte, "o moço miserando", causou a sua própria ruína tentando conduzir o carro solar de seu pai, Hélio, sem possuir a capacidade de fazê-lo, sendo por isso fulminado por Zeus, e como Ícaro sucumbiu à tentação de voar até ao sol com as suas asas de cera, vendo-as derreter e precipitando-se mortalmente para a terra.[99]
O amor e a mulher
Dos temas mais presentes na lírica camoniana o do amor é central e ocorre de modo conspícuo também n’Os Lusíadas. Na sua conceção incorporou elementos da doutrina clássica, do amor cortês
e da religião cristã, concorrendo todos para incentivar o amor
espiritual e não o carnal. Para os clássicos, especialmente na escola platónica,
o amor espiritual é o mais elevado, o único digno dos sábios, e esta
espécie de afeto incorpóreo acabou por ser conhecida como amor platónico. Na religião cristã da sua época o corpo era visto como fonte de um dos pecados capitais, a luxúria,
e por isso sempre foi encarado com desconfiança quando não desprezo;
conquanto fosse aprovado o amor nas suas versões espirituais, o amor
sexual era permitido primariamente para a procriação, ficando o prazer
em plano secundário. Da poesia trovadoresca herdou a tradição do amor
cortês, que é ele mesmo uma derivação platónica que coloca a dama num
patamar ideal, jamais atingível, e exige do cavaleiro uma ética
imaculada e uma total subserviência em relação à amada. Nesse contexto,
o amor camoniano, como expresso nas suas obras, é, por regra, um amor
idealizado que não chega a vias de facto e se expressa no plano da
abstração e da arte. Contudo, é um amor preso no dualismo, é um amor
que, se por um lado ilumina a mente, gera a poesia e enobrece o
espírito, se o aproxima do divino, do belo, do eterno, do puro e do
maravilhoso, é também um amor que tortura e escraviza pela
impossibilidade de ignorar o desejo de posse da amada e as urgências da
carne. Queixou-se o poeta inúmeras vezes, amargamente, da tirania desses
amores impossíveis, chorou as distâncias, as despedidas, a saudade, a
falta de reciprocidade, e a impalpabilidade dos nobres frutos que
produz.[100][101] Tome-se como exemplo um soneto muito conhecido:
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo amor?
— Rimas
Todos os paradoxos criados pela idealização amorosa são enfatizados pela própria estrutura poética, cheia de antíteses, metáforas, silogismos, oposições e inversões, que na análise de Cavalcante
"... configuram um jogo elegante e sonoro de linguagem enquanto o
poema desenvolve os paradoxos para expressar o sentido tanto universal
quanto contraditório do amor. Diante do sentimento, o homem torna-se
frágil, a linguagem é insuficiente, a palavra, ilógica e sem razão. Ao
expressar o "eu" universal, Camões joga com escrita/escritura, fazendo
desta última o mais puro "estranhamento" e novidade, ainda que pudesse
estar inspirado nos modelos clássicos".[102]
Se a consumação terrena é impossível, pode ser necessária a própria morte dos amantes, para que se possam unir no Paraíso. Desta forma, o tema da morte acompanha o do amor em muito da poesia de Camões, seja de forma explícita ou implícita.[101]
Nem sempre, porém, o amor lhe foi um drama, e o poeta foi capaz de
expressar o seu lado puramente jubiloso e tranquilo, tocando, como
observou Joaquim Nabuco, o cerne de simplicidade do sentimento.[103] Como exemplo, deu o seguinte soneto:
Página da edição de 1616 das Rimas, com o início do poema Cabellos d'ouro...
Transforma-se o amador na cousa amada
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada
Que mais deseja o corpo alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois com ele tal alma está liada.
Mas esta linda e pura Semidea
Que como o acidente em seu sujeito,
Assi com a alma minha se conforma;
Está no pensamento como ideia;
E o vivo, o puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma.
— Rimas
De qualquer forma, apesar das frustrações e do sofrimento recorrente, para Camões o amor valia a pena de ser vivido: "As lágrimas inflamam o meu amor e sinto-me contente de mim porque vos amei",[103]
e em suas descrições da amada abundam imagens pictóricas de grande
delicadeza, colocando a mulher como elemento central numa paisagem
natural harmoniosa, especialmente na sua lírica derivada mais
diretamente de Petrarca e da tradição pastoral portuguesa do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, que evocam o bucolismo
clássico. A pintura com palavras traz à frente tanto as belezas
naturais e feminis, como é capaz de delinear um perfil psicológico
através da descrição dos gestos, das posturas e dos movimentos corpóreos
da mulher, como transparece no trecho: "O rosto sobre sua mão / Os olhos no chão pregados / Que do chorar já cansados / Algum descanso lhe dão".[104]
A dualidade amorosa expressa na lírica camoniana corresponde a duas
conceções de mulher: a primeira é de uma criatura angelical, objeto de
culto, um ser quase divino, intocável e distante. A sua descrição
enfatiza as correspondências entre a sua beleza física e a sua perfeição
moral e espiritual. Os seus cabelos são ouro, a sua boca é uma rosa, os
seus dentes, pérolas e a sua simples proximidade e contemplação são
dádivas celestes. Mas o amor vivido em espírito dá lugar a sentimentos
totalizantes que acabam por envolver também a manifestação erótica e hedonista,
fazendo um apelo ao desfrute imediato, antes que o tempo consuma os
corpos na decrepitude, invocando então a outra mulher, a carnal. Se a
união física não acontece, nasce o sofrimento e com ele a alienação do
mundo, o desconcerto e a "poesia do desafogo", como a chamou Soares. Na
lírica de Camões o fulcro polarizador do prazer e da dor é a mulher e em
torno da figura feminina gira todo o pathos amoroso, ela é o ponto de partida e o ponto de chegada de todo o discurso poético.[105]
Mesmo sem jamais ter casado e mesmo adorando à distância suas musas,
Camões com toda probabilidade experimentou o amor carnal. N’Os Lusíadas,
transcendendo a tradição da lírica amorosa petrarquista, encontram-se
as passagens relativas ao amor mais carregadas de erotismo da obra
camoniana, em várias descrições vívidas, livres, apaixonadas e honestas
do encontro sensual e da mulher, não raro banhadas de intenso lirismo.
As passagens mais marcantes nesse sentido são o retrato de Vénus e sua
subida ao Olimpo, onde seduz Júpiter para que favoreça os portugueses, no Canto II, e as cenas na Ilha dos Amores, nos Cantos IX e X.[100][106] Segue um trecho do retrato da deusa:
Os crespos fios d'ouro se esparziam
Pelo colo, que a neve escurecia;
Andando, as lácteas tetas lhe tremiam,
Com quem Amor brincava, e não se via;
Da alva petrina flamas lhe saíam,
Onde o Menino as almas acendia;
Pelas lisas colunas lhe trepavam
Desejos, que como hera se enrolavam.
C'um delgado sendal as partes cobre,
De quem vergonha é natural reparo,
Porém nem tudo esconde, nem descobre,
O véu, dos roxos lírios pouco avaro;
Mas, para que o desejo acenda o dobre,
Lhe põe diante aquele objeto raro.
Já se sentem no Céu, por toda a parte,
Ciúmes em Vulcano, amor em Marte.
— Os Lusíadas, Canto II
Para Cidália dos Santos a eficiência da evocação erótica reside na habilidosa criação de um percurso voyeurístico
que alterna a exibição e o ocultamento do corpo da deusa, numa escala
de intensidade progressiva e com descrições bastante ousadas, ainda que
faça uso de uma metáfora para assinalar o foco do desejo sexual, os lábios de sua vulva:
"os roxos lírios". Na descrição da Ilha dos Amores a atmosfera erótica é
consistentemente mantida através de uma longa passagem, também numa
sequência crescente de intensidade, descrevendo desde a criação da ilha,
a chegada das ninfas
e os preparativos para o desfrute dos portugueses, até ao momento em
que os marinheiros iniciam a "caça" às ninfas por entre a floresta e
finalmente se unem a elas num momento de prazer libertador e
generalizado que compensava todos os trabalhos antes sofridos:[106]
Tétis preside ao banquete das ninfas e dos portugueses na Ilha dos Amores, gravura anónima de 1880.
Ó que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves, que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã, e na sesta,
Que Vénus com prazeres inflamava,
Melhor é experimentá-lo que julgá-lo,
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo
— Os Lusíadas, Canto IX
É de notar que a consumação sexual coletiva que ocorre nas Ilha dos
Amores, embora com todos os atributos da carnalidade e descrita com
detalhes nitidamente eróticos, está distante do carácter de uma orgia desenfreada. As ninfas são deusas, e o amor que oferecem não é vulgar. Na tradição clássica eram entidades que iluminavam o intelecto e presidiam à geração e à regeneração e na epopeia elas aparecem como potenciais matrizes de uma raça sublimada, a "progénie forte e bela" que Camões ansiava ver nascer em Portugal. A própria Ilha dos Amores incorpora vários atributos de um paraíso terreno, onde o vínculo entre homem e mulher é pleno e harmonioso, ao mesmo tempo carnal e espiritual. Na visão de Borges, "a
qualidade paradisíaca da Ilha reside exatamente em nela se abolir a
divisão e oposição entre corpo e espírito, masculino e feminino, humano e
divino, mortal e imortal, atividade e fim, ser e consciência".[107]
À parte as figuras femininas mitológicas, que pertencem ao plano mítico e estão além da História e livres do pecado original, a visão da mulher n’Os Lusíadas revela a opinião geral de seu tempo: as mulheres são tanto mais exaltadas quanto mais se aproximam do comportamento de Maria, mãe de Jesus,
modelo máximo de perfeição feminina cristã. Dentro desse padrão,
cabiam-lhes as funções de filha, mãe, esposa, dona de casa e devota,
fiéis, pacatas, submissas e prontas a renunciar à sua própria vida para
servir ao marido, à família e à pátria. Nessa linha, as mulheres do
Restelo, Leonor Sepúlveda e Dona Filipa são as mais louvadas,
seguindo-se Inês de Castro, que, mesmo sendo uma amante, acaba defendida
por conta da sua fidelidade ao príncipe, do seu "puro amor", da sua
delicadeza, da sua preocupação maternal com os filhos, do seu
sofrimento, expiação e "morte crua". Entretanto, Teresa e, ainda mais, Leonor Teles, são severamente condenadas por causa dos seus comportamentos discrepantes do padrão cristão, pondo em perigo a nação.[108]
O desengano
Outro tema significativo que ocorre na sua poesia é o da
transitoriedade das coisas do mundo, também trabalhada através dos
contrastes dialéticos e outros jogos de linguagem. Faz Camões na sua
obra uma elaborada meditação sobre a condição humana, a partir da sua
trabalhosa experiência pessoal, que vê refletida e multiplicada no
mundo. Daí que desenvolveu um senso de fatalismo: o mundo é efémero, constata o poeta, o homem é fraco e a sua vontade é precária e impotente contra as forças superiores do destino.
É o mar que traga de inopino a donzela amada, é a guerra e a doença que
destroem as vidas ainda em botão, é a distância que separa os amantes, é
o tempo que corrói as esperanças, é a experiência que contradiz o sonho
belo, tudo passa e o imprevisto surpreende o homem a cada passo,
anulando qualquer possibilidade de se manter a perspetiva renascentista
de harmonia entre o homem e o cosmos - disso vem o desengano, a desilusão, um conceito comum neste domínio de sua obra, que o faz experimentar a amargura da morte ainda em vida.[109][110][111]
A sua mente vê-se perdida num mar de pensamentos desencontrados, chega a
dizer que a vida não tem razão de ser e que tentar descobrir o seu
sentido é tão inútil como perigoso, pois o pensar sobre as dificuldades
da vida somente aprofunda a dor de viver e não tem o poder de salvá-lo
da realidade miserável do homem.[111] Composta após o naufrágio no Oriente, a célebre redondilha Sobre os rios que vão (também conhecida como Sôbolos rios que vão), ilustra este aspeto da obra camoniana, da qual seguem três estrofes:
1.
"Sobre os rios que vão
por Babilonia m'achei,
Onde sentado chorei
as lembranças de Sião,
e quanto nela passei.
Ali o rio corrente
de meus olhos foi manado,
e, tudo bem comparado,
Babilónia ao mal presente,
Sião ao tempo passado.
. . .
2.
"Ali lembranças contentes
n'alma se representaram,
e minhas cousas ausentes,
se fizeram tão presentes
como se nunca passaram.
Ali, depois de acordado,
c'o rosto banhado em água,
deste sonho imaginado,
vi que todo o bem passado
não é gosto, mas é mágoa.
. . .
3.
"E vi que todos os danos
se causavam das mudanças,
e as mudanças dos anos,
onde vi quantos enganos
faz o tempo às esperanças.
Ali vi o maior bem,
quão pouco espaço que dura,
o mal quão depressa vem,
e quão triste estado tem
quem se fia da ventura".
A religião
Quanto à religião, Os Lusíadas é uma defesa intransigente do Catolicismo e um pesado ataque àqueles que não o abraçam, criticando os protestantes e principalmente os "infiéis" muçulmanos,
descritos quase invariavelmente como ardilosos, enganadores e
desprezíveis. Critica até países católicos como a França, por não
defender com vigor a religião contra o avanço protestante, e a própria
Itália, sede do papado, por considerá-la caída em vícios. Mesmo a constante presença dos deuses pagãos no poema não contradiz a sua ortodoxia, pois na época isso era considerado uma natural licença poética e assim foi entendida pelos censores eclesiásticos.[112][113][114] O tema da religião aparece também na sua produção lírica, como ilustra o seguinte soneto:
Desce do Céu imenso, Deus benino,
Para encarnar na Virgem soberana.
"Porque desce divino em cousa humana?"
"Para subir o humano a ser Divino".
"Pois como vem tão pobre e tão minino,
Rendendo-se ao poder da mão tirana?"
"Porque vem receber morte inumana
Para pagar de Adão o desatino".
"Pois como? Adão e Eva o fruto comem
Que por seu próprio Deus lhe foi vedado?"
"Si, por que o próprio ser de deuses tomem".
"E por essa razão foi humanado?"
"Si. Porque foi com causa decretado,
Se o homem quis ser deus, que Deus seja homem".
— Rimas
Aflito por insucessos amorosos, pela miséria da condição humana,
chegou a amaldiçoar o dia em que nasceu em um poema carregado de
pessimismo e desalento. Diante disso, para Camões a fé foi a resposta
final para os "desconcertos do mundo": o derradeiro consolo está em Deus.
Mesmo que a injustiça prevaleça em vida, no Céu o homem terá
recompensa. Pôde ainda expressar a sua resignação e esperança dizendo
que o que parece "injusto aos homens e profundo, para Deus é justo e evidente", e os que aceitam o sofrimento com paciência não incorrerão em outros castigos.[115]
Em que pese Camões ser o grande modelo da língua portuguesa
moderna, e da sua obra já ter sido extensamente estudada sob os pontos
de vista estético, histórico, cultural e simbólico, de acordo com
Verdelho relativamente pouco estudo tem sido feito sobre os seus aspetos
filológicos, nos domínios da sintaxe, semântica, morfologia, fonética e ortografia,
ainda mais que o poeta teve um papel importante para fixar e dar
autoridade a uma tradição literária em português, quando na sua época o
latim era uma língua altamente prestigiada para a criação literária e
para a transmissão de conhecimento e cultura, e o espanhol, que sempre
exerceu uma pressão, logo após a morte do poeta se tornou uma ameaça
séria à sobrevivência do idioma lusitano, por conta da união ibérica.
Como pensa Hernâni Cidade, isso indica que Camões estava ciente da sua
conjuntura linguística e fez uma opção deliberada pelo português, e na
sua produção transparece um forte interesse linguístico, sentindo-se "uma
permanente reflexão sobre a língua, uma aguda sensibilidade aos nomes
das coisas, às palavras e à maneira de as usar... Em Os Lusíadas, por
exemplo, várias vezes se dá notícia da estranheza perante o encontro de
novas línguas".[116]
Na escassa correspondência autógrafa que sobreviveu esse interesse está declarado explicitamente. Na Carta III ele narrou a um amigo o hábito das alcoviteiras de Lisboa, que traziam "sempre aparadas as palavras para falar com quem se preze disso, cousa que eu tenho por grande trabalho". Notou o desprezo de que o falar rústico dos camponeses era objeto e deu uma pitoresca descrição do poliglotismo que encontrou vigorando em um prostíbulo: "Deste
dilúvio houveram algumas damas medo e edificaram uma torre de
Babilónia, onde se acolheram; e vos certifico que são já as línguas
tantas que cedo cairá, porque ali vereis mouros, judeus, castelhanos,
leoneses, frades, clérigos, solteiros, moços e velhos (sic)". Na Carta II o poeta descreveu a linguagem das moças da Índia, que de tão rude lhe esfriava o ânimo romântico: "Respondem-vos
uma linguagem meada de ervilhaca, que trava na garganta do
entendimento, a qual vos lança água na fervura da mor quentura do mundo".[117]
O seu linguajar literário foi sempre reconhecido como erudito; Faria e
Sousa já dissera que Camões não escrevera para ignorantes. A influência
do seu modelo repercutiu profundamente sobre a evolução da língua
portuguesa pelos séculos seguintes, e durante muito tempo foi um padrão
ensinado nas escolas e academias, mas Verdelho considera-o mais próximo
da fala de comunicação quotidiana moderna em Portugal do que o português
usado, por exemplo, pelos escritores lusos do Barroco ou mesmo por
alguns autores contemporâneos. Para o pesquisador a linguagem de Camões
mantém uma notável proximidade entre os códigos linguísticos e os
códigos poéticos, dando-lhe uma transparência e legibilidade únicas, sem
que isso implique um ofuscamento das suas fontes clássicas, italianas e
espanholas, ou uma redução na sua complexidade e refinamento,
prestando-se a elaboradas análises. Cabe notar que se deve a Camões a
introdução de uma quantidade de latinismos na linguagem corrente, tais
como aéreo, áureo, celeuma, diligente, diáfano, excelente, aquático, fabuloso, pálido, radiante, recíproco, hemisfério e muitos outros, prática que ampliou significativamente o léxico do seu tempo.[118] Baião o chamou de um revolucionário em relação à língua portuguesa culta de sua geração,[119] e Paiva analisou algumas das inovações linguísticas trazidas por Camões dizendo:
Os Lusíadas constituem um testemunho de primeira importância
sobre uma mudança (linguística) em curso na época. Camões não se revela
apenas como um homem do seu tempo cuja linguagem reflecte a variedade
padrão, sobre a qual o corpus metalinguístico quinhentista fornece uma
informação específica ao nível da consciência, da práxis escritural e da
dimensão normativa. O aumento da amplitude da variação que o texto
acusa não é só inerente à diversificação dos conteúdos, à pluralidade de
vozes e à policromia de cambiantes. Camões ... identifica a tendência
que prevalecerá no futuro, e extrai, daquilo que intui na língua,
consequências detectáveis no plano da criação estética.[120]
De acordo com Monteiro, dos grandes poetas épicos da tradição
ocidental Camões permanece o menos conhecido fora de sua terra natal e a
sua obra-prima, Os Lusíadas, é o menos conhecido dos grandes
poemas dessa tradição. Entretanto, desde o tempo em que viveu e ao longo
dos séculos Camões foi louvado por diversos luminares não-lusófonos da
cultura ocidental. Torquato Tasso, que dizia que Camões era o único rival que temia,[121] dedicou-lhe um soneto, Baltasar Gracián elogiou a sua agudeza e engenho, no que foi seguido por Lope de Vega, Cervantes – que via Camões como o "cantor da civilização ocidental"[122] – e Góngora. Foi uma influência sobre o trabalho de John Milton e vários outros poetas ingleses, Goethe reconheceu a sua eminência, Sir Richard Burton considerava-o um mestre,[123]Friedrich Schlegel dizia-o o expoente máximo da criação na poesia épica,[124] opinando que a "perfeição" [Vollendung] da poesia Portuguesa era evidente nos seus "belos poemas",[125] e Humboldt o tinha como um admirável pintor da natureza.[126][127]August-Wilhelm Schlegel escreveu que Camões, por si só, vale uma literatura inteira.[128]
A fama de Camões iniciou a expandir-se através de Espanha, onde teve
vários admiradores desde o século XVI, aparecendo duas traduções d’Os Lusíadas em 1580, ano da morte do poeta, impressas a mando de Filipe II de Espanha,
então rei também de Portugal. No título da edição de Luis Gómez de
Tápia, Camões já é citado como "famoso", e na de Benito Caldera ele foi
comparado a Virgílio, e quase digno de igualar Homero.[129]
Além disso, o rei concedeu-lhe o título honorífico de "Príncipe dos
poetas de Espanha", que foi impresso numa das edições. Na leitura de
Bergel, Filipe estava perfeitamente a par das vantagens de usar, para os
seus próprios propósitos, uma cultura já estabelecida, em vez de
suprimi-la. Sendo filho de uma princesa portuguesa, não tinha interesse
em anular a identidade lusa nem as suas conquistas culturais, e foi-lhe
vantajoso assimilar o poeta para dentro da órbita espanhola, tanto para
assegurar a sua legitimidade como soberano das coroas unidas como para
engrandecer o brilho da cultura espanhola.[85]
Logo a sua fama alcançou a Itália; Tasso chamou-o "culto e bom" e Os Lusíadas foi traduzido duas vezes em 1658, por Oliveira e Paggi.[129] Mais tarde, associado a Tasso, tornou-se um paradigma importante no Romantismo italiano.[130]
A esta altura em Portugal já se formara um corpo de exegetas e
comentadores, dando ao estudo de Camões grande profundidade. Em 1655 Os Lusíadas
chega à Inglaterra na tradução de Fanshawe, mas só viria a ganhar
notoriedade aí cerca de um século depois, com a publicação da versão
poética de William Julius Mickle em 1776 que, embora bem sucedida, não
impediu o surgimento de mais uma dezena de traduções inglesas até fins
do século XIX.[131][132] Chegou a França
no início do século XVIII, quando Castera publicou uma tradução do
épico e no prefácio não poupou elogios à sua arte. Voltaire criticou
certos aspetos da obra, nomeadamente a sua falta de unidade na ação e
mistura de mitologia cristã e pagã, mas também admirou as novidades que
ela introduziu em relação às outras epopeias,[133] contribuindo poderosamente para a sua difusão. Montesquieu afirmou que o poema de Camões tinha algo do charme da Odisseia e da magnificência da Eneida.[134]
Entre 1735 e 1874 surgiram nada menos do que vinte traduções francesas
do livro, sem contar inúmeras segundas edições e paráfrases de alguns
dos episódios mais marcantes. Em 1777 Pieterszoon traduziu Os Lusíadas para o holandês e no século XIX surgiram mais cinco outras, parciais.[129][135]
Na PolóniaOs Lusíadas
foi traduzido em 1790 por Przybylski e, desde então, tornou-se
intimamente integrado na tradição literária polonesa, tanto que, pela
sua erudição, no século XIX foi um elemento indispensável na educação
literária local e foi intensivamente analisado pelos críticos polacos
que o viam como o melhor épico da Europa moderna. Ao mesmo tempo, a
pessoa de Camões, com a sua vida atribulada e seu "génio
incompreendido", tornou-se um ícone exemplar para a geração romântica e
nacionalista polaca que se apropriou da sua figura, como disse Kalewska,
quase como se fosse um polaco disfarçado, exercendo grande impacto na
formação do nacionalismo polaco e sobre sucessivas gerações de
escritores do país.[136]
Em 1782 apareceu a primeira tradução alemã, ainda que parcial. A
primeira versão integral veio à luz entre 1806 e 1807, trabalho de
Herse, e no final da centúria Storck traduziu as suas obras completas e
ofereceu um estudo monumental: Vida e Obra de Camões, traduzido para o português por Michaëlis.[129][135]
Camões foi uma das mais fortes influências sobre a formação e evolução da literatura brasileira,
uma influência que começou a ser efetiva a partir do período barroco,
no século XVII, como se constata pelas semelhanças entre Os Lusíadas e o primeiro épico brasileiro, a Prosopopeia, de Bento Teixeira, de 1601. As poesias de Gregório de Matos
também foram muitas vezes decalcadas do modelo formal camoniano, embora
o seu conteúdo e tom fossem bem outros. Mas Gregório usou paródias,
colagens, citações diretas e até cópias literais de trechos de vários
poemas de Camões para construir os seus. Com Gregório iniciou-se um
processo de diferenciação da literatura brasileira em relação à
portuguesa, mas não pôde evadir-se de, ao mesmo tempo, preservar muito
da tradição camoniana. Durante o Arcadismo continuou a prática da rutura paralela à recriação e a influência d’Os Lusíadas aparece nas obras O Uraguai, de Basílio da Gama, e em Caramuru, de frei Santa Rita Durão, dos dois o mais próximo da fonte original, tanto em forma como em visão de mundo. A lírica de Cláudio Manuel da Costa e Tomás António Gonzaga também é grandemente devedora de Camões.[137] Maria Martins Dias encontrou influência camoniana também sobre a literatura brasileira contemporânea, citando os casos de Carlos Drummond de Andrade e Haroldo de Campos.[138]
Durante o Romantismo,
não só na Polónia, como foi dito, mas em vários países da Europa,
Camões foi uma figura simbólica de grande destaque, popularizando-se
versões da sua biografia que o retratavam como uma espécie de
génio-mártir, com uma vida dificultosa e penalizado ainda mais pela
ingratidão de uma pátria que não soubera reconhecer a fama que ele lhe
trouxera, sublinhando-se o facto de a sua morte ocorrer no ano em que o
país perdia a independência, unindo-se assim o triste destino de ambos.[139]
Na interpretação de Chaves, a recuperação romântica de Camões
constituiu um mito com base tanto na sua biografia como na sua lenda, e
cuja obra fundia elementos do belo imaginoso da tradição italiana com o
sublime patriótico da tradição clássica, veiculando a partir do início
do século XIX "uma mensagem liberal de grande dimensão humana... um
recriador e um instrumento de uma importante tradição literária antiga,
um herói nacional de imutável destino em que no seu mítico percurso
existencial tal como na sua obra se projetaram sonhos, esperanças,
sentimentos e paixões humanas".[140]
Durante longo tempo, a maior parte da sua fama repousou apenas sobre Os Lusíadas
mas, nas últimas décadas, a sua obra lírica vem recuperando a alta
estima que lhe foi dedicada até ao século XVII. Curiosamente, foi na
Inglaterra e nos Estados Unidos
que permaneceu mais viva uma tradição, que remonta ao século XVII, de
equilibrar o seu prestígio entre a épica e a lírica, incluindo entre os
seus apreciadores, além dos citados Milton e Burton, também William Wordsworth, Lord Byron, Edgar Allan Poe, Henry Longfellow, Herman Melville, Emily Dickinson e especialmente Elizabeth Browning,
que foi uma grande divulgadora da sua vida e obra. Foi produzida ainda
muita literatura crítica sobre Camões nesses países, bem como várias
traduções.[141]
O grande interesse pela vida e obra de Camões já abriu espaço para o
estabelecimento da Camonologia como uma disciplina autónoma nas
universidades, oferecida desde 1924 na Faculdade de Letras de Lisboa e
desde 1963 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.[142][143] Pelo Protocolo Adicional ao Acordo Cultural entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, em 1986 foi instituído o Prémio Camões,
o maior galardão literário dedicado à literatura em língua portuguesa,
concedido àqueles autores que tenham contribuído para o enriquecimento
do património literário e cultural da língua. Já receberam o prémio,
entre outros, Miguel Torga, João Cabral de Melo Neto, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, José Saramago, Sophia de Mello Breyner, Lygia Fagundes Telles, António Lobo Antunes e João Ubaldo Ribeiro.[144]
Nos dias de hoje, estudado e traduzido para todas as principais línguas
do ocidente e algumas orientais, é praticamente um consenso chamá-lo de
um dos maiores literatos do ocidente, ombreando com Virgílio, Shakespeare, Dante, Cervantes e outros do mesmo quilate e há quem o tome como um dos maiores da história da humanidade.[135][139][145]
Reunida em Macau em 1999, a Organização Mundial de Poetas homenageou o
espírito universalista de Luís de Camões, celebrando-o como um autor que
ultrapassou barreiras temporais e nacionais.[139]
Críticas
Apesar de o mérito artístico de Camões ser largamente reconhecido, a sua obra não ficou imune a críticas. O bispo de Viseu, D. Francisco Lobo,
acusou-o de jamais haver amado verdadeiramente e, por isso, ter
falseado o amor através do embelezamento poético. Para o crítico, o amor
"não se declara com requebros tão ponderados, e por tão afetado
estilo, como ele faz tantas vezes, ou para melhor dizer, como faz em
todos esses lugares em que mais pretende engrandecer-se".[146]José Agostinho de Macedo, na sua obra em dois volumes, Censura das Lusiadas,
examinou o poema e expôs o que considerava serem os seus vários
defeitos, nomeadamente a nível de plano e acção, mas também erros de
métrica e gramática, chegando a afirmar que "Tiradas do poema as oitavas inúteis, ficava reduzido a cousa nenhuma." [147]
A seguinte passagem exemplifica bem o estilo da sua crítica:
referindo-se à Oitava 14.ª («Nem deixarão meus versos esquecidos /
Aqueles que nos Reinos lá da Aurora / Se fizeram por armas tão subidos...»), José Agostinho escreve: "Nesta Oit. 14.ª começa o vergonhoso bordão do—lá—que
se repete com enjoo a cada página até ao fim do Poema, coisa para que
os da seita Camoniana não tem sabido olhar [...] pressupondo sem exame a
impecabilidade em um homem."[148]Robert Southey comparou a Ilha dos Amores de Camões a um "bordel flutuante", acrescentando que "não há beleza que possa desculpar a licenciosidade."[149]Hegel, embora elogiando várias qualidades d’Os Lusíadas,
criticou a incongruência entre o tema nacionalista e o uso de modelos
formais clássicos e italianos, além de apontar uma presença excessiva da
voz pessoal do poeta, em várias passagens em que usa a primeira pessoa
do singular para tecer uma variedade de comentários, interrompendo o
fluxo da ação épica.[150]Cesário Verde
considerou o "desconcerto" camoniano, um modo errático de ser sujeito
no mundo e de estar sujeito no mundo, carregando as penas do mundo sobre
os ombros, como um desejo absurdo de sofrer.[151]Sérgio Buarque de Holanda disse que as cores épicas com que Camões pintou os feitos lusitanos não correspondem tanto a "uma aspiração generosa e ascendente",
mas espelham antes uma retrospeção melancólica da glória extinta que
mais desfigurou do que fixou a verdadeira fisionomia moral dos agentes
da expansão marítima.[152] António José Saraiva, alinhado às teses do marxismo,
lamentou a falta de substância dos seus personagens, que para ele são
mais estereótipos do que pessoas reais, não são heróis de carne e osso, e
carecem de robustez e vigor. Também criticou que a ação fosse levada
adiante sempre por esses heróis, sem que o povo português tivesse
qualquer participação. Como disse, "o peito ilustre lusitano não passa de uma abstração incapaz de conjuntivar carnalmente as proezas sucessivas dos guerreiros",
pois falta-lhes caracterização externa e, ao autor, uma visão histórica
ampla, reduzindo a História aos feitos de armas. Completou dizendo que
Camões não se distanciou suficientemente do ideal cavaleiresco para
poder criticá-lo, "o que o coloca na situação de aparecer um pouco como um Quixote que faz literatura como o outro investia (contra) os gigantes", atestando o seu desajuste em relação à sua época e caindo em contradições ideológicas.[153] Na mesma linha de ideias, Helgerson viu Os Lusíadas como uma reafirmação dos valores da aristocracia,
atribuindo os méritos da nação a uma só classe social, e considerou o
tratamento épico inconsistente com os objetivos gerais da exploração
marítima portuguesa, que eram em grande parte puramente comerciais,
gerando contradições internas no terreno ideológico e distorcendo os
factos históricos.[154]
Vários outros autores têm considerado Os Lusíadas como uma peça de propaganda e uma ilustração do desenvolvimento do colonialismo
português, mostrando como os encontros interculturais eram resolvidos
excessivas vezes de forma agressiva e predatória, e produzindo um
discurso que glorificava os portugueses como divinamente escolhidos e
fomentava a violência do imperialismo religioso da Contra-Reforma de que
eles eram instrumento ativo, como fica patente na reiterada condenação
dos mouros pela voz de Camões. Dizem esses autores que a mitologia de
supremacia consagrada por Camões, ao ser usada pelo Estado português,
teve consequências funestas para todas as colónias lusas, não somente
naquela época, mas de longo prazo, que são visíveis ainda em tempos
recentes, em particular na opressiva política oficial para as colónias
africanas que vigorou durante a ditadura de Salazar no século XX. Sintetizando essas visões, Anthony Soares disse que em Os Lusíadas a violência do discurso "pavimentou o caminho para a violência física sobre a qual se criou a identidade do império colonial português", problematizando também o futuro da identidade nacional portuguesa moderna.[155][156][157] Naturalmente, a literatura autóctone das colónias do Império Português
não pôde em seu início deixar de alinhar-se a esse ideário, mas, como
assinalou Eduardo Romo, a produção pós-colonial tem sido marcada pelo
esforço de se diferenciar nitidamente em relação ao modelo cultural da
metrópole e narrar as lutas pela independência, em busca de uma
identidade própria para estas novas nações.[158] Ainda dentro da esfera dos discursos hegemónicos, a obra de Camões foi vista por críticos feministas como um elemento de perpetuação de ideologias falocráticas.[159] O autor sul-africano Stephen Gray alega que a figura de Adamastor, o titã que n’Os Lusíadas é a personificação do Cabo das Tormentas, está na raiz de uma mitologia racista sobre a qual assenta a supremacia branca na África do Sul.[160]
Por outro lado, Camões foi defendido desses ataques por vários
escritores, que dizem que o significado do seu épico pode variar muito
de acordo com a interpretação pessoal, que o autor na mesma obra
expressou as suas dúvidas sobre a conquista e que Camões não pode ser
culpado por ter sido erigido em símbolo da sua pátria e usado como
instrumento político.[161][162]
Monumento ao poeta no Jardim Luís de Camões, Leiria.
A identificação de Camões e da sua obra como símbolos da nação
portuguesa parece datar, como acredita Vanda Anastácio, do início da
monarquia dual de Filipe II de Espanha,
pois aparentemente o monarca entendeu que seria de interesse
prestigiá-los como parte de sua política para assegurar a legitimidade
do seu reinado sobre os portugueses, o que justifica a sua ordem de
imprimir duas traduções em castelhano de Os Lusíadas em 1580, pelas universidades de Salamanca e Alcalá de Henares, e sem as submeter à censura eclesiástica.[85][163]
Mas Camões tornou-se especialmente importante em Portugal no século
XIX, quando, conforme afirmaram Lourenço, Freeland, Souza e outros
autores, Os Lusíadas sofreu um processo de releitura e mitificação por alguns dos expoentes do Romantismo local, como Almeida Garrett, Antero de Quental e Oliveira Martins, que o colocaram como um símbolo
da história e do destino que estaria reservado ao país. Até mesmo a
biografia do poeta foi readaptada e romantizada para servir aos seus
interesses, introduzindo-se uma nota messiânica a seu respeito no
imaginário popular da época. Os objetivos principais desse movimento
eram compensar o saudosismo dos tempos de glória e a perceção então
prevalente de Portugal como uma periferia pouco significativa da Europa,
e dar à sua história um sentido mais positivo, abrindo-lhe novas
perspetivas de futuro.[164][165][166]
Essa tendência atingiu um ponto alto por ocasião das comemorações do
tricentenário da morte do poeta, realizadas entre 8 e 10 de junho de
1880. Num momento de crise por que Portugal passava, quando se
questionava a legitimidade da monarquia e se ouviam fortes reivindicações pela democracia,
a figura do poeta tornou-se um foco para a causa política e um motivo
para reafirmações do valor português contra um pano de fundo ideológico positivista, agregando diferentes segmentos da sociedade, como foi sintetizado nas notícias dos jornais: "O Centenário de Camões neste momento histórico, e nesta crise dos espíritos tem a significação de uma revivescência nacional"... "É
sublime o acordo entre as conclusões científicas das mais elevadas
inteligências da Europa e a intuição da alma popular que encontram em
Camões o representante duma literatura inteira e a síntese da
nacionalidade"... "Todas as forças vivas da nação se aliavam
nesse grande preito à memória do homem cuja alma foi a síntese grandiosa
da alma portuguesa". Sugestivamente, o comité organizador das
festividades intitulou-se "Comité de Salvação Pública". Diversos estudos
críticos vieram a luz no momento, incluindo estrangeiros, e a festa nas
ruas atraiu enorme público.[167][168]
O tricentenário foi comemorado no Brasil com entusiasmo semelhante, com
publicação de estudos e cerimónias em muitas cidades, transbordando os
círculos intelectuais, e tornou-se um pretexto para um estreitamento das
relações entre os dois países.[168] Em vários outros países a data foi noticiada e comemorada.[139]
Durante o Estado Novo
essa ideologia não foi muito modificada na essência, mas sim na forma
de interpretação. O vate e a sua obra-prima tornaram-se instrumentos
propagandísticos de consolidação do Estado e passou-se a divulgar então
uma ideia de que Camões era não apenas um símbolo nacional, mas um
símbolo cujo significado era tão particular à sensibilidade portuguesa
que só poderia ser compreendido pelos próprios portugueses. A ironia é
que esta abordagem gerou efeitos contrários imprevistos, e aquele mesmo
estado, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, queixava-se de que a comunidade internacional não entendia Portugal.[166]
Três anos depois da Revolução de abril
de 1974 Camões foi associado publicamente às comunidades portuguesas de
além-mar, tornando-se a data de sua morte o "Dia de Portugal, de Camões
e das Comunidades Portuguesas", no intuito de dissolver a imagem de
Portugal como um país colonizador e se criar um novo senso de identidade
nacional que englobasse os muitos emigrantes portugueses espalhados
pelo mundo. Essa nova ideologia foi reafirmada nos anos 80 com a
publicação de Camões e a Identidade Nacional, um volume elaborado
pela Imprensa Nacional contendo declarações de importantes figuras
públicas da nação. A sua condição de símbolo nacional permanece nos dias
de hoje, e outra evidência do seu poder como tal foi a transformação,
em 1992, do Instituto de Língua e Cultura Portuguesa em Instituto Camões, que passou da administração do Ministério da Educação para a do Ministério dos Negócios Estrangeiros.[169]
Tendo influenciado a evolução da literatura portuguesa desde o século
XVII, Camões continua a ser uma referência para muitos escritores
contemporâneos, tanto em termos de forma e conteúdo como se tornando ele
mesmo um personagem em outras produções literárias e dramatúrgicas.[53]Vasco Graça Moura
considera-o o maior vulto de toda a história portuguesa, por ter sido o
fundador da língua portuguesa moderna, por ter como ninguém
compreendido as grandes tendências do seu tempo, e por ter conseguido
dar forma, através da palavra, a um senso de identidade nacional e
erguer-se à condição de símbolo dessa identidade, transmitindo uma mensagem que se mantém viva e atual.[170] E como afirmou Iolanda Ramos,
"O nome do poeta surge como um símbolo da união do mundo
lusófono. Nesta medida, ganha lugar de destaque a acção exercida pelo
Instituto Camões que, em Portugal tal como no estrangeiro, mantém vivo o
nome desta figura ímpar e sublinha o elo que a une a outras
personalidades nossas contemporâneas. O simples vínculo do nome de
Camões a autores consagrados da língua portuguesa, como Miguel Torga, Vergílio Ferreira, José Saramago, Eduardo Lourenço
e Sophia de Mello Breyner Andresen incentiva, por sua vez, os mais
curiosos a informarem-se sobre o poeta que dá nome ao Prémio (Prémio
Camões) outorgado todos os anos desde 1989".[139]
Notas e referências
Notas
Não
há certeza absoluta quanto ao ano da morte do poeta. D. Gonçalo Coutinho
em 1594 pôs-lhe na sepultura da Igreja de Santa Ana uma lousa com a
seguinte inscrição: «Aqui jaz Luiz de Camões, príncipe dos poetas do seu
tempo, morreu no ano de 1579, esta campa lhe mandou pôr D. Gonçalo
Coutinho, na qual se não enterrará ninguém». O documento relativo à
tença de Camões (Livro III das Emendas, fl. 137 v., Torre do Tombo),
reclamada a título de sobrevivência pela mãe dele, Ana de Sá, refere que
o poeta teria morrido em 10 de Junho de 1580... De qualquer dos modos,
se 10 de Junho se refere ao calendário juliano então em vigor, no calendário gregoriano
atual corresponde a 20 de junho, dia em que se deveria celebrar o
aniversário da morte do poeta e não o 10 de Junho... (Mário Saa, As Memórias Astrológicas de Camões, Empresa Nacional de Publicidade, Lisboa, 1940, pgs. 313-317)