sexta-feira, 10 de julho de 2015

MITOLOGIA DA PENÍNSULA IBÉRICA: PAÍS BASCO E NAVARRA

Gnosticismo & Paganismo
MITOLOGIA DA PENÍNSULA IBÉRICA: PAÍS BASCO E NAVARRA
Revelam-se aqui todos os mitos e personagens mitológicos e seu significado para as gentes das aldeias e povoações remotas do País Basco Espanhol e Francês, e de Navarra. Os Deuses, semi-Deuses e génios da mitologia Basca que habitaram durante séculos no imaginário colectivo desses povos e que em alguns casos sobreviveram ao poder da religião Católica. Um saber ancestral, parte da cultura popular que se vai extinguindo com o passar dos tempos.

Áudio: Castelhano
Fonte: Canal História - YouTube - Biosofia










 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Mitologia Basca:

Há e houve, ao longo da História e das diversas culturas que se sucederam, muitas mitologias. Com efeito, a mitologia encontra-se em todos os povos; nenhum prescindiu desta espécie de superestruturas que sustentam as suas origens, dão coesão às suas comunidades e, ao fim e ao cabo, afirmam a sua identidade.
Os mitos e histórias têm sido contados, cantados, dançados e representados desde um tempo anterior ao tempo histórico. Os mitos - e os princípios universais que estes encerram - formam a urdidura sobre a qual se tece a estrutura do indivíduo, da família, do povo ou da nação. A mitologia utiliza a sua linguagem específica: os símbolos. Os arquétipos - imagens primordiais de sentido consensual e, também, símbolos típicos - não cobrem somente as concepções arcaicas do mundo dos “primitivos” mas integram também os conceitos e ideologias dos povos “modernos”.
Como e para quê existe o mito? Como verbalização do inconsciente; como representação do supra-consciente; como projecção artística e religiosa de um povo; para nos reconhecermos, porquanto o mito constitui a simbologia co-
-integradora de um povo e a reunificação dos aspectos e âmbitos separados; como re-ligação, pois, afinal, a con-cepção de Deus/Deusa é o arquétipo primordial que toda a mitologia celebra e refere como ideia-força aglutinadora. O mito dá sentido e este, onde quer que possa emergir, surge de um concomitante influxo de espírito. A linguagem simbólica permite o acesso do mítico ao místico e a intercomunicação entre ambos.
O povo basco, como todos os grupos étnicos, elaborou uma cultura e uns modos de vida característicos que traduzem a atitude do homem diante dos problemas fundamentais da sua existência.
O País Basco (Euskadi)
A Vascónia, chamada pelos bascos “Euskalerri” ou “Eskualherri”, constitui actualmente a região ocidental dos Pirinéus compreendida entre o Pico de Anié, Serra Salvada
e os rios Ebro e Adur. É uma região onde os vales e montanhas, em desordem, formam um relevo labiríntico, apresentado traços comuns, apesar da sua variedade: altitudes moderadas, acessos fáceis de um vale a outro e de uma vertente a outra, clima suave, zonas de humidade e frescura aptas para um desenvolvimento intenso
da vegetação. O País Basco (”Euskadi”) abre-se ao Oceano, numa faixa costeira de mais de 200 Km, com uma costa rochosa maioritariamente escarpada, com praias de suave declive nas desembocaduras dos rios e com muitos portos naturais.
Numa tal envolvência, húmida, suave, fértil, generosa, divina-mente verde, é fácil aceitar o carácter numinoso e sagrado da Vida e da Natureza.
O Sagrado e o Profano
É comum, entre os povos antigos, a concepção animista do seu mundo e o povo basco não é excepção. O animismo é o pano de fundo da mitologia. Nessa concepção, coloca-se uma divindade ou génio em ligação com cada função ou como agente de cada tipo de fenómeno, pelo que tudo é mágico, sagrado, divino.
Só posteriormente, quando os fenómenos começam a ser explicados na sua contraparte objectiva, é que entra em cena o segundo elemento: o profano. Assim, estabelece-se uma dualidade - de seres, mundos e factos: o sobrenatural ou interno (”Aideko”, em basco) e o natural ou material (”berezko”). São dois mundos bem diferenciados, ainda que se interpenetrem, nos quais só podemos entrar e actuar conhecendo e utilizando as respectivas leis e técnicas. Tal diferenciação conduziu a uma divisão aparentemente irreconciliável: à medida que a ciência moderna avançou, o sagrado retrocedeu, estabe-lecendo-se o (vigente) antagónico dualismo ciência/religião. No en-tanto, os mitos não morrem, apenas se transformam. Podemos também entender a sua lógica intrínseca, os princípios que encerram, as leis que subjazem às suas imagens simbólicas. Do mesmo modo como a ciência se poderá abrir e ampliar a um âmbito de religação, também os domínios míticos e místicos podem ser estudados e compreendidos de acordo com critérios científicos.
Também é geral e popularmente aceite entre os bascos que a realidade não abrange somente o que se percebe com os sentidos e o que é comprovado pela razão mas, ainda, tudo aquilo que tem nome: “Izena zuen guztia omen da” (tudo o que tem nome existe). Lembremos o que se diz num dos livros do Centro Lusitano: “Em Nome, é a expressão do Verbo que faz ressoar um propósito, é a emissão da palavra criadora da vontade de um estado de ser, é a manifestação (ou definição), para o mundo externo, da natureza qualitativa da (de uma) Alma. O Nome é a palavra que envolve, que simboliza (ao mesmo tempo, encobrindo e revelando) uma Alma ou uma Ideia que se faz forma; é a evocação do ser profundo e oculto.” (CLUC - N.E. V, Lisboa, 1999, Centro Lusitano de Unificação Cultural).
Outro elemento essencial na descodificação da mitologia basca, na sua característica concepção do mundo, é a da Realidade como energia numinosa, divina, na sua dupla apresentação: “Adur” / “Indar” - Potência(lidade)/Poder. Insinua-se aqui uma alusão à dupla natureza, passiva e activa, do 3o Aspecto Macrocósmico.
As três referências anteriores explicam e justificam a concepção animista e mágica do mundo inerente à mitologia basca: animista, porque pressupõe que todos os seres e todas as coisas estão animados por “irelus” (espíritos ou forças); mágica, porque tudo o que existe, tudo o que tem nome, as coisas e os seus símbolos estão ligados por “Adur”, o que permite actuar sobre os fenómenos, pessoas ou coisas através das suas representações ou símbolos. Poder-se-á assim identificar “Adur” com o “Akasha” da filosofia esotérica hindu ou com o “Alkhaest” dos alquimistas (sobre estes temas, pode consultar-se o “Glossário Teosófico”, de Helena Blavatsky, e “Luzes
do Oculto”, do Centro Lusitano de Unificação
Cultural).
Cosmovisão
da Mitologia Basca
Mencionaremos seguida-mente algumas das ideias e dos conceitos da peculiar cosmovisão da mitologia basca:
- A superfície da terra é movediça, de tal modo que há plata-formas que sobem e outras que baixam (a alternância cíclica de tudo quanto é manifesto) e muitas montanhas crescem à semelhança dos seres vivos;
- Acredita-se que no interior da terra existem zonas imensas por onde correm rios de leite, sendo, porém, inacessíveis ao homem enquanto este viva na superfície. Essas zonas comunicam entre si através de furnas, poços e cavernas;
- No interior da Terra têm morada muitos dos numes (divindades) e génios bascos;
- A Terra é mãe do Sol (e da Lua) e possui uma força vital que, como base do reino vegetal, sustenta os reinos animal e humano;
- A Terra contém imensos tesouros no seu interior, quase sempre representados pelo elemento ouro;
- Ortzi e Ostri são os nomes bascos do firmamento ou céu azul, o cenário onde se movem os astros, os quais, quando se põem a Ocidente, seguem o seu curso através do mundo subterrâneo. Urtz, como firmamento divinizado, foi venerado pelos bascos, sendo-lhe consagrado um dia da semana, a quinta feira - “ortzegun” (ortz/céu; egun/dia);
- A Ursa Maior e as suas estrelas conhecidas como “Zazpi Izarrak” (sete estrelas) ou “Zazpi Auntzak” (sete cabras) têm a sua própria lenda, justificando a sua aparição. (Também na tradição filosófica oriental se alude aos sete Rishis-Prajapati da Ursa Maior, relacionados com as sete grandes radiações energéticas);
- O Sol, no poente, era saudado com a expressão “Agur”. Diz-se que se ia reunir com a sua mãe, a Terra. A luz solar é “eguzki” e o próprio astro-rei é denominado “eguzkibegi” - olho do sol - e “jainkoaren begi” - olho de Deus;
- A Lua (”Illargia”) é chamada avó. Aos seus eflúvios são atribuídas virtudes sobre plantas e animais.
- As montanhas têm igualmente um carácter sagrado. Com as suas grutas e abismos, são moradas passageiras ou permanentes de muitas das divindades bascas. Destacam-
-se: “Aiako arri”, onde viviam as “Maya”, génios com grandes riquezas; “Larraun”, considerado um lugar de “Akelarre” (reunião de feiticeiras); “Auza”, uma das moradas do serpente “Sugoi”; o monte “Amboto”, envolto numa auréola lendária, por ser uma das moradas de Mari (ver adiante), pela existência de “sorgiÃL;�ak” (magas ou bruxas boas) e pela abundância de santuários e ermitas ao seu redor; “Aralar”, semeada de dólmens e cavernas que constituem morada de seres míticos; “Txindoki”, outra das moradas de Mari; “Balerdi”, com a gruta onde habita o serpente “Sugaar” (segundo a lenda, da sua união com uma princesa da Escócia”, que vivia em Mundaka, nasceu Jaun Zuria, o primeiro Senhor de Biscaia); “Muru”; “Ernio”; “Aizkorri”.
- São muitas as divindades que povoam o mundo mitológico basco; mas é sem dúvida MARI o seu elemento essencial e axial. Os demais elementos são subalternos ou metamorfoses dela. É tal a importância e complexidade de este arquétipo, que mais à frente o descreveremos sucintamente, deixando para um possível artigo posterior uma interpretação e um desenvolvimento mais profundo, ligando-o ao substrato cultural mediterrânico pré-
-indoeuropeu, onde representa uma concepção (de “conceber”) matriarcal do mundo, uma concepção ginecológica da vida e, a um nível mais metafísico e primordial, como afirma M.Eliade “a revelação da santidade do feminino, quer dizer, da mística conjunção de vida, mulher, natureza e divindade” (Mythen, Salzburgo, 1961);
- Entre as outras divindades, citaremos duas que tanto aparecem bem diferenciadas como, outras vezes, de
algum modo fundidas: “Sugaar” e “Iraunsugue” ou “Herensugue”. Ambos se apresentam na forma de serpente macho ou de dragão. O primeiro pode apresentar-se em forma humana. Também é chamado “Maju” ou “Sugoi” e alguns relatos apontam-no como marido de Mari. O segundo pode apresentar-se com uma cabeza ou com sete (um dragão de sete cabeças).
- Igualmente podemos enumerar: “Basajaun”, senhor dos bosques; “Mikalats” e “Atarrabi”, filhos de Mari; e os génios “Maru”, de forma humana;
Elementais
- Associam-se à água muitas tradições de personagens míticas. Assim, “iturri” (fonte), “osin” (poço), “itxasoa” (mar), “urgeldiak” (lagoas) são habitats de diferentes génios: “lamiak”, “sorgiÃL;�ak”, “gaizkinak” ou “traganarru” (génio das trombas marinhas). As lâmias têm figura humana, se bem que os pés possam ser de pato, de cabra. e nas zonas costeiras a sua parte inferior é de peixe. Normalmente são do género feminino; diz-se que a sua cor é de cobre e que alumiam pela boca;
- Entre os génios ou “irelus”, há aqueles, familiares, que estão ao serviço do homem: “galtxagorriak” (os de calção encarnado), “gorritxikiak” (os vermelhinhos), “mamurrak” (os insectos). Todos estes são nomes para designar a seres minúsculos - de figura humana ou de insecto - que ajudam a alguns seres humanos nos seus afazeres. Guardam-se numa alfineteira e, quando esta se abre, saem dela e giram vertiginosamente à volta da cabeça do dono, perguntando de forma incessante: “Que queres que façamos?”;
- Entre os génios maléficos, refira-se: “deabru” (espírito maligno); “etsai” (diabo, inimigo); “aidetikako” (raio; génio que forma e dirige as tempestades); “inguma” (génio nocturno); “sorguin” (bruxo); “guizotso” (lobisomem);
- No mundo vegetal e animal, há algumas espécies que gozam de estatuto sagrado: o espinheiro (”elorri”), o carvalho (”aritza”), o loureiro (”ereÃL;�oa”), a faia (”pagoa”) ou, no reino animal, o asno (”asto”), a joaninha (”marigorri”), a que também se chama “avó da saia encarnada” (”amandre gona gorri”) e a abelha (”erlea”), que é pecado matar. Encontramos, evidentemente, muitos pontos de coincidência com as sacralidades atribuídas por outros povos a certas plantas ou animais.
Mari
- Como já dissémos, como elemento central e totalizador da mitologia basca, encontramos a deusa MARI. Está por cima de todos os demais numes, a que assume. Estes últimos, actuam sob as suas ordens ou ao seu serviço ou são diferentes formas de ela se encarnar e manifestar. Pode apresentar-se como uma senhora elegantemente atavia-da, como senhora sobre um carro puxado por quatro cavalos que sulca o céu, como mulher envolta em chamas cruzando o espaço e estendida horizontalmente, como mulher grande com a cabeça rodeada pela lua cheia, em forma de bezerra, de corvo, como nuvem branca, como arco-íris, etc., etc.
Entre as suas actividades mais frequentes, podemos assinalar: fiar, pentear o seu comprido cabelo, desfiar, fazer novelos de ouro (remetendo tudo isso aos ciclos de vida, morte e regeneração), gerir tempestades. Ela atende todos os
que pedem o seu auxílio, dá conselhos e realiza oráculos. Quem a visita para solicitar ajuda deve cumprir três formalidades: tratá-la por tu, sair da gruta da mesma forma que se entrou (isto é, sair recuando) e não se sentar até que ela convide a fazê-lo.
Mari condena a mentira, o roubo, a vaidade, o incumprimento da assistência mútua. As pessoas são castigadas com a privação ou a perda do que foi objecto de mentira ou de usurpação. É dito que Mari se abastece à conta dos que negam a verdade e dos que afirmam a mentira: “ezagaz eta baiagaz” (abastece-se com a negação e com a afirmação mentirosa).
A Casa
- O último elemento descrito será a casa (”etxea”). Esta é terra, albergue, templo, cemitério, suporte material, símbolo e centro comum dos membros vivos e defuntos da família. É um recinto protegido e inviolável, um lugar sagrado a que está inerente o direito de asilo.
A “etxekoandre” (senhora da casa) é a principal ministra da religião doméstica. Estas funções manifestam a dignidade e o prestígio atribuídos à mulher basca que, em comparação com outras culturas, viu favorecida a sua situação social e política, tendo sido instituída como herdeira da casa, de preferências aos irmãos varões.
Esperamos ter podido transmitir, com esta esquemática e, evidentemente, incompleta exposição, algo da peculiar visão do mundo do povo basco, uma parte
da sua originária e específica Mitologia.
Fica, assim, para uma posterior ocasião o seu desenvolvimento mais profundo, a partir do arquétipo de Mari, a máxima deusa basca, para a qual vale o
que Apuleyo afirma sobre “a deusa de mil nomes” (por exemplo, Sarasvati, Aditi, Durga e Kali na Índia; Amaterasu no Japão; Anahita, na Pérsia; Jnanna, na Suméria; Ísis, Ishtar e Hathor no Egipto; Tiamat, na Acádia; Héstia, Afrodite, Artemisa e Palas Atena na Grécia; Hera, Vénus, Deméter e Perséfone, em Roma; Danae entre os egeus, etc.) ou o que, na sua “De Rerum Natura”, Lucrécio cantou:

“Alma fecunda, do ser humano mãe,
Por ti toda a criação é concebida,
Sozinha o império da Natureza reges,
Sozinha os seres sem cessar produzes,
Nada nasce sem ti, nada se engendra”`

Idoia Lopez Alonso

Tradutora (nomeadamente, das obras do Centro Lusitano de Unificação Cultural para Espanhol)

Nota: a Autora é espanhola, tendo nascido em Durango, perto de Bilbau, no País Basco. O texto foi escrito em Castelhano. A tradução é de José Manuel Anacleto.

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